RS. Com embate entre geração de empregos e saúde da população, Assembleia Legislativa discute mineradora

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A velha dicotomia entre a necessidade de desenvolvimento e a defesa do meio-ambiente foi o pano de fundo do debate realizado na manhã desta quarta-feira (19) na audiência pública sobre o Projeto Caçapava do Sul, que prevê a instalação de uma mineradora da Votorantim nesta cidade do sul do Estado. A audiência, chamada de “Riscos, Desafios e Perspectivas do Projeto Caçapava do Sul, da Votorantim Metais, para a Bacia Hidrográfica do Rio Camaquã e para o Bioma Pampa”, foi realizada pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, em um auditório Dante Barone lotado e colocou, frente a frente, defensores e movimentos contrários à mineração.

Aqueles que acham que o projeto gerará empregos e ajudará a desenvolver uma das regiões mais pobres do Estado, e aqueles que alertam que os riscos ambientais e para a saúde não valem a instalação da mineradora, sobretudo porque também trarão impacto negativo à agricultura familiar já existente nos arredores de onde serão exploradas minas de chumbo, zinco e cobre.

A reportagem é de Luís Eduardo Gomes, publicada por Sul21, 19-04-2017.

O primeiro a fazer a defesa da mineração foi Paul Cézanne, líder do projeto da Votorantim Metais, que prometeu desmistificar argumentos contrários apresentados em audiências públicas sobre o tema realizadas anteriormente no interior do Estado. Cézanne disse, por exemplo, que a principal preocupação apresentada, que seria a contaminação das águas do Rio Camaquã, não irá ocorrer, uma vez que não haverá descarte de rejeitos no rio. Também afirmou que a atividade mineradora não irá assorear o rio, uma vez que irá captar o equivalente a apenas 0,05% de sua vazão e terá uma estação de tratamento para fazer o reaproveitamento de 100% da água. Disse também que o impacto ambiental será mínimo, uma vez que não serão construídas barragens e que o descarte de rejeitos será feito em pilhas a seco. Ao final da operação, disse que será feita a revegetação da área com espécies da região.

Em relação à questão financeira, disse que o investimento inicial será de R$ 371 milhões e que a expectativa é que 450 empregos diretos sejam gerados, com o potencial para várias vezes isso de empregos indiretos gerados. Cézanne explicou que, pelo andamento atual do projeto, em fase de análise do Eia-RIMA pela Fepam, a expectativa é iniciar a operação no primeiro trimestre de 2020, que terá como objetivo produzir anualmente 16 mil toneladas de zinco concentrado, 5 mil de cobre e 36 mil de chumbo durante 20 anos. Ele ainda rebateu a crítica de que os recursos gerados pela atividade não ficarão nos municípios diretamente atingidos – Caçapava do Sul e Santana da Boa Vista -, alegando que eles ficarão com 65% dos impostos gerados e seus moradores terão prioridade durante a fase de contratação de mão de obra.

Na sequência, o presidente da Comissão de Saúde e Meio Ambiente, Altermir Tortelli (PT-RS), chamou a secretária do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável para falar em nome do governo do Estado e da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), mas, logo em seguida, esclareceu que ela, apesar de ter confirmado presença, não compareceu e nem enviou representantes. Na sequência, o promotor Schinestsck Rodrigues, do Ministério Público, informou que o órgão já instaurou um inquérito civil para analisar a atividade de mineração, salientando que é preciso fazer uma análise multidisciplinar que leve em consideração critérios técnicos, como o risco de desastres e o impacto hídrico, e que isso levará a uma conclusão, favorável ou contrária, mas ainda não emitida.

Tortelli passou, então, a palavra para dois palestrantes contrários ao projeto. O primeiro deles, Marcos Borba, representante da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) salientou que o que estava em jogo eram duas visões de mundo. De um lado, a que pretende estabelecer uma relação entre produção e desenvolvimento com preservação do meio ambiente e, de outro, a “perspectiva que só visa o lucro”. Borba salientou que a região onde a mineradora pretende se instalar, conhecida como Alto Camaquã, é a mais preservada em termos ambientais do RS, sendo a área com maior percentual de Bioma Pampa remanescente, e que o enfrentamento à mineração significava preservar isso e a identidade dessa região. “Estamos falando de uma disputa entre extrair minério até o limite para exportação ou produzir alimentos que vão para a mesa da população”, disse.

