Debate aponta justiça fiscal como caminho para a Reforma Tributária

  • Categoria do post:Notícias

Uma reforma tributária efetiva precisa garantir justiça fiscal. Esse foi o consenso das manifestações durante reunião da Comissão de Economia, Finanças, Orçamento e do Mercosul (Cefor) da Câmara Municipal de Porto Alegre nesta terça-feira (2/7), quando foi debatido o texto da Reforma Tributária em tramitação no Congresso Nacional. Coordenada pelo presidente da Comissão, vereador Airto Ferronato (PSB), a reunião contou com a presença de representantes do Executivo Municipal, órgãos fiscais do Município, Estado e União, entidades de classe, sindicatos, universidades e interessados no tema. Para o secretário municipal da Fazenda, Leonardo Busatto, o atual Sistema Tributário Nacional precisa ser reformado para diminuir sua extrema complexidade, a guerra fiscal e as lides judiciais. No entanto, considera que a Reforma Tributária – que nunca esteve tão próxima de acontecer – deve ser precedida da reforma do Pacto Federativo, pois “de nada adianta dar mais receita para o município se ele continuar assumindo competências que são do estado”.

Estudo
Na sequência, Fabrício Dameda, auditor-fiscal da Secretaria Municipal da Fazenda (SMF), apresentou o diagnóstico do Sistema Tributário, vantagens e problemas da PEC 45/2019, já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Entre as dificuldades enfrentadas atualmente, citou a alta carga tributária, o custo alto de compliance e obrigações acessórias, a guerra fiscal e a insegurança jurídica. Para ele, uma reforma efetiva passaria por reduzir a tributação sobre o consumo, reequilibrando com maior tributação sobre renda e patrimônio. “Não temos hoje tributação sobre dividendos, embarcações e aeronaves, enquanto qualquer carro popular paga imposto”, exemplificou.

O estudo da SMF identifica como vantagens da proposta de reforma o imposto sobre valor agregado (IVA); eliminação de benefícios e regimes especiais; alíquota uniforme podendo variar entre estados e municípios; incidência “por fora” (onde o tributo deixa de incidir sobre ele próprio); tributação no destino ao invés da origem; a não cumulatividade (o que, no entanto, agregaria complexidade na apuração); crédito financeiro; e a simplificação através da instituição de um imposto único, o  Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS).

Porém, Dameda destacou que a suposta simplificação implicaria na criação de mais um tributo por 10 anos, já que o IBS teria esse período para ser consolidado, no qual seus componentes (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) seguiriam sendo cobrados individualmente. O “sério risco de insegurança jurídica” também foi citado, tendo em vista que serão alterados 150 dispositivos constitucionais, além da quebra de autonomia dos entes e do Pacto Federativo. “O ISS é fundamental para os municípios, assim como o ICMS é para os estados. Não pode entrar nessa reforma”, defendeu, destacando que o imposto é responsável por 15% de toda a receita do município de Porto Alegre.

Como proposta alternativa, a SMF defende, a curto prazo, a reforma dos tributos por ente federado, visando a simplificação dos mesmos; a criação do IVA Federal; a aplicação das premissas do IBS ao atual ICMS, “que é o imposto sobre consumo com a maior complexidade e distorção”; e a reforma do ISS. A reforma individual dos impostos garantia resposta imediata e possibilitaria, a longo prazo, a unificação de impostos “sem surpresas”.

Justiça Fiscal
Luis Augusto Mesquita, auditor-fiscal e presidente da Delegacia Regional do Sindifisco Nacional, lembrou que a Constituição de 1988 já previa, no prazo de cinco anos, uma rediscussão sobre o Pacto Federativo e a Reforma Tributária. “Não avançamos há 30 anos”, afirmou. Para ele, um dos grandes equívocos é a separação da arrecadação e da despesa financeira, o que acaba punindo os municípios, que hoje recebem muitas competências sem a devida receita. Mesquita também defendeu maior justiça fiscal, citando como exemplo o IVA, praticado no mundo há mais de 40 anos e hoje utilizado por mais de 80 países. “A carga tributária no consumo prejudica quem ganha menos. A tributação sobre patrimônio e renda é fundamental”, afirmou.

Christian Azevedo, diretor de Políticas Sindicais do Sindifisco/RS, chamou a atenção para o desconhecimento da população sobre as questões tributárias, que são inerentes ao cotidiano. Para ele, o maior problema não é a carga tributária, mas a justiça na tributação, o que seria amenizado com a equalização tributária, elevando-se a taxação sobre a renda e desonerando-se o consumo. Azevedo também criticou as isenções: “cada benefício fiscal criado necessita de todo um aparato para sua fiscalização. A isenção fiscal deveria ser exceção à regra, mas hoje é maior do que ela”, lamentou. Citou, ainda, estudo da Transparência Internacional onde o Brasil é apontado como um dos campeões em sonegação fiscal. “Estima-se que a corrupção corresponda a 2% do nosso PIB, enquanto a sonegação corresponde a 7%”, comparou.

Professora de Finanças Públicas da Ufrgs, Rosa Chieza destacou que “a tributação no Brasil é concentradora de renda” e defendeu uma reforma que garanta o estado social previsto na Constituição. “Hoje, a carga tributária brasileira é de 32%, mas se for abrir, os contribuintes que ganham até R$ 2 mil pagam até 50% devido ao excesso de impostos indiretos”, afirmou. Para ela, é preciso restabelecer o equilíbrio federativo e reduzir a complexidade do Sistema Tributário, não tirando de foco a busca do bem-estar social da população.

Na mesma linha, Dão Real Pereira dos Santos, diretor do Instituto Justiça Fiscal, citou que, embora a Constituição tenha estabelecido como prioridade o estado social, inspirada nos países desenvolvidos, as fontes de sustentação desse conjunto de direitos foram sendo diminuídas logo após sua promulgação. “Já em 1989 o Imposto de Renda teve as alíquotas diminuídas e em 1995 deixou-se de tributar dividendos”, citou, lembrando que em países desenvolvidos a tributação sobre a renda beira os 40%. Para Santos, não há como atingir o nível de desenvolvimento social dessas nações sem justiça fiscal. A principal crítica do Instituto Justiça Fiscal à Reforma é a extinção de fontes vinculadas para a Seguridade Social, considerada “o principal avanço da Constituição de 88”.

Guerra Fiscal
Cristiane Nery, procuradora tributária da Procuradoria-Geral do Município, saudou a proposta de reforma pela tentativa de término da guerra fiscal entre estados e municípios, mas pontuou que a União segue sendo privilegiada. Ela elencou alguns problemas jurídicos do texto e defendeu uma reforma que não alterasse a Constituição. Já Célio Levandovsky, presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas do Estado do Rio Grande do Sul (Sescon/RS), defendeu que a mudança, “seja a reforma que for, precisa dar segurança jurídica ao empresário”, criticando o excesso de multas e obrigações acessórias impostas aos contribuintes.

Para Ferronato, as alterações do Sistema Tributário precisam atender aos anseios do Estado e do cidadão. “Temos no Brasil um dos sistemas mais injustos do mundo, onde o imposto acaba sendo regressivo ao invés de progressivo, isto é, quem ganha menos paga mais. Isso é um absurdo”, afirmou. Os vereadores Mauro Pinheiro (Rede), Idenir Cechin (MDB) e João Carlos Nedel (PP), membros da Cefor, e a vereadora Lourdes Sprenger (MDB), também acompanharam o debate.