Folha SP, 2/11/17
O Monitor Fiscal publicado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) em outubro fez um alerta para os países ricos: a política fiscal vem sendo cada vez menos capaz de compensar o aumento da desigualdade de renda gerada pelo mercado.
Enquanto entre 1985 e 1995 a tributação e as transferências do governo eram capazes de eliminar 60% do aumento da desigualdade na renda de mercado, entre 1995 e 2010 a desigualdade continuou subindo sem que a política fiscal mantivesse sua capacidade de redistribuição.
O resultado foi que, nas últimas décadas, a desigualdade na renda disponível (renda pós-tributação e transferências) cresceu em linha com a desigualdade na renda de mercado.
Apesar de reduzidas, a tributação direta e as transferências ainda são responsáveis por diminuir a desigualdade de renda em um terço, em média, nesses países.
Nos países classificados pelo FMI como emergentes ou em desenvolvimento, o impacto redistributivo da política fiscal é bem menor. Enquanto a tributação da renda e as transferências reduzem o índice de Gini em 0,17 ponto nos países ricos, tal efeito é de apenas 0,03 na amostra de países da América Latina.
“Em outras palavras, mais de três quartos da diferença na desigualdade média de renda disponível entre países avançados e países da América Latina é explicada por diferenças no impacto redistributivo dos impostos e transferências”, afirma o texto.
O FMI conclui que, embora haja margem para aumentar a progressividade na tributação da renda sem prejuízo ao crescimento econômico, tais mudanças podem ser difíceis de implementar politicamente. Isso porque países historicamente mais desiguais tendem a ter “sistemas políticos mais dominados pelas elites”.
Vale então o Paradoxo de Robin Hood: quanto mais desigual é a distribuição de renda inicial, menos o Estado atua para redistribuí-la.
O Brasil aparece com a maior desigualdade entre os países incluídos no estudo quando se considera a renda disponível após a tributação da renda e transferências.
Países como Irlanda, Portugal e Grécia, cuja desigualdade de renda de mercado é quase tão alta quanto a brasileira, reduzem seu coeficiente de Gini em 35% ou 40% por meio da tributação direta e transferências. No Brasil, essa redução é de menos de 10%.
A principal explicação para o fraco papel redistributivo da política fiscal brasileira é o nosso sistema tributário injusto.
De acordo com os dados apresentados no “Comunicado nº 92” do Ipea, os impostos diretos —incluindo aí, além do Imposto de Renda, contribuições previdenciárias, IPTU, IPVA e outros— contribuem com uma redução de apenas 2,7% na desigualdade de renda medida pelo índice de Gini.
Esse efeito é mais do que compensado pelo aumento de 4% na desigualdade gerado pela tributação indireta via ICMS, PIS-Cofins, IPI e Cide.
Segundo o mesmo estudo, o papel redistributivo da política fiscal até aumentou entre 2003 e 2009, graças à relativa melhora na progressividade das despesas com Previdência, à universalização do programa Bolsa Família e ao peso maior no Orçamento de outras transferências, como o Benefício de Prestação Continuada e o seguro-desemprego.
Diante do papel de Robin Hood às avessas desempenhado pelo sistema tributário, a tarefa de redistribuir renda via gastos e transferências já era quixotesca. Com o teto de gastos, passou a ser uma quimera.