Dilma Rousseff: sem justiça fiscal não se reduz desigualdade

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Ex-presidenta abriu ciclo de debates sobre desenvolvimento e justiça fiscal no Brasil que tem inscrições até 18 de julho

“A situação de absoluta gravidade social e destruição do patrimônio nacional torna imprescindível um sistema tributário progressivo no pós-pandemia tanto sobre o patrimônio obtido como o herdado. Essa é uma das tarefas mais importantes desse momento”, enfatizou a ex-presidenta Dilma Rousseff na palestra de abertura do ciclo de debates “Desenvolvimento, Novas Desigualdades e Justiça Fiscal no Brasil”, realizado nesta segunda-feira (13).

“A pandemia reforçou a brutal desigualdade que já existia e não temos como sair dela sem fazer essa mudança”, ressaltou a convidada do curso de formação promovido pelo Instituto Lula, Instituto Justiça Fiscal (IJF) e entidades coordenadoras da campanha Tributar os Super-Ricos. “Este ciclo é decisivo para o país neste momento”, afirmou.  

A campanha Tributar os Super-Ricos propõe taxar apenas 0,3% mais ricos (cerca de 600 mil pessoas entre 210 milhões), arrecadando cerca de R$ 300 bilhões ao ano para serem destinados a combater a crise. 

Uma das coordenadoras da campanha e presidenta do IJF, Maria Regina Paiva Duarte, expressou solidariedade em nome do IJF a todas as famílias que perderam vidas na pandemia, resultado da “condução desastrosa do combate a Covid-19  pelo governo” . Ela destacou  que a campanha mostra a possibilidade concreta de gerar recursos tributando tributação o andar de cima que tem uma carga tributária muito leve. “As classes mais ricas não pagam e os pobres arcam de forma injusta e antieconômica.  Um país que não reduz desigualdade e não faz justiça fiscal não tem como ser desenvolvido”, observou.

“O Estado sofreu um desmonte num momento em que o país mais precisa dele. Tributar os super-ricos era uma emergência antes da pandemia. Agora ainda mais com a sobreposição das crises sanitária, política, social e econômica”, acentuou. Nunca foram tão impactantes os efeitos do neoliberalismo na sociedade como na pandemia, disse Dilma.

Os maiores impactos recaem justamente nos mais vulneráveis: “As vítimas da covid-19 são as mesmas mulheres, negros, pobres, indígenas, os mais explorados e destituídos. São os mais incapazes, desprovidos de defesas, onde tem mais contágio e mortes.”

Dilma Rousseff falou da volta da fome no Brasil, das pesquisas que apontam o apoio da população para tributar os milionários, a importância de taxar as movimentações financeiras e as empresas digitais e a necessária mudança do perfil do Congresso Nacional para avançar nas mudanças em direção à justiça fiscal.  

Mudanças estruturais necessárias

Para Dilma Rousseff, o rechaço a não tributação mínima foi parte do fundamento ideológico usado pelo golpe de 2016 que a retirou da presidência. “O pato amarelo desfilando na Avenida Paulista é o símbolo do golpismo empresarial que estava expresso na Fiesp”, constata. Ela destacou os esforços dos dois governos do presidente Lula e de suas gestões para reduzir a desigualdade e melhorar as condições de vida dos brasileiros. Mas ressaltou que sem mudanças estruturais este ciclo não se completa. “Reduzir a pobreza e incluir não significa necessariamente que se está reduzindo a desigualdade. Isso só ocorre com distribuição de renda dos super-ricos. Sem um sistema progressivo não tem mecanismo para fazer isso.”

Segundo a ex-presidenta, as gestões progressistas entre 2003 e 2016 avançaram, mas bateram num teto. Mesmo com a estrutura regressiva e normas orçamentárias foi possível colocar o povo no Orçamento e forçar a estrutura do gasto publico, sem aumentar a tributação e fazer política de distribuição. “Superamos a fome e a pobreza extrema, distribuindo riqueza e patrimônio por meio do Minha Casa Minha Vida, política educacional, ampliação do saneamento, acesso à água, infraestrutura pesada em todas as regiões e a universalização da luz elétrica”, elencou. Mas lembrou que o capitalismo tem esses dois movimentos de expansão e contração e o conflito distributivo se acentua e freia mudanças mais profundas sem as alterações estruturais.

A falsa ideia de que impostos são contra a população

Dilma historiou o desastroso legado do neoliberalismo nas últimas quatro décadas e a forte propaganda que impregnou a ideia falsa de que impostos são negativos. “A captura cognitiva da sociedade, da classe média e mesmo dos trabalhadores mais pobres, resultou em que fossem radicalmente avessos a qualquer aumento de impostos, firmando a percepção equivocada de que as mudanças tributárias eram sempre contrárias aos interesses da população”, pontuou. 

Os governos neoliberais desoneraram os mais ricos da taxação o que resulta que hoje 50% da receita de impostos é oriunda do consumo, exatamente os itens mais comprados pelas classes mais pobres.  

Parlamento comprometido 

Como presidenta reeleita, Dilma Rousseff viveu intensamente a dificuldade de governar com minoria no Congresso Nacional. Ela ressaltou que não basta eleger presidentes progressistas mantendo um Parlamento comprometido com pautas e segmentos que concentram a riqueza e aprofundam a pobreza.

“O controle do Parlamento pelos partidos conservadores tem impedido a alteração das leis. Não basta eleger o presidente. Mesmo nas quatro gestões do PT na presidência, nunca se teve apoio de mais de 100 entre os mais de 500 parlamentares”, relembrou.  

Fome voltou ao patamar de 2004

O Brasil saiu do Mapa da Fome em 2014 e agora regrediu ao patamar de 2004. “Em cinco anos houve um retrocesso de 15 anos”, registrou a painelista que pode comemorar em seu governo esse marco humanitário obtido a partir de programas de fomento e compra da produção da agricultura familiar que chegou às escolas e a programas de distribuição de renda, como o Bolsa Família. 

Agora, com o desmonte dos programas e os efeitos da pandemia, 116 milhões de brasileiros – mais da metade da população – não têm comida suficiente e, destes, 19 milhões passam fome de acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).

Ao mesmo tempo, estudo da Credit Suisse divulgado em junho mostra que metade da riqueza do Brasil está na mão de 1% da população, escancarando a desproporcional desigualdade. Há tempos o Brasil é líder mundial no ranking de concentração de renda pelo topo, perdendo apenas para o Catar. É também o nono país mais desigual do mundo.

Brasileiros aprovam taxação de fortunas

Pesquisa do Datafolha e da Oxfam, divulgada em dezembro de 2020, mostra 84% de apoio à taxação dos milionários para financiar políticas públicas. 
Entre os dados, 94% concorda que o imposto pago deve beneficiar os mais pobres; 56% concordam com aumento de impostos destinados a políticas públicas (eram 31% em 2019); 85% concorda que é obrigação dos governos reduzir diferença entre os muito ricos e muito pobres.

A pesquisa constatou ainda que 67% percebe que a desigualdade de gênero impacta na renda das mulheres; 58% concorda que negros ganham menos pelo racismo e 76% que a cor da pele influencia na contratação e que a polícia é mais dura com negros.

Oito entre 10 entrevistados entende que o progresso não é possível sem redução de desigualdade. “Essa consciência da tributação dos mais ricos é extremamente importante. Esse estudo, essa campanha e a organização mostram que estamos do lado certo da história.” 

Neoliberalismo, desmonte do Estado e desigualdade

Na década de 1980, ocorreu a revolução conservadora com a eleição de Ronald Reagan e Margareth Tatcher. “Instituíram a redução espetacular da progressividade fiscal, iniciava o neoliberalismo. A virada política ideológica teve impacto generalizado no Ocidente”, observa a ex-
presidenta.  

“Esses 40 anos de neoliberalismo desmontaram o papel do Estado como elemento fundamental de combate à desigualdade. Por isso agora estava tão despreparado para enfrentar a pandemia. Esse sistema é doente”, resumiu.  

Segundo ela, o mercado foi colocado como árbitro e reduto da eficiência. Agora a população vive as consequências dessa visão. Destaca que seus arautos propagandearam a difamação do Estado e o sucateamento do sistema tributário e fiscal. “Seu receituário impede de acessar o básico: casa, educação, saúde e aposentadoria. Tirar essas garantias da mão dos trabalhadores gera uma massa de vulneráveis sem perspectiva”, conclui a ex-presidenta.  

A desregulamentação trouxe maior desigualdade e concentração de renda. A financeirização trouxe descalabros ao invés de desenvolvimento sustentável. O setor financeiro se tornou vento contrário e não estimulador ao sistema industrial, agrícola e de serviços, enumerou. “As bolhas financeiras mostram a fragilidade do mercado, principalmente da economia. Sua enorme ineficiência, crescimento extremamente lento, mais que todas as médias de fases anteriores do próprio capitalismo” completou Dilma.

A saída das nações no pós-guerra 

Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e França foram alguns dos países que ampliaram a tributação dos abastados para superar o desastre após a crise da Bolsa de Valores em 1929, e recuperar seus países no pós-Guerra. Atualmente na América Latina, apenas Bolívia e Argentina aprovaram a tributação das grandes fortunas como instrumento para aplacar os danos da covid-19.  

Durante meio século, sem incluir outros impostos, as alíquotas do Imposto de Renda nos EUA foram de 81% sobre as rendas mais altas, entre 1932 e 1980. No Reino Unido, 89%; na Alemanha, 58% e 60% na França. “Estas medidas não parecem ter conduzido a economia norte-americana ao caos. Ao contrário, criou estoque de bens sociais.” Mesmo alta para os padrões brasileiros a alíquota superior nos EUA  baixou para 30% a 40%. O desmonte neoliberal latino-americano se acentuou na década de 1980, com a destruição da ação do Estado. 

