por Eduardo Militão, do UOL.
https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/04/01/triangulacao-vale-minerio-ferro-confiscos-brumadinho-suica-china.htm
Um estudo do IJF (Instituto de Justiça Fiscal), organização formada por economistas e auditores da Receita Federal, mostra que a mineradora Vale usou uma manobra comercial para deixar de pagar pelo menos R$ 23 bilhões em impostos nas exportações de minério de ferro entre 2009 e 2015. Dois anos depois da análise do instituto, investigadores da Receita Federal contaram ao UOL que a companhia está na mira dos fiscais.
O valor sonegado pela empresa é duas vezes maior que o confiscado nas contas da Vale depois da tragédia com barragem em Brumadinho (MG).
A manobra fiscal usa a Suíça como entreposto das empresas. Do Brasil, a mineradora embarca minério de ferro para China e Japão, os maiores consumidores do produto.
A venda da carga destinada à Ásia é feita com um preço abaixo do mercado para o escritório que a própria Vale abriu na Suíça em 2006, em Saint-Prex. O escritório suíço revende a mercadoria com o valor correto aos asiáticos. Os navios não entram na Suíça, que sequer tem contato com o mar.
Como declara um valor menor, a Vale paga menos impostos no Brasil e economiza no mínimo, US$ 6,2 bilhões (aproximadamente R$ 23 bilhões), de acordo com o IJF. O valor se refere apenas ao Imposto de Renda e à CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido).Um investigador da Receita, que pediu para não ser identificado, avaliou o caso como “fraude”.
A Vale nega: “As operações com empresas controladas baseadas no exterior são previstas em lei, regulamentadas e fiscalizadas”, afirmou a assessoria da mineradora.
Para o economista Dão Real Pereira dos Santos, diretor de Relações Institucionais da ONG, a situação chama a atenção em tempos de tragédias socioambientais como as de Brumadinho e Mariana.
Receita quer rever fiscalização
Depois do estudo do IJF e de outras análises sobre “fuga de capitais”, em 23 de dezembro passado a Receita anunciou um plano de fiscalização especial sobre triangulação de exportações agrícolas e de mineração.
As mineradoras são as principais responsáveis pelos rombos identificados pelo Fisco, segundo fonte do caso contou ao UOL. O investigador afirmou que chama a atenção a posição de intermediário do escritório da Vale na Suíça no meio da venda. “Todo planejamento tributário abusivo é fraude”, explicou.
Não é só a Vale que possui subsidiárias no exterior. Outras grandes mineradoras exportadoras têm a mesma prática, segundo levantamento do UOL com base em balanços das empresas.
Segundo o diretor de Relações Institucionais do IJF, não é possível dizer se essas empresas praticam triangulação financeira para sonegar impostos. No entanto, ele defende investigação dessas firmas para se descobrir se há irregularidades.
Parlamentares suíços pediram explicações
Na Suíça, um grupo de parlamentares de Vaud, o equivalente a um estado no Brasil, fez uma moção pedindo esclarecimentos ao governo sobre benefícios fiscais à Vale depois da tragédia de Brumadinho.
“Vendo esta sucessão de desastres, podemos imaginar que a empresa tem feito de tudo para evitar isso [o respeito aos direitos humanos, ao meio ambiente e ao pagamento justo de impostos]”, afirmou ao UOL Vassilis Venizelos, uma espécia de deputado estadual da região e que integra o grupo. “A busca por ‘lucro a qualquer preço’ às vezes leva a negligenciar certos riscos.”
O grupo de parlamentares ainda aguarda respostas das autoridades suíças.
Vale diz estar em situação regular
A reportagem solicitou uma entrevista com representantes da Vale, mas a empresa enviou uma nota por escrito. A mineradora afirmou à reportagem que mantém uma “empresa trading” na Suíça para atender os mercados asiático e europeu. O escritório foi aberto em 2006. Até 2014, a Suíça era considerada um “paraíso fiscal”, local com negócios facilitados e cobrança mínima de impostos.
Apesar das dívidas da Samarco, a Vale disse não possuir pendências. “A Vale informa que está em situação regular perante a Receita Federal, comprovada por suas certidões de regularidade fiscal.”
O estudo original pode ser acessado AQUI.