Tributação e mineração: a saga de Johnny continua …

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por Marciano Buffon*
Este espaço vem sendo utilizado para relatar uma saga – embora inverídica – completamente factível no imaginário país dos trópicos, onde residia nosso herói (Johnny – outrora João), que, de advogado que sonhava ter um jatinho, tornou-se o célebre fundador de uma nova religião: a non mortis. Como já explicado, a cada novo bem adquirido por Johnny, sua vida parecia ser mais frustrante, o que para ele soava como uma heresia, muito maior do que fundar uma igreja que prometia aos seus fiéis que jamais morreriam. Pensava Johnny, enquanto ouvia uma música de mau gosto que combinava com seus sonhos: “ter um jatinho (ser invejado e amado por isso), ter uma religião para chamar de sua (com tantos seguidores devotos), ter seu nome divulgado na Forbes (que injustamente havia considerado o patrimônio da “non mortis” como seu), já não lhe assegurava a venerada felicidade”.  Esta permanecia tão efêmera quanto o prazer de um novo “brinquedo” adquirido, fotografado e postado nas redes sociais. Consultou seu guru para assuntos complexos (um ex-ator “fortão”) que confirmou a tese do seu filósofo preferido (um ex cantor de rock): a culpa era do tal Bauman, que inventou a modernidade líquida! Cara chato esse polonês!
Diante desse angustiante quadro, Johnny decidiu ampliar seus negócios e resolveu investir seus recursos (ops!), da non mortis, em um novo empreendimento: comprou uma empresa de mineração, num Estado não muito distante, denominado “Terra de Tiradentes”. Às margens de sua mineradora estava o Rio Adocicado, o qual poderia lhe causar problemas, mas Johnny nunca levara a sério aqueles malucos que temiam pelo destino das águas doces de tal rio.
Como dera certo nas outras ocasiões, Johnny consultou seu supertributarista, acerca do quanto teria que pagar de tributos com o novo negócio, o qual consistia na extração de minerais destinados à exportação.  Descobriu, então, que a Constituição daquele país assegurava total imunidade tributária às exportações, inclusive de produtos primários (minérios entre eles) e que não estaria, pois, obrigado a pagar uns estranhos tributos existentes naquele estranho país – como ocorria, por exemplo, com qualquer indústria.  Disse-lhe seu advogado, que não incidiria, nesta operação, uma ininteligível sopa de letrinhas tributária: ICMS, IPI, PIS, COFINS, I. EX. – Nenhum tributo? Questionou Johnny.
– Não, apenas será pago aos cofres públicos uma pequena taxa (tal de CFEM) e um pequeno valor a título de royalties (2%).
Até Johnny, com sua malandra esperteza, achou muito estranho.  Lembrou que, sendo uma empresa, estaria obrigado ao pagamento do Imposto de Renda e de uma tal Contribuição Social sobre os lucros obtidos, em relação à exportação de seus produtos para um populoso país do extremo oriente: a Chinasia. Ficou sabendo, então, que também isso poderia ser evitado ou bastante reduzido.  Bastaria que constituísse uma subsidiária em um país não tido – oficialmente – como paraíso fiscal (a República Helvética, nos alpes do velho continente, por exemplo). Com isso, suas exportações seriam, primeiramente, destinadas à sua subsidiária – obviamente subfaturadas – e de lá – onde os lucros não eram tributados – seriam remetidas à Chinasia, com o efetivo valor final de venda. Dessa forma, no seu país, não seriam apurados lucros expressivos a serem tributados.  Aliás, sequer seria necessário que as mercadorias ingressassem no Cantão da República Helvética. Bastava uma “troca de papéis”, sem custo logístico.
Nosso herói não resistiu a tal informação… teve uma crise aguda da felicidade, pois poderia extrair minérios e exportá-los, praticamente, sem ter que pagar tributos! Isso era perfeito! Aquele sonho de viver no primeiro mundo, acalentado aos tempos de advocacia por Johnny, foi definitivamente abandonado. Só restava um problema: o tal rio próximo a sua barragem de rejeitos. Mas isso não era problema seu, pensava Johnny, afinal de contas não vivia da pesca, não morava lá, nem bebia sua água. Se ocorresse um acidente e seus rejeitos contaminassem o rio, bastaria convencer as pessoas que um improvável terremoto havia ocorrido, ou que Deus assim quis.  Feliz, assim, prosseguiu seus dias, aos quais chamava de vida… Vida estranha esta, neste insensato país!


Marciano Buffon Advogado Tributarista, Doutor em Direito. Professor da UNISINOS. Associado ao IJF.
marciano@buffonefurlan.com.br