A falsa promessa da UE de inclusão na lista dos paraísos fiscais

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por Lotta Staffans*

Esta semana, ministros das Finanças da União Europeia concordaram em estabelecer uma lista negra comum da União Europeia (EU) de chamadas “jurisdições não cooperantes” – em outras palavras, os paraísos fiscais. Com o desdobramento de um escândalo fiscal após outro, listar e punir paraísos fiscais pode parecer uma boa solução. No entanto, por mais tentador que possa parecer, este exercício da UE está condenado ao fracasso – e a seguir o porquê.

A proposta de uma lista negra comum decorre da Estratégia Externa sobre os impostos da Comissão Europeia, que foi publicada em janeiro deste ano. No entanto, os paraísos fiscais não são uma questão externa à UE, muito pelo contrário – alguns dos mais poderosos paraísos fiscais do mundo encontram-se na Europa.
Por exemplo, um novo relatório da Oxfam usa dados da Comissão Europeia (CE) para analisar o papel dos Países Baixos como um paraíso fiscal corporativo. Ele mostra como a Holanda está tornando possível a evasão fiscal em grande escala e como regulamentos holandeses são uma parte integrante do sistema fiscal internacional que permite que empresas multinacionais possam evitar, pelo menos, US$ 100 bilhões em impostos nos países em desenvolvimento todos os anos. Vários outros Estados-Membros da UE – como Luxemburgo, Irlanda, Malta e Reino Unido – também foram criticados por ajudar empresas multinacionais a evitar impostos. No entanto, você não vai encontrar qualquer um destes países em uma lista negra produzida pela UE.
Apenas um ano atrás, em junho de 2015, a CE fez uma tentativa de publicar uma lista de países considerados pouco cooperantes em matéria fiscal. Não só excluiu todos os países da União Europeia, também não mencionou qualquer um dos aliados tradicionais da UE, como a Suíça e os Estados Unidos (EUA). Isto apesar do fato de o Índice de Sigilo Financeiro do ano passado ter classificado a Suíça como o mais importante fornecedor internacional de segredo financeiro.
Em maio deste ano, o grupo Verdes/Aliança Livre Europeia (EFA) no Parlamento Europeu publicou um relatório mostrando como os EUA estão se tornando o maior paraíso fiscal do mundo, com uma legislação que prevê várias lacunas quando se trata de saber quem possui e controla empresas. Além disso, os EUA não estão totalmente comprometidos com a troca automática de informações fiscais com outros países, incluindo países da UE.
Transferindo a culpa
Transparência e troca automática de informações para fins fiscais, de acordo com os padrões da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), são alguns dos critérios mencionados pelos ministros das finanças da UE para determinar que países devem ser listados como não cooperantes. Embora isso seja improvável de causar preocupação aos EUA, pode ser um problema para muitos países em desenvolvimento que não têm necessariamente a capacidade técnica para comprometerem-se com a troca automática de informações. A lista da Comissão de 2015 incluiu países como a Libéria – um dos países mais pobres do mundo – que então lutava para lidar com uma crise de Ebola.
Os países em desenvolvimento também podem ter que confrontar-se com a escolha de estarem na lista negra da UE (e penalizados em conformidade) ou ter que se inscrever para um conjunto de acordos feitos pela OCDE no seu chamado projeto BEPS (“Base erosion and Profit Shifting”). Vincular a lista negra da OCDE com o projeto BEPS é muito preocupante, pois significa que os países em desenvolvimento poderão ser pressionados a concordar com normas que não tenham sido concebidos no seu interesse.
Negociações secretas
Além dessas controvérsias, os ministros de Finanças da UE estão sugerindo que a lista negra de paraísos fiscais deva ser elaborada pelo chamado Grupo do Código de Conduta sobre a tributação das empresas. Este fórum de discussão top secret foi criado pelos Estados-Membros da UE em 1990, para “abolir medidas fiscais que constituam concorrência fiscal prejudicial”. O grupo tornou-se controverso devido ao seu alto nível de sigilo e opacidade, o que torna impossível para os cidadãos saber o que está sendo acordado, se alguma coisa.
Embora muito pouco se saiba sobre o funcionamento do grupo, é claro que o sistema de negociações a portas fechadas e a pressão dos pares não foi capaz de lidar com o problema generalizado de evasão fiscal das empresas na UE e em outros lugares. Os encontros incluem representantes dos Estados-Membros da UE, bem como a CE. Documentos vazados do grupo mostraram que reuniões no passado têm sido extremamente política. Alguns dos Estados-Membros que fazem uso de práticas fiscais prejudiciais foram muito bem-sucedidos no bloqueio de propostas para remover essas práticas e proteger seus próprios interesses especiais.
Em vez de fundamentarem-se em critérios neutros e objetivos, a confecção de uma lista negra comum da UE de paraísos fiscais é, assim, obrigada a ser um exercício altamente político, onde os países ricos e poderosos, como os EUA e a Suíça são protegidos da lista negra. Parece também que já há um amplo consenso na UE de que nenhum Estado-Membro da UE pode aparecer na lista negra. Por mais tentador que pode ser a de colocar a culpa de evasão fiscal corporativa em algumas longínquas ilhas paraísos fiscais, a UE deve começar limpando seu próprio quintal.
A essência do problema dos paraísos fiscais é que os ativos financeiros podem ser movidos de um fim de mundo para outro com o clique de um mouse. Portanto, uma lista negra que inclui alguns paraísos fiscais menores, mas exclui alguns dos maiores do mundo, não vai resolver o problema. Ele vai simplesmente mover o problema de um país para outro. Apesar de que uma justa, transparente e global lista negra dos paraísos fiscais poderia ser uma boa ideia em teoria, a iminente lista de paraísos fiscais da UE é improvável tornar-se algo mais do que mais um exemplo dos duplos padrões europeus.


Lotta Staffans é Diretora de Política e Campanhas da Eurodadd, em Bruxelas.
Texto disponível em http://eurodad.org/Entries/view/1546593
Texto traduzido livremente por Marcelo Oliveira, diretor do IJF.