Não há saída sem os trabalhadores

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Dão Real Pereira dos Santos *


“Que o 1º de Maio, deste ano, seja o dia da consciência de que o trabalho é um direito”

Era sábado, dia 1º de maio de 1886, mais de 340 mil trabalhadores saíram às ruas nos EUA, dando início a grande e histórica greve geral para reivindicar melhores condições de trabalho e redução da jornada, que na época chegava a 17 horas por dia. Sob forte repressão policial, trabalhadores foram assassinados, feridos e muitos acabaram presos. Alguns anarquistas, considerados como responsáveis pela greve, foram condenados à morte e executados[i]. A ousadia daqueles trabalhadores de sonhar com direitos que ainda não existiam e de lutar por eles, serviu de inspiração a diversas outras manifestações pelo mundo, e este episódio é considerado o início de um processo de conquistas sociais, dentre elas, a jornada de 8 horas por dia, conquistada no período entre guerras.

O 1º de Maio transformou-se no Dia Internacional do Trabalhador. Alguns comemoram, outros lamentam e há aqueles que o tratam como apenas mais um feriado. O fato é que, antes de ser um dia de festa ou um feriado qualquer, o 1º de Maio simboliza a luta incessante dos trabalhadores por uma distribuição mais justa dos resultados do trabalho. Mas não há como falar do 1º de Maio sem lembrar o momento em que estamos vivendo.

Hoje, 1º de Maio de 2020, passados já 134 anos daquele evento épico, milhões de trabalhadores e trabalhadoras estão novamente submetidos a condições absolutamente desumanas de trabalho, com jornadas de quase 20 horas por dia, sem nenhum direito trabalhista e sem qualquer proteção social. Uma nova classe de trabalhadores, denominados agora de “patrões de si mesmos” ou empreendedores, vivem em condições totalmente precarizadas, não muito diferentes daquelas do final do século retrasado. Outros milhões de desempregados mendigam pelas ruas ou vivem de biscates por um prato de comida. Onde ficaram os direitos tão duramente conquistados?

Os direitos e os instrumentos de proteção dos trabalhadores, como a fiscalização do trabalho, a Justiça do Trabalho, os sindicatos e todos os mecanismos de proteção social estão sendo sistematicamente atacados por um governo e uma classe política comprometidos unicamente com os donos do capital. O trabalho é apenas um custo que precisa ser reduzido sempre e cada vez mais.

Mais recentemente, com a pandemia da covid-19, ficou escancarada ainda mais a face perversa e retrógrada de uma parcela da classe empresarial brasileira que, sob a liderança do próprio presidente da República, e sem qualquer preocupação com a vida dos trabalhadores, pressiona os governos para suspenderem as medidas preventivas de isolamento social, contrariando todas as orientações da Organização Mundial de Saúde e as medidas que vêm sendo adotadas no mundo inteiro.

O desespero dos proprietários do capital pelo retorno dos trabalhadores, por outro lado, deixa evidente, na prática, o que já era óbvio na teoria, que, sem o trabalho e os trabalhadores, não há geração de riqueza, nem de lucros. Os trabalhadores parados, para protegerem suas vidas e a dos seus familiares, param a economia, pois são eles que fazem a economia andar. E os trabalhadores que não param, pois não podem parar nem mesmo do Dia Internacional do Trabalhador, também para proteger as vidas, são a demonstração mais evidente de que não são os hospitais, as macas, os equipamentos ou as UTIs que salvam vidas, são os trabalhadores da Saúde, das ciências, da assistência social e todas as áreas que garantem as condições para o isolamento social.

A situação extraordinária e inusitada em que a pandemia nos colocou trouxe à luz também o velho e, muitas vezes negligenciado, dilema distributivo. Afinal, toda a riqueza produzida pelos trabalhadores e acumulada por uma minoria não deveria ser agora utilizada para salvar vidas? Não é hora de distribuir parte das riquezas para garantir renda para que os trabalhadores, formais ou informais, empregados ou desempregados, possam se proteger contra a covid-19?  

Este ano, certamente, será bem diferente dos demais. Os trabalhadores não estarão nas ruas, nos parques, nas praças ou em qualquer outra concentração e atos públicos. Estarão em suas casas, salvando vidas, ou estarão trabalhando, salvando vidas.

Que o 1º de Maio, deste ano, seja o dia da consciência de que o trabalho é um direito[ii] de todos e de que só os trabalhadores são capazes de salvar vidas; só os trabalhadores são capazes de salvar a economia; e só os trabalhadores organizados é que poderão recuperar os direitos que lhes foram roubados, e as conquistas históricas, pelas quais tantos lutaram e tantos outros morreram.

VIVA OS TRABALHADORES!


[i] https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_do_Trabalhador#Dia_do_Trabalhador_no_mundo

[ii] Constituição Federal 1988: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)

Dão Real Pereira dos Santos é diretor de Assuntos Institucionais do Instituto Justiça Fiscal.

Edição: Katia Marko