Dão Real Pereira dos Santos*
O ministro da economia, Paulo Guedes, declarou recentemente que pretende reduzir o Imposto de Renda das empresas de 34% para 15%¹. Mas o que isso significa na prática? Em relação ao valor arrecadado em 2017, esta medida representaria uma redução de R$ 76 bilhões, que corresponde a 1,16% do PIB.
A primeira questão que precisa ser esclarecida é que a alíquota do Imposto de Renda das empresas é de 25% e não de 34%. Na prática acaba sendo de 34%, pois o lucro das empresas é tributado também com 9% de contribuição social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que, em 2017, arrecadou mais de R$ 70 bilhões. No entanto, esta segregação é relevante, pois a tributação do lucro das empresas afeta tanto o orçamento fiscal quanto o orçamento da seguridade social. Abrir mão de contribuições sociais significa reduzir as fontes de financiamento da saúde, da assistência social e da previdência. Por outro lado, reduzir o Imposto de Renda afeta as parcelas que vão compor o FPE e o FPM², reduzindo, portanto, os orçamentos dos Estados e dos Municípios.
Reduzir as receitas tributárias parece não preocupar muito o ministro, pois já em outra oportunidade ele havia defendido a redução da carga tributária para no máximo 20% do PIB. O objetivo de reduzir o Estado, do novo governo, é evidente. O que não fica claro para a sociedade qual será a parte das políticas públicas que será abandonada, saúde, educação, assistência, previdência, segurança, …. Na ordem natural dos eventos, a decisão de reduzir o Estado deveria preceder à de reduzir os tributos. No entanto, parece que o governo prefere adotar a estratégia de primeiro abdicar das receitas para tornar inevitável a redução do Estado.
Mas será que as empresas são realmente muito tributadas no Brasil? É verdade que a alíquota nominal de 34% (IRPF + CSLL) situa-se entre as mais altas do mundo. Entretanto, nenhuma empresa é tributada por sua alíquota nominal, mas sim pela alíquota efetiva e a nossa estaria em torno de 29%, segundo a OCDE. O valor total arrecadado de Imposto de Renda e CSLL das empresas em 2017 foi de R$ 184 bilhões, o que representou 2,82% do PIB, abaixo da média dos países da OCDE (2,9% do PIB) e da média dos países da América Latina e Caribe (3,4% do PIB).
Nos últimos 30 anos, observa-se uma clara tendência de redução da carga tributária incidente sobre as empresas, o que veio acompanhado de um crescimento dos tributos incidentes sobre as pessoas físicas e das contribuições sociais.
No Brasil, as alíquotas sobre as empresas tiveram uma queda em meados da década de 1990, mas a partir daí permaneceram em 34% (Figura 1). Comparando-se com as médias, simples e ponderadas pelo PIB, das alíquotas estatutárias praticadas pelos países da OCDE, percebe-se que a alíquota brasileira passou a ficar acima da média simples da OCDE a partir de 2000, mas permanece próxima da média ponderada daqueles países. Isso, porque, grande parte da redução geral das alíquotas daqueles países foi influenciada pela incorporação de muitos pequenos países do leste europeu que passaram a praticar políticas tributárias agressivas para atração de investimentos.
Fonte: Elaboração própria com dados da OCDE, obtidos no endereço https://taxfoundation.org/oecd-corporate-income-tax-rates-1981-2013/
Se por um lado a alíquota estatutária no Brasil permaneceu próxima à média ponderada dos países da OCDE, por outro, a tributação das pessoas físicas teve uma redução bastante expressiva no final da década e 1980, com redução das alíquotas de 8 para apenas 2 e da alíquota máxima de 45% para 25%, e, na metade da década de 1990³, com a isenção do Imposto de Renda para lucros e dividendos distribuídos e com a criação da figura dos juros sobre o capital próprio para reduzir os lucros corporativos. Por conta destas benesses concedidas ao capital, que promoveu grande desoneração das altas rendas, a participação da tributação das pessoas físicas representa apenas 2,4% do PIB no Brasil, enquanto a média dos países da OCDE fica em torno de 8,5%.
Na comparação internacional, a tributação total sobre o capital, considerando tanto o imposto pago pela empresa quanto o imposto pago na distribuição dos lucros e dividendos, o Brasil (34%) aparece na 28ª posição entre os 34 países da OCDE, bem abaixo da média daqueles países (42%). Ou seja, a alíquota de 34% não torna o capital mais tributado no Brasil do que em outros países, com alíquotas menores.
Por outro lado, com a redução da tributação das empresas para 15%, como sugere o ministro, o Brasil teria uma das alíquotas mais baixas dos países da OCDE4, junto com a Lituânia (15%). Somente a Irlanda (12,5%) e a Hungria (9%) ficariam abaixo do Brasil. Numa lista de 94 países, o Brasil estaria na 70ª posição e somente 19 países teriam alíquotas menores do que 15%, dos quais, pelo menos 15 são mundialmente reconhecidos como paraísos fiscais. Aliás, a Lei 9.430, de 1996, trata como país com tributação favorecida ou com regimes especiais – conceitos legais para o que se denomina comumente como paraísos fiscais – aquele que não tribute a renda ou que a tribute com alíquota inferior a 20%. Portanto, com a proposta do ministro, o Brasil será finalmente um paraíso. Um paraíso fiscal.
As notícias dão conta de que o ministro estaria propondo tributar os lucros e dividendos distribuídos com uma alíquota de 20% para compensar a perda estimada de arrecadação, o que é incoerente com a sua posição já manifestada várias vezes de reduzir a carga tributária do Brasil. Embora seja desejável revogar a isenção da tributação dos lucros e dividendos distribuídos, como propõe a campanha por uma Reforma Tributária Solidária, capitaneada pela ANFIP5 e FENAFISCO6, com apoio de diversas organizações, dentre elas, o Instituto Justiça Fiscal, a proposta do ministro não altera a estrutura regressiva do sistema tributário. Bem mais eficaz, tanto para a economia como para a sociedade seria centrar a reforma tributária na elevação da tributação das altas rendas, compensando-se com a redução da tributação sobre o consumo e sobre a folha de pagamentos, sem prejuízos para o financiamento da seguridade social e para o equilíbrio federativo.
*diretor de relações institucionais do Instituto Justiça Fiscal
¹ https://www.brasil247.com/pt/247/economia/381377/Guedes-quer-reduzir-Imposto-de-Renda-para-empresas-pela-metade.htm
² De acordo com o Artigo 159 da Constituição Federal, 22,5% e 21,5% do IR devem compor os Fundos de Participação dos Municípios (FPM) e de Participação dos Estados (FPE).
³ Artigos 9º e 10 da Lei 9.249, de 1995.
4 Data extracted on 24 Jan 2019 11:16 UTC (GMT) from OECD.Stat
5 ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil.
6 FENAFISCO – Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital.