Quando se fala em políticas públicas, normalmente não se dá a devida importância à forma como ocorre o financiamento do Estado. Este é um tema que em geral não se discute nos movimentos sociais nem nas entidades representativas das classes trabalhadoras. O único consenso que parece dominar a opinião pública sobre o tema é o tamanho da carga tributária, considerado de forma sistemática e recorrente como alta para os padrões de serviços públicos colocados à disposição da sociedade.
Parece haver uma opinião hegemônica de que o sistema tributário nacional é ruim e precisa ser reformado. Daí o velho mantra da necessidade de uma reforma tributária que nos acompanha há pelo menos 20 anos e este é um tópico que parece ser de convergência entre pobres e ricos, empresários e trabalhadores, agricultores e operários, políticos e não políticos, todos querendo reformar o sistema tributário. Parece também que são muito poucos os atores sociais que sabem exatamente que reforma tributária defendem e o que significa reformar o sistema tributário nacional.
Se a necessidade de uma reforma parece fazer convergir os interesses, o debate sobre qual reforma interessaria à sociedade, ao contrário, é sem dúvida, um debate que divide, pois tem o poder de escancarar os conflitos sociais e as lutas de classe. Talvez seja por isso mesmo que este seja um tema meio proscrito, uma espécie de assunto proibido à maioria das pessoas.
Enquanto permanecermos limitados apenas na ideia geral e consensual, sem entrar no mérito de qual reforma tributária precisamos, também não mergulhamos nestes espaços potencialmente conflituosos.
Percebe-se claramente na opinião pública um esforço para ocultar e minimizar a importância dos conflitos sociais existentes no País, que são enormemente potencializados pela desigualdade social. Daí o porquê de se evitar os debates de fundo, como por exemplo, a necessidade de tributar mais os ricos para poder tributar menos os pobres.
Os movimentos das ruas de 2013 de alguma forma demonstraram um pouco este fenômeno. No mesmo palco estavam representantes de diversas classes sociais que poderiam ser consideradas pólos opostos no conflito social. Classes mais ricas unidas às classes mais pobres, cada uma com suas agendas, nem sempre muito claras, mas todas contra o Estado, sem perceber que o Estado não é causa, mas consequência do próprio conflito social. Naquele momento de explosão e de contestação generalizada, não se falava da injustiça fiscal, que é sem dúvida um dos principais fatores da desigualdade social. Aliás, pouco se falou sobre a desigualdade social.
Debater a reforma tributária, tendo em vista princípios de justiça fiscal, exige o enfrentamento destes conflitos sociais, ainda que seja através de um pacto social, que certamente não seria consensual, pois implica necessariamente um processo de redistribuição de riquezas e esse é naturalmente um tema conflituoso, quando não, explosivo.
Manter o assunto da reforma tributária apenas na ideia de que ela é necessária, sem discutir qual sistema tributário interessa, apenas reproduz, reforça e aprofunda o modelo de sistema tributário regressivo e que interessa às classes mais ricas porque lhes beneficiam, e interessa aos governos porque é de fácil administração, ainda que injusta do ponto de vista da sociedade.
Sabemos que os tributos que oneram as classes mais ricas são aqueles que incidem sobre a riqueza, o patrimônio e as rendas, considerados tributos diretos. Já os tributos que afetam mais as classes mais pobres são aqueles que são automaticamente transferidos para os preços dos produtos, especialmente para os produtos de consumo mais geral. Estes são os tributos considerados indiretos, pois são cobrados das empresas, mas quem efetivamente os paga são os consumidores.
Este segundo tipo de tributo afeta mais diretamente os mais pobres porque estes se obrigam a usar praticamente toda sua renda, ou a maior parte, no consumo, diferentemente das classes mais ricas que conseguem transformar parte de sua renda em patrimônio e riqueza.
O sistema tributário brasileiro baseia-se de forma muito expressiva na tributação indireta, ou seja, mais da metade da carga tributária é composta por tributos indiretos, que incidem sobre o consumo. A tributação sobre o patrimônio é residual, não passa de 4% da arrecadação total e a tributação sobre a renda responde com aproximadamente 20% da arrecadação e ainda assim, incide preponderantemente sobre salários e muito pouco sobre rendas do capital. Com esta configuração, não há dúvidas de que o sistema tributário é um dos principais fatores de aprofundamento da desigualdade social. O resultado é que quem ganha até dois salários mínimos gasta mais de 50% de sua renda com tributos e quem ganha acima de trinta salários não gasta mais do que 30% de sua renda com tributos.
O sistema tributário nada mais é do que compartilhar socialmente o custo do que é público. Ou seja, é simplesmente a forma de repartir entre as classes sociais o ônus de viver em sociedade e isso é muito fácil de compreender. Repartir com justiça é repartir de forma solidária. No entanto, esta simplicidade é insistentemente oculta por um tecnicismo de linguagem que não tem outra função que não a exclusão de grande parte da sociedade deste debate. É a famosa exclusão pelo discurso.
Se quisermos construir uma sociedade justa precisamos construir um sistema tributário que seja efetivamente capaz de promover a redução das desigualdades sociais e isso só se faz com a participação efetiva da sociedade.