Tributação e a fábula da nova igreja

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por Marciano Buffon*
Recentemente, contou-se aqui o primeiro episódio da “saga de Johnny”, que vivia num país um tanto estranho, há tempos tinha abandonado seu nome de batismo (João), sonhava com o primeiro mundo e desistiu disso quando descobriu que, no paraíso dos trópicos onde vivia, era possível comprar e ser dono de um jatinho sem ter muitos incômodos fiscais.  Com seu novo brinquedo, Johnny postou muitas fotos nas redes sociais existentes nessa época e chegou a escrever que “esse foi Deus quem me deu”. Deus generoso esse que se preocupava em realizar o sonho de Johnny…Por um tempo, ele estava muito feliz, até porque nada poderia tornar o tal doutor alguém mais apreciável do que ter um jatinho para curtir seus finais de semana. (E um tal de Bauman – sociólogo –  ainda dizendo que os seres humanos haviam se transformado em mercadorias…)
No entanto, como toda felicidade, em tais circunstâncias, é efêmera, Johnny já estava insatisfeito. O que poderia fazer ele para ganhar mais dinheiro, já que o sucesso da advocacia parecia lhe ser monetariamente insuficiente para aplacar seus novos desejos. Pensou, pesquisou e brilhantemente concluiu: –  Vou fundar uma igreja! A dificuldade residia em criar uma nova concepção religiosa, afinal de contas esse campo parecia saturado. Consultando sua maior fonte de pesquisa – na época pronunciava-se gugou – ele descobriu que um sujeito chamado Saramago (do qual nunca tinha ouvido falar) havia escrito um livro intitulado “as intermitências da morte”. Uma estória maluca de um lugar onde a morte não mais ocorria (era tudo que tinha no resumo e ele não gostava de ler mais do que resumos). Teve, então, sua grande sacada: criar uma nova religião que prometesse que ninguém morreria, pelo menos aqueles que o seguissem e pagassem a mensalidade. Claro que Johnny não acreditava nisso e que a morte continuaria a matar seus fiéis, mas sua esperteza o fez pensar na saída: fraudar os recibos e justificar a morte dos seus fiéis pelo atraso no pagamento (para isso Johnny daria o recibo com um mês de atraso). Não pagou, a morte chamou! Tudo estava perfeito! Fundou, então, a “Non Mortis”.
Como havia dado certo na compra do jatinho, Johnny foi consultar novamente seu supertributarista, sobre quanto teria que pagar de tributos com o novo negócio (ops!), com sua igreja. Descobriu então que a constituição daquele país assegurava a total imunidade tributária e que isto significava, segundo entendimento da Suprema Corte de Controle, que qualquer atividade exercida em nome daquela pessoa jurídica, desde que os frutos fossem destinados a sua finalidade social, estariam abrangidas pela exoneração. Poderia locar imóveis, vender imagens, receber doações e, talvez, até emprestar dinheiro e receber juros, sem se preocupar com tributos. Como não ficar feliz? Descobriu também que o laico poder legislativo do país, recentemente, havia garantido que sobre as comissões que viessem a ser pagas aos seus representantes, pela conversão de novos fiéis, também não incidiria a contribuição previdenciária.
Isso já estava de bom tamanho, mas até Johnny surpreendeu-se quando foi informado que na província na qual vivia – cujo hino evocava grandes façanhas do passado – recentemente havia sido aprovada uma lei dispensando de pagar um imposto chato que incidia sobre o fornecimento de energia elétrica e sobre as contas de telefone (ICMS). Sarcasticamente sorriu e disse: – É óbvio! Preciso me comunicar com a divindade pelo celular! Isso é atividade fim! Logicamente, registrou todas as contas telefônicas, de seus conversores de fiéis, em nome da “non mortis”.
Johnny, então, que outrora pensava ser feliz com apenas um jatinho, percebeu que as possibilidades de ser feliz naquele paraíso que era seu país, mostravam-se ilimitadas. Como tinha cogitado migrar para o primeiro mundo? Lá não seria livre para ter uma religião para chamar de sua e tampouco poderia viver sem ser incomodado pelos tributos. Ah, e quem disse que na vida só há duas coisas inevitáveis: a morte e os impostos?


Marciano Buffon Advogado Tributarista, Doutor em Direito. Professor da UNISINOS. Associado ao IJF.
marciano@buffonefurlan.com.br