Luciana Seabra – 14-01-2014.
Em tempos de retornos atraentes fora do país, gestores de fortunas têm desaconselhado temporariamente que clientes criem empresas em paraísos fiscais com o objetivo de investimento financeiro. A Medida Provisória (MP) nº 627, publicada pelo governo em novembro, pôs em questão as vantagens de se criar estruturas “offshore” para aplicar em ativos fora em vez de investir diretamente como pessoa física ou via fundos. Grande parte dos benefícios tributários que costumavam ser defendidos por serviços de private e escritórios de direito vai cair por terra a partir de 2015 se a MP for convertida em lei. O tema tem sido discutido à exaustão em reuniões internas e encontros com clientes, com muitas dúvidas ainda sobre a mesa. Para alguns, a lei pode respingar também em fundos exclusivos, ou seja, de um único cotista, outro veículo usado por brasileiros para investir fora.
Parte dos administradores de fortunas e escritórios de direito ouvidos pelo Valor preferiu não se identificar ao comentar os pontos controversos da MP 627. A maioria deles tem sugerido que os clientes aguardem a definição legal para compará-la com as alternativas e tomar uma decisão, uma vez que abrir e fechar uma offshore envolve custos. As novas regras, caso sejam aprovadas, vão valer também para quem já tem empresa aberta no exterior. Para esse grupo, a recomendação é manter a estrutura, por enquanto, para reavaliar o interesse de conservá-la e passar a seguir novas rotinas, se a medida provisória virar lei.
A MP 627 foi amplamente discutida no contexto corporativo por alterar a tributação de lucros obtidos por empresas controladas e coligadas no exterior. No universo da pessoa física, a novidade que tanto tem causado rebuliço é a impossibilidade de postergar o pagamento do imposto de Renda em estruturas tradicionalmente montadas para investir fora.
Até agora, se a pessoa física abre uma empresa no exterior e investe por meio dela, os ganhos obtidos não são taxados enquanto não forem distribuídos. Se ele aplica R$ 1 milhão em um fundo e resgata R$ 1,2 milhão um ano depois para investir em outra carteira ou em ações, por exemplo, não precisa pagar imposto de Renda sobre o ganho de 20% desde que o dinheiro não deixe a companhia. A contribuição pode ser postergada por tempo indeterminado até que os recursos passem da pessoa jurídica para a pessoa física.
Se a MP virar lei da forma em que está escrita, a partir de 2015 esses investidores vão ter que levantar o balanço da empresa no exterior – o texto não é claro sobre a periodicidade e os especialistas divergem se será mensal ou anual – e informar se houve lucro. Nesse caso, será preciso pagar o imposto de Renda, mesmo que o dinheiro continue dentro da empresa.
“Hoje muitas famílias usam a offshore como diversificação de patrimônio. O dinheiro fica lá dois, cinco, dez anos e, mesmo que se multiplique, pagam zero de imposto, postergando para o dia em que precisarem dos recursos”, diz Samir Choaib, sócio do Choaib, Paiva e Justo Advogados Associados. Tal vantagem tributária acabaria com a nova lei.
A MP faz referência à necessidade se recolher o imposto via carnê-Leão, mas não explicita qual é a alíquota, o que também criou dúvidas no mercado. Para Andrea Nogueira, sócia do Velloza & Girotto Advogados, está claro que vale a tabela progressiva. Segundo ela, o ganho apurado no balanço vai compor a base de cálculo na declaração de ajuste anual, recaindo sobre ele a alíquota de até 27,5%.
Em meio ao conteúdo das 513 emendas apresentadas pelos congressistas à MP, entretanto, está a proposta de alíquota de 15%. O argumento é que a taxação se equipare ao padrão para rendimentos e ganhos de capital obtidos por pessoas físicas no exterior.
Hoje a alíquota de 15% é a que incide, por exemplo, sobre saques do fundo exclusivo constituído no exterior. Essa carteira também tem pagamento de imposto postergado, mas a estrutura é mais complexa, com abertura e manutenção mais custosas. Parte dos advogados e especialistas em gestão de patrimônio acreditam, entretanto, que as novas regras também podem atingir esses veículos, ou pelo menos parte deles (veja abaixo).
“O que estamos recomendando ao cliente é esperar um posicionamento para ver como vai ficar a lei”, diz William Heuseler, chefe de planejamento de patrimônio do private do Itaú Unibanco. “Quem não está organizado deve se organizar, reunir documentos e esperar.” O banco, diz, sempre recomendou aos clientes que fizessem balanços da offshore, ainda que não fosse preciso pagar imposto.
Heuseler espera a nova lei para o fim de março. A MP deve ser convertida em lei no prazo de 60 dias a contar da publicação, prorrogável por mais 60 dias. O recesso parlamentar, que termina ao fim de janeiro, não entra no cálculo.
Se realmente cair a possibilidade de postergar o imposto via offshore, outras formas de investir no exterior, como por meio de gestores brasileiros que aplicam fora, voltam a ser avaliadas. No ano passado, com a perspectiva de recuperação das economias desenvolvidas e de valorização do dólar, cresceu a oferta, por bancos e gestores independentes, de fundos que investem 100% no exterior. Nesse caso, é preciso levar em conta a aplicação mínima de R$ 1 milhão por carteira e, no caso de fundos multimercados abertos, a incidência de “come-cotas”, tributação semestral.
Uma fonte do setor que preferiu não se identificar acrescenta que os fundos brasileiros que investem fora nem sempre fazem frente ao anseio dos clientes de estar totalmente desligados de riscos relacionados ao próprio país, já que a aplicação é feita por meio de uma instituição com sede no Brasil.
Sobre a alternativa de investir diretamente em ativos fora, ainda que ganhe atratividade do ponto de vista tributário em relação à offshore, é preciso levar em conta o imposto sobre herança. No exterior, é comum a taxação ser bem mais pesada do que no Brasil – a alíquota do imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que varia de um estado para outro, é de 4% no Rio e em São Paulo. Pessoas físicas de qualquer cidadania que tenham ativos americanos, como ações de companhias dos EUA e imóveis, por exemplo, estão sujeitos, no momento da morte, ao imposto sucessório federal, que chega a 40%.
A sucessão deve ser levada em conta por quem optar por investir diretamente fora, diz Choaib. Nesse caso, uma ideia é colocar nas contas a possibilidade de um seguro para pagar o tributo sobre a herança. Choaib diz que tem recebido muitas consultas sobre a MP. “A recomendação básica é aguardar a conversão em lei. Depois teremos que ver caso a caso”, diz.
Outra dúvida em cena é se a aplicação das novas regras será ou não retroativa. “Subentende-se que para o lucro apurado até antes da MP vai vigorar o regime anterior, por direito adquirido, mas isso não está claro”, diz Choaib. O texto atual, para Andrea Nogueira, parece atingir também lucros de antes de 2015. Segundo a advogada, entretanto, tentativas anteriores de taxar estoques foram consideradas inconstitucionais.
Seja como for, a regra básica é ter paciência. “Esse talvez não seja o momento para tomar uma decisão”, disse um advogado que preferiu não se identificar. “Se você já tem uma estrutura, não deixe de mandar dinheiro. O máximo que pode acontecer é ter que desmontá-la”, afirmou um administrador de recursos. O custo para abrir uma offshore, estima, é de US$ 5 mil. Outros US$ 2,5 mil são necessários para fechá-la. Para quem ainda não montou um veículo para aplicar fora, completa a fonte, até que as normas fiquem mais transparentes, melhor investir como pessoa física.
Disponível em http://www.apet.org.br/noticias/ver.asp?not_id=19322