Maria Regina Paiva Duarte*
A concessão de incentivos tributários para a indústria automobilística recentemente anunciada pelo governo federal poderá significar uma renúncia fiscal da ordem de R$ 7 bilhões no ano de 2019. Serão R$ 2,1 bilhões por meio do programa de incentivos chamado Rota 2030 e o restante por meio da renovação de programas de incentivo já existentes.
Em momentos como esse, reacende-se a discussão sobre os reais e efetivos resultados da concessão de benefícios tributários a setores e empresas que, na maioria das vezes, já contam com outros privilégios e sofisticados mecanismos para reduzir o pagamento de tributos.
Os investimentos em pesquisa de novos produtos e novas tecnologias; na produção, com investimento em bens de capital; no mercado de trabalho, com a geração de empregos; no estudo dos impactos ambientais e sociais, em geral não ocorrem. Estas exonerações acabam, muitas vezes, estimulando o envio de recursos ao exterior e alavancando o montante de fluxos financeiros ilícitos.
Não há comprovação de que, de fato, esses benefícios geram mais ganhos do que perdas. Os empregos não correspondem aos anunciados, as indústrias poluem, danificam o meio ambiente, podem causar impacto incomensurável, não ocorre o aumento da atividade econômica e o desenvolvimento compatível com os benefícios concedidos. Falta o requisito essencial, a transparência[1].
Por outro lado, este tipo de questão pode levar a uma abordagem, no mínimo, equivocada, quando muitos especialistas no tema tributário, parlamentares, representantes dos governos e cidadãos afirmam que o problema está em que “a carga tributária é elevada, a mais alta do mundo, os impostos são muito altos, o cidadão comum paga muito mais e não tem estes benefícios”, entre outros mitos que são tratados como verdade absolutas.
Em primeiro lugar, a carga tributária brasileira não é mais alta do que a média dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), nem os nossos impostos os mais elevados. É preciso contextualizar as realidades, especialmente em termos de valores que cada país tem para gastar por habitante (carga tributária per capita). Também é preciso contextualizar o tipo de estado que quer cada país. Dizer, simplesmente, que os impostos são muito altos, nada resolve, porque é preciso analisar se efetivamente os impostos estariam altos e também, muito relevante, saber quem estaria pagando esses impostos. Os muito ricos, já sabemos, pagam proporcionalmente muito menos Imposto de Renda que os cidadãos de classe média e baixa, por exemplo.
Reduzir os impostos, simplesmente, também não é a solução, principalmente se queremos um Estado que cumpra como um dos objetivos, expresso na Constituição Federal de 1988, de reduzir as desigualdades sociais. Acreditar que reduzindo os impostos não seria necessário conceder exonerações ou isenções, é ilusório, porque as empresas vão continuar pedindo e recebendo benefícios e isenções. Não porque a carga tributária seja elevada, mas para terem condições relativamente mais favoráveis. Se a carga tributária for reduzida, continuarão recebendo os incentivos pelo mesmo motivo e, se for zerada, passarão a receber subsídios, porque o objetivo do benefício é ter a vantagem relativa.
Beneficiar algum setor, incentivar a produção, a indústria, não são ruins por si sós. Mas a concessão de benefícios via renúncia fiscal não é forma mais adequada, em geral, para gerar o incremento e a contrapartida desejados. O mercado, como já se viu na maioria das vezes, inclusive em experiências internacionais, não é capaz de dar a resposta desejada. Mas o Estado, com sua capacidade de regulação, pode, na medida em que, por exemplo, investe os recursos arrecadados, mediante a cobrança de tributos, em determinados setores, apoiando esta ou aquela atividade, um ou outro setor econômico.
Diminuir o Estado e limitá-lo em suas funções sem observar o real contexto, portanto, pode ser muito danoso para o país, aprofundando ainda mais as desigualdades sociais.
*Diretora Financeira do IJF
[1] O Instituto de Estudos Sócioeconômicos (INESC), com apoio de várias entidades, lançou este ano a campanha #SóAcreditoVendo, para cobrar mais transparência e monitoramento dos gastos tributários. Veja mais em www.soacreditovendo.org.br.