Sobre a questão financeira, Borba também falou que o imposto gerado pela atividade mineradora, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), equivale a apenas 2% do faturamento declarado da empresa e que, em uma conta rápida, considerando a produção anunciada pela Votorantim Metais, isso representaria, no máximo, R$ 2 milhões anuais para Caçapava do Sul e Santana da Boa Vista. Por outro lado, ponderou que se houvesse um investimento maior na ovinocultura – a região possui mais de 650 mil cabeças de ovinos – seria possível arrecadar mais de R$ 120 milhões. Ele ainda pontuou que, de fato, a atividade gerará empregos, mas estes serão gerados em outros países, uma vez que os metais minerados serão exportados na forma bruta. Diante desse quadro, para Borba, a justificativa para o projeto não seria nem econômica, nem social ou ambiental, mas voltada apenas aos interesses da empresa.

Em seguida, o biólogo, professor da UFRGS e coordenador-geral do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Paulo Brack, ressaltou que a atividade de mineração, em especial do chumbo, traz sérios riscos à saúde. Segundo ele, o chumbo tem efeito cumulativo, que permanece mesmo décadas após o fim da mineração, e pode afetar os sistemas nervoso e reprodutor, a formação de fetos e o desenvolvimento neurológico de crianças, além de poder causar o coma ou até a morte. Segundo ele, mais de 1 milhão de crianças foram afetadas pela mineração de chumbo apenas nos Estados Unidos. “A Fepam não consegue questionar nem a extração de calcário, vai conseguir fiscalizar um empreendimento muito maior?”, questionou.

Prefeitos

A audiência trouxe também posições contrários de dois prefeitos da região. Beneficiado diretamente pelos investimentos, Giovani Amestoy (PDT), de Caçapava do Sul, defendeu o projeto com a alegação de que a região convive com a atividade mineradora há 150 anos e “o Rio Camaquã continua lá, continua limpo”. Por outro lado, salientou que a região é empobrecida e não recebe apoio dos governos estadual e federal que justificasse não receber a Votorantim. “Cadê o desenvolvimento da cidade, da região? Onde está a valorização do pequeno produtor? Não é barrando a mineradora que vamos valorizar o pequeno produtor”, disse.

Do lado contrário, a prefeita de Cristal, Fabia Richter (PSB), defendeu que os recursos investidos a curto prazo não serão suficientes para cobrir os custos que serão gerados por ela no futuro. Enfermeira, disse que a ação dos metais pesados é como uma doença silenciosa, que, a longo prazo, irá trazer uma série de problemas para a região. “Quem garante que quem sentar na minha cadeira daqui a 40 anos não vai ter que lidar com um desastre?”, questionou.

Deputados

Posições divergentes também foram registradas entre os deputados estaduais presentes. Proponente da audiência, Luiz Fernando Mainardi (PT) fez uma defesa enfática da posição contrária, baseada na necessidade de preservação do Rio Camaquã para toda a região. Edegar Pretto (PT), presidente da Casa, reconheceu que a questão do emprego era importante, mas disse que, ao visitar à região há cerca de 15 dias, viu que o rio ainda tinha uma água cristalina, o que é uma raridade em um Estado que se destaca pelo uso de agrotóxicos. Ele defendeu que o “meio ambiente não pode pagar a conta em nome do lucro de alguns”. Na mesma linha, manifestaram-se contrários ao projeto os deputados Pedro Ruas (PSOL), Regina Becker (REDE) e Pedro Pereira (PSDB), este justificando que o projeto foi apresentado tarde demais e, por ser médico, sabia dos riscos da mineração do chumbo à saúde. Ele ainda criticou a ausência de Ana Pellini na audiência.