Primarização e atraso econômico

No Brasil, a regressividade fiscal como base da tributação, com isenção dos ganhos de capital, da renda e do patrimônio das classes mais ricas iniciou no governo de Fernando Henrique Cardoso. Desde 1996, por exemplo, os lucros e dividendos recebidos por sócios e donos de empresas, os maiores salários portanto, não pagam nenhum imposto há 25 anos.

A livre circulação de capitais sem troca de informações fiscais, vetores da implementação da revolução fiscal conservadora, impactou os países emergentes, que até hoje têm dificuldades com ferramentas para identificar a fuga de ativos. Agendas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras estratégias, asfixiaram os gastos sociais. “Causou impacto negativo sobre o processo de construção do Estado”, apontou.  

A primarização econômica está regredindo o país ao início do século XX quando o Brasil era primário-exportador. “A retomada de um desenvolvimento sustentável deve ser buscado pela economia do conhecimento, galgando patamares de inovação científica e tecnológica, gerando melhores ganhos nos salários”, aponta. 

Privatizações e perda de soberania

A destruição dos patrimônios nacionais foi destacada ao final do painel frente à privatização da Eletrobras, da Petrobras e dos Correios. “Os Correios são nossa versão da Amazon. É ingenuidade total achar que seu papel é lateral. A troco de que dar essa garantia da nossa segurança logística nessa fase nova digital, para uma empresa e não para o Brasil usufruir?”, questiona. 

A entrega da Eletrobras ao setor privado atingirá toda a economia, aponta a ex-ministra de Minas e Energia e ex-chefe da Casa Civil do presidente Lula. “A energia elétrica é transversal. Está se privatizando a mina de ouro, que são as hidrelétricas.”

Com relação a Petrobras, ela registra que a companhia esta sendo entregue ao setor privado a partir de partes nobres. “Estamos alienando nossa segurança energética, nem tanto pelo dinheiro, mas pela capacidade política. Tudo isso afeta o emprego e o crescimento econômico”, enfatiza. 

“A vocação econômica do Brasil é grande e pode beneficiar o povo brasileiro, gerando um mundo muito menos desigual. Uma economia para que as pessoas tenham direito”, concluiu. 

Inscrições abertas até 18 de julho

A abertura do ciclo de formação contou com a presença do presidente do Instituto Lula, Márcio Pochman, da presidenta do IJF, Maria Regina Paiva Duarte, da dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Rosilene Correa, da presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Juvândia Moreira, que conduziu o painel com a presidenta Dilma, e do coordenador do ciclo pelo Instituto Lula, Luís Vitagliano. 

“Vivemos num país onde são os mais ricos que reclamam dos impostos, mas quem paga mais são os pobres. Buscar uma maior justiça fiscal é condição urgente para diminuir a desigualdade no Brasil. Por isso mesmo, o Instituto está muito animado com essa parceria com o IJF e convido todos interessados neste tema tão rico a seguir conosco nesta jornada”, destaca Márcio Pochmann, presidente do Instituto Lula.

Além de acompanhar os debates, o participante pode acessar o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), realizar leituras, atividades e, ao final, ter direito a certificação. O curso é composto por 10 encontros tendo o sistema tributário como eixo condutor nas análises. Os fundamentos da desigualdade social, as transformações da sociedade contemporânea e os desafios imediatos e estratégicos serão abordados por especialistas em 50 horas aula. Os interessados em obter o certificado devem preencher os formulários de presença e realizar as atividades que devem ser entregues até 18 de outubro.

As inscrições são gratuitas e estão abertas até 18 de julho. Podem ser feitas por formulário online neste link. As aulas, remotas, ocorrem de 20 de julho a 28 de setembro de 2021 e as transmissões serão pelas redes do Instituto LulaInstituto Justiça Fiscal e campanha Tributar os Super-Ricos.

Cronograma de debates

Fundamentos da desigualdade
20/07 – Desigualdade e Distribuição de Renda no Brasil: Jorge Abrahão e Juliane Furno
27/07 – Estado e Desenvolvimento no Brasil – Dênis Maracci Gimenez e Eduardo Costa Pinto
03/08 – Tributação e desigualdade no Brasil – Paulo Gil Holck Introíni e Rosa Chieza

Transformações da sociedade contemporânea
10/08 – Novos negócios e sociedade de serviços: Cássio da Silva Calvete
17/08 – Mudanças na sociedade do trabalho e na estrutura de classes: Marilane Teixeira e Adalberto Cardoso
24/08 – O aprofundamento das desigualdades: Pedro Abramovay
31/08 – Geopolítica internacional: o que muda com a emergência de novos atores globais?: Elias Jabour e Neusa Bojikian

Desafios imediatos e estratégicos
14/09 – O desenvolvimento econômico e social sob novos paradigmas: Cristina Reis e Gabriel Rossini
21/09 – Como superar as desigualdades no Brasil? Roberto Amaral e Regina Camargos
28/09 – Os caminhos e desafios para a justiça tributária: Dão Real Pereira dos Santos e Marina Marinho


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