De tempos em tempos, surgem alegações e considerações a respeito do suposto déficit da Previdência, da necessidade de modernização das leis trabalhistas, do quanto seria alta a carga tributária brasileira.
Baseando-me em dados oficiais – e públicos – do ano-calendário de 2014 extraídos do site da Receita Federal do Brasil – DADOS ABERTOS – , concentrarei minhas observações no enfoque tributário, especialmente por essa ser minha área de atuação.
Nesse sentido, para reflexão, discorrerei sobre 2 (dois) pontos relacionados à incidência de tributos: um vinculado ao sistema tributário positivado em normas tributárias, outro relativo à administração tributária; a processos de trabalho, portanto.
Abordarei aspectos constitucionais da carga tributária, do quanto ela está mal distribuída, do quanto o sistema tributário desrespeita os princípios da isonomia e da capacidade contributiva, além de analisar procedimentos relacionadas à fiscalização do IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA.
No enfoque “sistema tributário” – instituído por leis -, partindo-se dos princípios constitucionais da isonomia (1) e o da capacidade contributiva (2) e do suposto déficit das contas públicas, em especial do alegado resultado negativo da previdência, discorro que, no ano-calendário de 2014, R$ 256 bilhões deixaram de ser tributados pelo IRPF, uma vez que foram recebidos pelo contribuinte – sócio empresário – a título de LUCROS E DIVIDENDOS distribuídos, os quais são ISENTOS do mencionado tributo – IRPF.
Por intermédio de uma conta simples, fazendo-se uso da tabela progressiva do IRPF e de uma alíquota efetiva máxima de 20% (total devido de IRPF dividido pela renda tributável em 2014), caso esse RENDIMENTO DO CAPITAL não gozasse de um benefício fiscal que vai “de encontro aos princípios constitucionais da isonomia e da capacidade contributiva”, teríamos um incremento de arrecadação anual da ordem de R$ 51 bilhões.
Esses 51 bilhões seriam arrecadados da fatia social com maior renda, ou seja, com maior capacidade contributiva ou econômica para o recolhimento de tributos.
Diante desta singela análise, pergunto:
Por que razões o sistema tributário, pilar para o financiamento do Estado, por consequência da própria Previdência Social, não poderá ser mais eficiente – “fazer certo a coisa” (utilização de menos recursos e em menor tempo), eficaz – “fazer a coisa certa” (resolução do problema, alcance do objetivo) e menos “injusto”? Uma das razões é por quase todos conhecida: a precedência dos interesses dos beneficiários do rendimento do capital em detrimento do trabalhador assalariado.
Não bastando as inconstitucionalidades do sistema tributário, acima referidas, alguns processos de fiscalização poderiam ser mais eficazes e, por que não, mais justos, uma vez que os contribuintes a serem analisados podem ser pessoas físicas – assalariados ou rentistas, investidores – e ou jurídicas.
Como esclarecimento ao público, exponho que, no fechamento do ano de 2014, levantou-se o montante de R$ 129 bilhões a título de Imposto de Renda Pessoa Física “DEVIDO” (valores declarados pelo contribuinte pessoa física, antes e após o ajuste anual da declaração de rendimentos – DIRPF); sem considerar, portanto, o processo de fiscalização eletrônico conhecido como “MALHA-FINA”, cuja base de trabalho, de forma relevante, são os rendimentos do trabalho assalariado.
Após a execução da “MALHA-FINA”, a título de imposto de renda pessoa física, foi lançado (autos de infração) de ofício mais o montante de R$ 1,48 bilhão. Esse R$ 1,48 bilhão representa algo em torno de 1% do montante de imposto apurado e declarado pelo próprio contribuinte pessoa física, em regra, o trabalhador assalariado.
Com o propósito de se discutir a eficiência e a eficácia do trabalho da administração tributária, observa-se que o conjunto de autuações – todos os tributos federais – da Receita Federal, durante o ano de 2015, somaram aproximadamente 10% de toda a arrecadação federal.
O trabalho da Instituição Receita Federal resultou na autuação de quase R$ 130 bilhões, que representam 10% de toda a arrecadação federal de 2015 que chegou a R$ 1,3 trilhão.
Comparando-se o valor das autuações por meio do sistema “malha-fina”, com o das autuações por auditorias-fiscais (utilização de capacidade e conhecimento técnico), verifica-se que este foi 10 (dez) vezes mais eficaz do que aquele (autuação por malha-fina).
Além das autuações decorrentes de auditorias fiscais serem mais eficazes em termos de valores; de arrecadação, portanto, constata-se que também foram mais eficientes, haja vista os alvos irem além do trabalho assalariado – pessoas físicas e jurídicas.
Apresentados os conceitos, pergunto: não seria mais “produtivo” para o País a administração tributária focar ainda mais o trabalho no desenvolvimento de auditorias-fiscais?
Ressalto que o sistema eletrônico de malha-fina, além da pífia arrecadação anual, que soma 1% do imposto de renda devido e declarado, alcança principalmente o trabalhador assalariado, justamente o contribuinte que, ao declarar e recolher seu imposto devido, praticamente cumpriu com seu dever legal.
Concluo observando que os atuais indicadores sociais – distribuição de renda, educação, saúde e segurança – sinalizam que a opção do sistema tributário pela regressividade dos impostos – ênfase no consumo – e em tributar os salários, isentando os rendimentos do capital, está sendo equivocada, além de injusta e inconstitucional.
Em relação à escolha dos processos de trabalho fiscal, é possível compreender que o foco institucional tem de ser ainda mais a auditoria-fiscal, porque além de muito mais eficaz, analisa pessoas físicas e jurídicas com maior capacidade econômica.
(1) Princípio da Isonomia: tratar as rendas da mesma forma, uma vez que o fato gerador do IRPF é o recebimento de rendas e proventos de qualquer natureza.
(2) Princípio da Capacidade Contributiva: sempre que possível, os impostos devem ter caráter pessoal e graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte.
Vitor Guilherme Ruschel é Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e associado ao IJF.