por Roberto Bocaccio Piscitelli – Prof. da UnB (Finanças Públicas)
O governo aumentou o IOF das pessoas físicas, de 3,0% para 4,08%, e o das pessoas jurídicas, de 1,5% para 2,04%. A vigência, imediata, é de 20 de setembro até 31 de dezembro. A medida foi adotada por decreto; é prerrogativa do Presidente da República alterar as alíquotas de alguns tributos, especialmente daqueles que têm caráter eminentemente regulatório (independentemente de suas finalidades arrecadatórias). Portanto, não necessita de aprovação do Congresso, além de se constituir em valor não está sujeito a rateio com os demais entes da Federação.
A previsão anunciada é de arrecadar R$ 2,14 bilhões e se destina, teoricamente, a ajudar a custear o novo auxílio-Brasil, uma espécie de bolsa-família turbinada – substituindo o atual auxílio emergencial, a partir de novembro, passando a beneficiar 17 milhões de famílias, com aumento da população-alvo e dos valores atribuídos aos beneficiários.
Como não se fez – e não há perspectiva de que se faça – uma verdadeira reforma tributária, que seria suficiente e oportuna para custear um programa assistencial robusto e permanente, e diante do estreitamento do calendário eleitoral e queda acentuada de popularidade do governo, instaurou-se um verdadeiro vale-tudo, à base da improvisação e da “criatividade”.
As consequências eram previsíveis: o dólar logo se elevou e a bolsa desabou. Mas os efeitos a médio e longo prazo são muito mais profundos e nefastos. Haverá um encarecimento do crédito, já pressionado pela elevação contínua dos juros, num ambiente de inflação crescente e queda da renda, afetando diretamente os consumidores – já bastante endividados – e as empresas – sobretudo as pequenas e médias, que dependem mais do crédito bancário para financiar seu capital de giro. De um lado, as famílias terão mais dificuldades nas suas compras a prazo e na rolagem de suas dívidas; de outro, as empresas terão que suportar esses aumentos de custos – e repassá-los – para manter sua produção. A medida é, pois, inflacionária e recessiva, e torna mais remota a perspectiva de retomada do crescimento.
Mas – já diziam nossos avós –como desgraça pouca é bobagem, o Congresso está em vias de consagrar um calote com todos os requintes de crueldade, em desfavor dos credores seculares do Estado, justamente a pretexto de financiar o novo auxílio-Brasil, rolando mais uma vez os precatórios, frustrando as expectativas de trabalhadores e servidores que esperaram por anos a fio – e a muito(s) custo(s) – o seu recebimento, que provavelmente ficará para a sua posteridade, se não for negociado por uma mínima fração de seu valor. É que essa foi colocada como a (única) alternativa para pagar o novo auxílio.
Aliás, mesmo que tivéssemos que adiar ou fatiar a tão necessária reforma tributária, custa a crer que, para pagar os perto de R$ 100 bilhões de precatórios, não pudéssemos rever o “orçamento secreto” dos amigos do rei, ou então, simplesmente, nos dispuséssemos a cobrar e executar a monumental dívida ativa, que se situa numa escala de trilhões.
É certamente a estratégia deste governo e do sistema em que estamos mergulhados: retirar da classe média para transferir aos pobres, porque não se tem a coragem e determinação suficientes para exigir dos ricos um pouco de tudo o que eles sempre extraíram da sociedade brasileira.