Carf e a democracia fiscal

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por Francisco Tavares*

A questão fiscal é um elemento central para os desafios que o Brasil deve vencer antes de superar as suas desigualdades históricas e crescer em um ambiente de prosperidade, respeito à democracia e cumprimento dos direitos fundamentais. Não há objetivo em nossa realidade social e econômica cujo alcance se exonere de uma abordagem relacionada às finanças públicas. O custeio das políticas de enfrentamento à pobreza, a promoção de equilíbrio climático e ambiental, o crescimento econômico e a inclusão de populações estruturalmente oprimidas são temas que remetem, necessariamente, às dimensões tributária, creditícia, orçamentária e monetária.

Há, em meio à produção científica especializada na matéria, um consenso, decorrente de  robustos levantamentos empíricos, que assim dispõe: i) o volume e a qualidade redistributiva da arrecadação tributária em um país crescem em conjunto com a intensidade e a variedade dos canais democráticos abertos à participação social e; ii) procedimentos decisórios participativos impulsionam maior adesão popular ao dever de pagar tributos, além de maior legitimidade para o combate à inadimplência e à sonegação.

Em suma, democratização (variável independente) produz crescimento econômico e redução de desigualdades (variáveis dependentes), por meio de aumento do volume, da progressividade e da legitimidade dos tributos (variáveis intervenientes).

O Brasil ainda possui um vasto caminho a percorrer em direção à modernização democrática das suas instituições tributárias. Um elemento nessa direção diz respeito à reforma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – Carf. Pouco conhecido pela população não especialista em tributos, este órgão profere as decisões definitivas em recursos interpostos por contribuintes contra lançamentos ou autuações tributárias. O destino de bilhões de reais é, anualmente, ali decidido. Ocorre, porém, que se trata de um órgão colegiado em que a representação de grandes empresários possui um poder desequilibradamente hegemônico.

Um estudo do Instituto de Justiça Fiscal constatou que ali há um nítido viés em favor dos interesses apresentados pelos setores economicamente dominantes na sociedade. Isto se deve, principalmente, a duas razões: i) o Conselho possui representação do Estado e dos contribuintes, mas, caso as decisões cheguem a um empate, prevalece a pretensão do setor privado, sem um voto de qualidade do Poder Público e; ii) são considerados contribuintes, para indicarem representantes ao Carf, apenas federações de patrões, com pontual exceção para as centrais sindicais nos casos de tributos previdenciários. Em resumo, é o próprio empresariado quem dá a última palavra, no Brasil, sobre a legalidade das cobranças dos tributos que deve pagar.

É possível mudar esse cenário e democratizar o Carf. Duas medidas são fundamentais nesse caminho. Primeiramente, a devolução ao Estado (que cobra tributos com base na Lei e representa os interesses de toda a coletividade) do voto de qualidade em caso de empate nas decisões. Em segundo lugar, a abertura da composição do Conselho para toda a sociedade (ONGs, movimentos sociais, associações científicas, sindicatos etc.), mediante processos eleitorais estruturados segundo os mais avançados recursos de democracia digital.

Assim, faremos jus ao argumento de que, se todos nós somos afetados diretamente pelas decisões tributárias, então, em respeito ao princípio constitucional da isonomia, todos devemos ter assento nos órgãos que as proferem. São modificações simples, passíveis de implementação até mesmo por Medida Provisória. O impacto em termos de legitimidade da administração tributária e de aprimoramento da qualidade da nossa arrecadação tende a ser, porém, colossal.

*Francisco Tavares é professor da Faculdade de Direito da UFG

Fonte: https://opopular.com.br/noticias/opiniao/opini%C3%A3o-1.146393/carf-e-a-democracia-fiscal-1.2589248