NOTA IJF – A "farra dos créditos" nos concentrados de refrigerantes em prejuízo da Fazenda Pública

A propósito dos debates realizados em 10-11-2017 no Seminário Internacional “Taxação de bebidas adoçadas para prevenção da obesidade”, o Instituto Justiça Fiscal emite a seguinte

NOTA IJF

O Instituto Justiça Fiscal entende que o desenho e execução do sistema tributário é um elemento constituinte do Estado e definidor do seu modelo. Aperfeiçoar o sistema fiscal tendo por base os fundamentos da justiça fiscal é forma de contribuir para a construção de uma sociedade justa, livre e solidária.
O Sistema Tributário tem a nobre função de distribuir renda, além de outros importantes objetivos. Tratando-se o Brasil de um país campeão em concentração da renda e riqueza, a função distributiva ganha relevância. No entanto, essa funcionalidade do sistema pode desempenhar efeito contrário quando, seus mecanismos de tributação e renúncias fiscais são capturados pelo poder econômico, agravando a concentração, propiciando a concorrência desleal e tornando o país ainda mais desigual.
As renúncias fiscais têm a função, dentre outras, de promover equalização das rendas entre as regiões e promover a equidade. Os subsídios relativos à Zona Franca de Manaus e Amazônia Ocidental, constituem o segundo maior gasto tributário da União (segundo Relatório da SEAE, de 2003 a 2016 recebeu R$ 290 bilhões de subsídios de um total de R$ 2,3 trilhões), mas não há transparência nem controle sobre eles, pois não entram na discussão anual do Orçamento Geral da União.
A falta de transparência propicia distorções absurdas.
Vejam o caso das grandes empresas de refrigerantes que levaram para a Zona Franca de Manaus suas unidades de fabricação dos principais insumos para fabricação de bebidas. Tendo em vista os significativos benefícios fiscais a empresas na Zona Franca, as gigantes do refrigerante alegam que fabricam, em Manaus, os denominados concentrados das bebidas _ na verdade, os concentrados ou xaropes são industrializados nas fábricas espalhadas pelo restante do País. Desta forma, haveria o repasse, para os fabricantes espalhados pelo Brasil, do principal insumo a um custo bastante reduzido.
 
Mas o que ocorre é o contrário e veremos o porquê. Ao afirmar que deram saída de concentrado da Zona Franca para o restante do território nacional – e não dos insumos para fabricação do concentrado – as fornecedoras localizadas em Manaus geram um crédito em favor do comprador, apesar da operação se dar com isenção do IPI. Assim, as multinacionais fabricantes de refrigerantes, adquirentes dos insumos provenientes da Zona Franca de Manaus, se creditam do valor do imposto que não foi pago na compra do produto. São os chamados créditos presumidos. É um enorme presente que a sociedade brasileira dá às grandes multinacionais de refrigerantes. Paradoxalmente, abrimos mão de recursos que poderiam subsidiar a saúde para subsidiar uma atividade que gera danos à saúde.
Portanto, quanto maior o imposto que deixa de ser pago na saída do produto fabricado na Zona Franca, maior o valor devolvido à empresa. Por isso, estas empresas são ferrenhas defensoras da elevação da alíquota do IPI incidente na fabricação dos concentrados, criando uma situação tributária absolutamente esdrúxula em que as alíquotas dos insumos são maiores do que as alíquotas dos produtos prontos. Enquanto os refrigerantes prontos estão sujeitos a alíquotas de 1,5 a 4% de IPI, o xarope tem uma alíquota vigente de 20%. E já teve alíquotas de 27% há alguns anos atrás.
Tentativas, no passado remoto e recente, de reduzir a alíquota do IPI incidente nos concentrados são sistematicamente rechaçadas por lobbies poderosos das poderosas indústrias de bebidas.
Não bastasse esse enorme favor concedido pelo Estado brasileiro à fabricação de um produto que por questão de externalidades negativas à saúde pública deveria ter uma tributação majorada, ainda assim essas empresas multinacionais praticam superfaturamento de forma vergonhosa dos preços desses concentrados, como revela a publicação “Por Trás do Rótulo: Créditos de IPI quebram o setor de bebidas” (AFREBRAS/2017). Segundo este estudo, os concentrados produzidos na Zona Franca de Manaus e vendidos para as empresas do próprio grupo chegam a ter preços 20 vezes superiores aos preços praticados na venda dos mesmos xaropes produzidos no restante do território nacional. É óbvio que produzir na Zona Franca não pode ser mais caro do que no restante do país. Ou seja, além da alíquota elevada de IPI sobre os insumos, a própria base de cálculo é artificialmente elevada para aumentar o volume de créditos tributários a serem restituídos. É uma verdadeira fábrica de dinheiro.
Esta mesma artimanha é praticada também em relação ao ICMS, que permite a restituição de 55% a 100% do imposto não pago na Zona Franca. Estima-se que apenas o estado do Rio Grande do Sul perde aproximadamente 14,5% da arrecadação total de ICMS com estes créditos todos os anos. Em 2016, o montante de crédito do setor foi de aproximadamente R$ 77 milhões.
A elevação artificial dos custos produz também a redução do Imposto de Renda, uma vez que reduz os lucros tributáveis ou produz prejuízos. Antes que se argumente que a redução do IR seria compensada com a elevação do lucro das fabricantes dos concentrados, é preciso esclarecer que as empresas da Zona Franca gozam também do benefício de redução de 75% no Imposto de Renda. De acordo com a publicação, citada anteriormente, esta “brincadeira” gera perdas de arrecadação tributária da ordem de R$ 9,2 bilhões ao ano.
As renúncias fiscais são importante instrumento de incentivo ao desenvolvimento nacional desde que sejam usadas para propiciar um crescimento econômico com distribuição de renda. O Instituto de Justiça Fiscal entende que a discussão de sua concessão, assim como o acompanhamento da execução dessa renúncia deve ser acompanhada pela sociedade e para tanto não cabe o sigilo fiscal. Defende o Instituto de Justiça Fiscal que os gastos tributários sejam tratados com transparência e apresentados anualmente os valores renunciados e os benefícios sociais e econômicos decorrentes de tais subsídios.
Com o objetivo de acabar com a “farra dos créditos” sugerimos como proposta estudar a viabilidade de extinção do crédito presumido do IPI e do ICMS para fabricantes de refrigerantes, ou alternativamente, a redução da alíquota do IPI dos concentrados a zero, de forma a eliminar, no nascedouro, a motivação das fraudes generalizadas.