Renda Básica Universal pode se tornar realidade com reforma tributária ampla

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Propostas analisadas por professores do Departamento de Economia da UFPE apontam caminhos para pagamento de R$406 à população

Lucas Moraes

Publicado em 25/05/2020 às 20:53

Antes considerada utópica, a discussão sobre a implementação de uma renda básica universal no Brasil tem ganhado força. Com o pagamento de um auxílio de forma emergencial, até então por três meses, o governo federal tem na mesa a possibilidade de trilhar uma ampliação da proteção social num momento em que o mercado de trabalho sinaliza para mais uma grande transformação, com perda excessiva da mão de obra e comprometimento da renda das famílias. Enveredar por esse caminho, no entanto, não parece ser do agrado do poder público pelo risco de maior endividamento e déficit orçamentário. Diante da necessidade, uma alternativa para financiar um mecanismo capaz de diminuir o abismo da desigualdade e avanço da pobreza poderia vir numa reforma tributária ampla, com capacidade de arrecadar mais e distribuir na mesma proporção.

Professores do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), antes do avanço da pandemia do novo coronavírus no País, chegaram a analisar três cenários possíveis de tributação para o pagamento de uma renda mínima aos brasileiros.

“O que a gente simulou não foi o benefício emergencial (atualmente pago pelo governo). Simulamos três esquemas de renda básica universal, um benefício monetário pago a cada indivíduo independentemente da renda, condição no mercado de trabalho ou qualquer condicionalidade. Um dos esquemas que a gente simulou propõe que essa renda básica seja de R$ 406. Igual ao valor da linha de pobreza proposta pelo Banco Mundial para os países de renda média e alta, como o caso do Brasil. Então todo cidadão brasileiro, inclusive crianças, receberiam. Para financiar isso, apenas a fim ilustrativo, propomos um imposto com alíquota única, uniforme sobre todas as rendas”, explica a professora Rozane Bezerra de Siqueira, que elaborou o estudo com o também professor do departamento de economia José Ricardo Bezerra Nogueira.

A implementação de uma renda básica nesse valor teria um custo relativamente alto, mas sendo financiada pela tributação não seria capaz de gerar mais déficit às contas do governo. Levando em conta dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2017, um programa dessa magnitude custaria R$ 1 trilhão.

“Para que o imposto seja suficiente a financiar a renda básica sem gerar déficit, a alíquota teria de ser de 35,7%. Toda renda que o indivíduo receber, exceto a renda básica, seria tributada. Não é Imposto de Renda atual. Quando a gente faz a simulação, substitui, acabando com o IR atual e a contribuição previdenciária paga pelos empregados, sem limite de isenção e nenhuma dedução”, especifica Rozane.

Imposto para Renda Básica Universal?

Professores do Departamento de Economia da UFPE analisaram cenários possíveis para aplicação da Renda Básica Universal sem aumento do déficit nas contas do governo

A ideia seria substituir o atual Imposto de Renda por uma nova tributação com alíquota universal sobre todas as fontes de renda. Mesmo se tratando de uma cobrança no mesmo patamar para mais pobre e mais ricos, o estudo aponta maior impacto sobre as maiores rendas e maiores ganhos no orçamento aos mais pobres. Cerca de 64% da população se beneficiaria

As possibilidades (considerando Pnad Contínua 2017):

Cenário 1 – Pagamento de Renda Básica Universal de R$ 406
Alíquota do imposto – 35,7%
Custo – R$ 1 trilhão

Cenário 2 – Pagamento de Renda Básica Universal de R$ 203 aos menores de 18 anos e R$ 406 aos adultos e o dobro aos idosos acima de 65 anos
Alíquota do imposto – 32,6%

Cenário 3- Pagamento de Renda Básica Universal de R$ 406
Alíquota do imposto – 20% (para os mais pobres) e 46,5% aos demais

Custo dos cenários 2 e 3 – R$ 969 bilhões

Fonte: Departamento de Economia UFPE

O percentual proposto assusta. Afinal, atualmente as alíquotas máximas do Imposto de Renda sobre pessoa física e jurídica correspondem à, respectivamente, 27,5% e 34%, sem contar as possibilidade de deduções. “Seria um aumento gigantesco. Hoje, praticamente ninguém, até mesmo pessoa jurídica, não paga a alíquota máxima. Seria basicamente um novo sistema tributário. Uma reforma gigantesca na tributação da renda, algo que não está sendo objeto, por exemplo, da PEC 45 (proposta de reforma tributária que despontou discussões no Congresso ao longo do ano passado)”, indica o professor de Direito Financeiro e Tributário da UFPE, Eric Castro e Silva.

A eliminação dos atuais benefícios não previdenciários, juntamente com o ajuste descendente das pensões, compensariam quase 25% do custo bruto da renda básica. Conforme o estudo, a remoção total dos benefícios existentes permitiria ao governo compensar cerca de 80% do custo bruto da renda. Para reduzir o peso da tributação sobre a renda dos mais pobres, a proposta seria arrecadar também através do consumo.

“O problema é implementar esse “novo imposto de renda”. Na verdade, na prática, uma parte da receita deveria ser arrecadada através do imposto sobre valor agregado, o imposto sobre consumo, porque é muito difícil aplicar isso com essa alíquota na base da distribuição. Quando se combina um imposto desse com transferência também uniforme, o resultado é um esquema progressivo e redistributivo, com maioria recebendo a transferência (de renda) e parte de cima, renda elevada, pagando. Estimamos que em torno de 64% da população se beneficiaria”, considera a professora.

Poder de arrecadação para financiamento da renda:

O custo bruto do novo imposto é de de cerca de R $ 1 trilhão no cenário 1. Nos cenários 2 e 3 a cifra se aproxima dos R $ 969 bilhões

A eliminação dos atuais benefícios não previdenciários, juntamente com o ajuste descendente das pensões, compensam quase 25% do custo bruto da Renda Básica 1 e quase 35% da renda básica nos cenários 2 e 3

A remoção total dos benefícios existentes permitiria ao governo compensar cerca de 80% do custo bruto

Em 2019, a arrecadação tributária do País totalizou R$ 2,6 trilhões. Imposto de Renda representou 16, 2% da arrecadação e Previdência 17,59%

Em 2020, estimava-se arrecadação de R$ 2,8 trilhões. Com isolamento social até o fim de maio, a nova previsão era de R$ 906,42 bilhões (- 32,38%)

Fontes: Departamento de Economia UFPE; Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT)

Já para Eric Castro, tributar pelo consumo ainda seria complicado por se tratar de uma cobrança regressiva (que não cobra mais de quem ganha mais). “Você estaria dando a renda básica por uma mão e tirando pela outra, justamente tributando e onerando os mais pobres, que são quem mais consome. Há um caminho longo, mas a discussão já está posta e, como sempre, ela é sobre o tamanho da despesa do estado que a gente quer. Teria que diminuir alguma despesa para achar dentro da dinâmica orçamentária brasileira um espaço fiscal para se dar renda básica universal. Com endividamento, o Ministério da Economia já diz não ser viável. O melhor caminho realmente é via tributação”, diz o professor.

Complementando os três cenários analisados, o estudo aponta outras duas variáveis. Uma alíquota de 32,6%, reduzindo à metade o valor pago de renda básica aos menores de 18 anos e dobrando aos maiores de 65 anos, e outras duas alíquotas de 47,% e 20%, diferenciando os perfis de renda, mas pagando o mesmo valor de R$ 406.


Disponível em https://jc.ne10.uol.com.br/economia/2020/05/5610385-renda-basica-universal-pode-se-tornar-realidade-com-reforma-tributaria-ampla.html