Tributação tem maior espaço para reduzir desigualdade
(Valor Econômico) Tributar renda e e patrimônio direta tem mais campo para diminuir disparidade social do que transferências. A avaliação consta da nota técnica “Impactos redistributivos das transferências públicas monetárias e da tributação direta: evidências com a POF de 2017/18”, divulgada recentemente pelo Ipea. A POF é a Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE.
Fabio Graner | Valor Econômico | 14/09/2020
Políticas de transferência de renda como Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada (BPC) e mesmo o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) têm efeitos positivos para redução da desigualdade social no Brasil. Mas o grande espaço para a melhoria nesse indicador está no uso da tributação direta sobre a renda e patrimônio, que hoje contribui mais para a concentração. A avaliação consta da nota técnica “Impactos redistributivos das transferências públicas monetárias e da tributação direta: evidências com a POF de 2017/18”, divulgada recentemente pelo Ipea. A POF é a Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE.
“Os impactos redistributivos da tributação direta são pífios, mostrando haver espaço para que esse instrumento seja empregado na diminuição da desigualdade”, diz o texto assinado pelo pesquisador do Ipea Fernando Gaiger Silveira e por Luana Passos, Eduardo Gil e Theo Ribas. “Conclui-se, portanto, que as transferências monetárias vêm alcançando relativo sucesso em seus impactos redistributivos… Por sua vez, no caso dos tributos diretos, todavia, ainda se está muito distante do protagonismo que esses podem ter no enfrentamento à desigualdade.”
Entre os instrumentos de transferência de renda, o mais efetivo para reduzir a desigualdade foi o Bolsa Família, seguido do BPC, que é pago para idosos e pessoas com deficiência. O RGPS, que recentemente foi alvo de nova reforma, também contribuiu para redução da desigualdade, mas com a ponderação de que seu impacto é mais limitado porque o benefício está ligado ao mercado formal de trabalho, deixando o universo de informais fora de sua rede de proteção.
“O grande papel progressivo cabe aqui ao Bolsa Família e às demais transferências do governo. Esse grupo corresponde a 14% da renda total no décimo mais pobre; participação que diminui continuamente nos demais décimos. A participação marginal no terceiro décimo de renda ilustra, de forma contundente, o baixo erro de inclusão desses programas, com sua concentração nos 10% mais pobres, bem como sua elevada focalização”, dizem os autores.
Gaiger acrescenta que o Bolsa Família não tem um impacto maior na desigualdade porque representa um volume relativamente pequeno dentro do conjunto de renda do país. “Uma alavanca pequena tem impacto menor do que uma alavanca grande”, comenta, explicando que as rendas fora da transferência do governo são o principal elemento a afetar a desigualdade, que é afetada por questões como variação do salário mínimo e nível de emprego.
Entre as transferências de renda do setor público, a que tem um efeito negativo na desigualdade é o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), dos servidores federais. “O RPPS concentra 73% de suas transferências no décimo mais rico, responsável por se apropriar de 47% da renda monetária total, e, dessa forma, contribui sobremaneira para o agravamento da concentração de renda”, aponta o texto. Gaiger diz que nesse campo a maior parte dos avanços necessários já ocorreu com as reformas da Previdência, inclusive a de 2019. Agora, faltariam medidas para reduzir distorções entre carreiras civis e militares, maior taxa de reposição entre salário e benefício de aposentadoria para os servidores de renda menor, entre outras.
Mas o autor salienta que os números obtidos a partir dos modelos matemáticos utilizados no estudo indicam que o maior potencial para o combate à desigualdade no país está na tributação e também no uso de políticas públicas de infraestrutura e moradia direcionadas para regiões mais carentes, que gerariam efeitos positivos em termos de renda não percebida diretamente pelos mais pobres.
No caso da tributação direta, o texto relata a ineficácia redistributiva do sistema brasileiro. “A baixa participação dos tributos sobre a renda e o patrimônio e seus reduzidos efeitos redistributivos mostram os bloqueios que as elites e as classes médias erigem contra a progressividade tributária” , afirma a nota. “No caso dos tributos, o único que exibe contribuição marginal da ordem de grandeza dos benefícios elencados anteriormente é o IRPF, que seria potencializado com um incremento em sua participação; caso o peso na renda atingisse 4%, o índice de Gini se reduziria, nesse exercício estático, em 2,6% (de 0,5239 para 0,5099).”Pesquisa de Orçamentos Familiares, 2017-2018Baixar