Por outro lado, seu colega de partido Lucas Redecker, apesar de também criticar a ausência da representação da Fepam, disse que o tema não poderia ser “grenalizado” e fez a defesa da mineração, dizendo que a atividade é “fundamental para o desenvolvimento do mundo” e que era preciso minerar “em todos os lugares” para que isso seja feito de forma sustentável. Disse, porém, que só será favorável caso a Fepamdetermine que não há risco para a saúde dos moradores da região, posição semelhante a adotada pelos deputados Gilmar Sossella e Ciro Simoni, ambos do PDT. Mais enfático, o deputado Fixinha (PP) disse que o Estado já não podia mais perder investimentos como ocorrera no passado e que era preciso ter uma visão técnica, não fazer politicagem, como estariam fazendo os adversários do projeto. Arrogando para si, dessa forma, uma suposta neutralidade política, o que também foi repetido por outros manifestantes favoráveis ao projeto.

Alternativas e problemas no Eia-RIMA

Apesar de o plenário estar dividido entre favoráveis e contrários ao projeto, era notório que os primeiros estavam em desvantagem numérica e eram, em grande maioria, moradores de Caçapava do Sul, enquanto os contrários vinham de outras cidades, mas especialmente de Bagé. Durante as falas da mesa, a audiência tentou equilibrar ambos os lados, apesar dos contrários serem maioria, e garantiu que, quando a palavra fosse liberada para o público, o tempo fosse dividido ao meio entre cada lado.

Líder da União Pela Preservação do Camaquã (UPP) e gestor da Associação para o Desenvolvimento do Alto Camaquã (ADAC), Marcos Blanco, discordou do prefeito de Caçapava e disse que tanto o governo estadual como o federal já apoia projetos de desenvolvimento para a região, mais precisamente para o desenvolvimento da ovinocultura, que já teria captado mais de R$ 7 milhões para o desenvolvimento da produção local. Disse, porém, que este trabalho foi ignorado pelo estudo de impacto ambiental e que está ameaçado pela atividade mineradora. “Um projeto de mineração é um rato na cozinha. Quando souberem que tem um projeto desses na região, duvido que alguém queira comprar os produtos”, disse.

Fernando Campos, da ONG Amigos da Terra Brasil, disse que, ao analisar o projeto, era preciso estudar o passado para verificar se era possível confiar no que a Votorantim prometia. Por receio de contaminação da água, Renato Zenker, doComitê Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Camaquã, disse que o organismo era contrário ao projeto. Rebatendo a fala anterior de Gilmar Sossella, que disse que a pior coisa para uma cidade era ver seus moradores buscarem emprego em outro lugar, o vereador Chico (PSB), de Bagé, disse que preferia ver seus filhos procurarem emprego fora a morrer por causa do chumbo.

Já os professores universitários Antônio Philomena (FURG), Althen Teixeira Filho(UFPEL) e Demétrio Guadagnin (UFRGS) fizeram fortes críticas ao Eia-RIMA, dizendo que ele não trazia informações suficientes ao impacto ambiental, que desconsiderava diversas espécies da fauna e flora nativa e, o que foi destacado de forma mais incisiva pelo professor Althen, era péssimo e baseado em mentiras.

De outro lado, na defesa dos projetos, moradores de Caçapava do Sul, em especial de Minas do Camaquã, disseram que a região já convive com a mineração há muitas décadas e nunca souberam de registros de problemas de saúde relacionados à atividade.

Ao final, como encaminhamentos, o deputado Tortelli propôs cobrar uma agenda da Fepam para que o órgão esclareça sua posição sobre o projeto, cobrar do governo políticas claras sobre a mineração e para o desenvolvimento regional, estabelecer uma mesa de diálogo com as duas partes para buscar soluções para o projeto e formar uma comissão de deputados para visitar experiências de mineração, no Brasil e no exterior, que estão de acordo com as promessas da Votorantim de impacto mínimo ao meio ambiente e outras em que houve degradação do ecossistema local.

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