Hoje está arraigada em boa parte da sociedade a ideia de que o Estado deva ser mínimo. Ideia quase hegemônica na grande parte da mídia.
Ora, a ideia de Estado Mínimo pressupõe um deslocamento das atribuições do Estado para o Mercado perante a economia e a sociedade. A redução do espaço atribuído ao Estado passa a ser ocupado pela inciativa privada – o chamado Mercado. Preconiza-se a não intervenção estatal. Este afastamento em prol do Mercado, justificado na liberdade individual e da competição entre os agentes econômicos segundo o neoliberalismo, seria o pressuposto da prosperidade econômica.
Essa tragédia m Brumadinho, que mais propriamente deveria ser nominada como Crime da Vale, demonstra a incoerência dos defensores desse Estado Mínimo. Cobram, diante desse drama, a ausência de fiscalização do Estado.
Conforme divulgado pela mídia, o quadro de fiscais para essa atividade está reduzidíssimo. O país tem apenas 35 fiscais de barragem de mineração para efetuarem a fiscalização de 790 barragens de rejeitos de minérios (https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,pais-tem-apenas-35-fiscais-de-barragem-de-mineracao,70002699885 – consulta em 31/01/19)
Isto é, para a fiscalização agora reclamada em função da tragédia, infelizmente o tamanho do Estado já é diminuto demais. Conforme matéria disponível no link acima, “O Brasil não tem estrutura para garantir a segurança de todas as barragens em operação em seu território. A Agência Nacional de Mineração (ANM), responsável pela fiscalização, tem apenas 35 fiscais capacitados para atuar nas 790 barragens de rejeitos de minérios – semelhantes às do Córrego do Feijão, em Brumadinho, e à do Fundão, em Mariana – em todo o País.”
Dado esse quadro deficitário de pessoal, são as próprias mineradoras que produzem os laudos que atestam a segurança das suas estruturas, exatamente como preconizado pelos defensores do Estado Mínimo, já que a intervenção estatal iria de encontro à liberdade individual.
No caso da Vale, foi uma consultoria privada que produziu os laudos que atestam a segurança das suas estruturas, uma entidade alemã, denominada TÜV SÜD (https://www.terra.com.br/noticias/brasil/empresa-alema-atestou-que-barragem-era-estavel,1482f18f4b54d1f83cb59b38d4a640fbs4kt69ww.html – consulta em 31/10/19). Esse laudo inclusive foi alvo de críticas na própria Alemanha.
As tragédias da Vale em Brumadinho e o da Samarco em Mariana indicam que o Estado Mínimo, ou o Mercado Máximo, falharam.
Pode a liberdade individual se sobrepor à liberdade e segurança de toda uma comunidade? Há responsabilidade das empresas, se não fiscalizadas, para fazer a sua lição de casa?
É evidente que o risco de tragédias, como as de Mariana e Brumadinho, é potencialmente mais alto se não houver fiscalização. Considerando que os 35 fiscais não trabalham exclusivamente com barragens de rejeitos (há outras atividades relacionadas à mineração, tais como fiscalização de minas e pesquisa mineral), é evidente que não é possível fazer nem uma fiscalização por ano em cada uma das 790 barragens de rejeito de minérios.
Esses quadros diminutos na área de fiscalização infelizmente não são a realidade apenas da ANM. Em muitas outras áreas, como a Tributária, Vigilância Sanitária, etc de vários dos entes da federação, é um quadro que se repete. Em muitos casos, a luta para conseguir aprovação para realização de concurso é árdua. E quando o concurso e posterior nomeação acontecem, há uma enxurrada de críticas de que o Estado está inchado.
E ao contrário do que se difunde por aqui, o serviço público está muito presente em países desenvolvidos. Considerando-se a relação de servidores públicos em relação à população, nosso país está muito longe dos 15 com mais servidores públicos no mundo.
Enquanto no Brasil essa relação é de 1,6%, no Japão, 15º colocado nesse ranking ela é de 5,9%, na Turquia (12ª) é de 12,4%, no Canadá (6º) é de 18,2% e na 1ª colocada, a Noruega é de 30%.
Cabe destacar que os Estados Unidos da América, tão reverenciado pelos defensores desse Estado Mínimo, é o 10º. colocado e a relação de servidores em relação à população é 15,3%, portanto quase dez vezes a relação do Brasil (https://www.superlistas.net/os-15-paises-com-mais-servidores-publicos-no-mundo/ – consulta em 31/01/19)
E se depender do Presidente Bolsonaro, esse quadro de penúria vai se aprofundar. Quando pré-candidato a presidente, ele afirmou: “se depender de mim eu vou botar quase em extinção o quadro de fiscais no Brasil” ( https://www.youtube.com/watch?v=-7DlY8WSB-A – consulta em 30/01/19)
Será que é isso o que realmente queremos: a diminuição do Estado para que a iniciativa privada possa atuar com total liberdade e sem responsabilidades? Qual o custo dessa postura? É possível aceitar a perda de centenas de vidas em prol dessa tese?
Claudio Graziano Fonseca, 64, Auditor-Fiscal da Receita Estadual