por Dão Real Pereira dos Santos *
Quando o assunto é os gastos públicos as opiniões acabam sendo muitas vezes condicionadas em função de quem sejam seus beneficiários.
Recentemente um jornalista de uma grande rede de comunicação em Porto Alegre comentava a decisão das Centrais Sindicais de retomarem a luta pelo fim do fator previdenciário, e perguntava de forma irônica: “quem pagará esta conta, se a previdência está quebrada?” A mesma pergunta surge recorrentemente sempre que se cogita a concessão de algum benefício às classes de menor renda, como as propostas de passe livre no transporte público, ou as concessões de meia tarifa para estudantes ou para idosos e agora, mais recentemente, diante de uma proposta encaminhada pelo do governo do Estado do RS para permitir a inclusão de pais dos funcionários públicos, de baixa renda, como beneficiários do plano de saúde do IPE (Instituto de Previdência do Estado do RS), ou quando os professores ou outros servidores resolvem paralisar suas atividades para verem reconhecida a importância do que fazem para a sociedade. Sempre a mesma indagação, afinal, quem pagará esta conta?
Embora feita de forma pejorativa, esta pergunta é de fato bastante oportuna, pois não há dúvida de que sempre que se concede algum benefício, uma desoneração fiscal, um reajuste de salários aos servidores públicos, ou se garante algum direito a algum setor da sociedade etc, alguém terá de pagar a conta, e é justamente este fato, o de alguns pagarem a conta para que outros tenham melhores condições de vida, dependendo de quem sejam estes outros, que materializa na vida prática do sistema fiscal de um país o princípio da solidariedade.
Se é recorrente o questionamento quando o destino das concessões são classes de menor renda, isso não fica tão visível quando os beneficiários dos gastos estão no andar de cima. Não me lembro de qualquer questionamento semelhante, ou com a mesma ênfase, quando o governo federal implementou a política de desoneração da folha de pagamentos para beneficiar os empresários de alguns setores, o que, segundo estimativa do próprio Ministério da Previdência para 2014, vai produzir uma a redução da arrecadação previdenciária em mais de 19 bilhões de Reais, bem mais do que os 11 bilhões de Reais que seriam gastos anualmente com o fim do fator previdenciário.
Também parece não haver este tipo de preocupação com quem vai pagar a conta quando o Banco Central decide aumentar a taxa de juros SELIC, que já voltou a superar a casa dos 10% e que consome grande parte dos recursos públicos arrecadados.
E mais recentemente, a notícia de que as estruturas temporárias da copa do mundo serão financiadas por tributos que deixarão de ser arrecadados com as isenções fiscais também parece não causar tanto espanto e preocupação por parte dos meios de comunicação. No Rio Grande do Sul, por exemplo, foi encaminhado um projeto de Lei concedendo abatimento direto do ICMS devido de até 25 milhões para as empresas que investirem na construção das estruturas temporárias da copa (aquelas que servirão apenas para o evento). Em outras palavras, o Estado pagará, via desoneração, a construção de estrutura física para o funcionamento de um grande evento privado internacional.
Pode ser desatenção, mas não vi ninguém questionar quem pagará esta conta, mas vi muitos formadores de opinião, especialmente da imprensa esportiva, aplaudindo a nobre iniciativa do governo. Mas esta é só mais uma isenção, num mar de benefícios fiscais que já vinham sendo distribuídos desde que a onda “copa no Brasil” começou. Há sempre boas razões para a concessão destes benefícios e, normalmente, são razões complexas, técnicas, difíceis de serem compreendidos pelos cidadãos comuns.
O fato é que tanto nas concessões de benefícios aos setores mais populares da sociedade, na garantia de direitos aos trabalhadores, na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, como nas desonerações tributárias concedidas a determinados setores ou na hermética e opaca decisão de elevação das taxas de juros, alguém sempre haverá de pagar essa conta.
A decisão sobre onde gastar os recursos tem praticamente o mesmo sentido da decisão sobre onde deixar de arrecadar os tributos. As isenções e desonerações tributárias, conceituadas como gastos tributários, é uma forma de gastar os recursos públicos que seriam arrecadados, antes de serem arrecadados, só que aqui o beneficiário já está previamente escolhido, e normalmente não recebe a mesma preocupação que receberiam a decisão de gastar.
Os Demonstrativos de Gastos Tributários da Receita Federal do Brasil definem que as finalidades dos gastos tributários seriam: compensar gastos realizados pelos contribuintes com serviços não atendidos pelo governo; compensar ações complementares às funções típicas de Estado desenvolvidas por entidades civis; promover a equalização das rendas entre regiões; e estimular determinadas áreas da economia ou localidades.
Onde se poderia enquadrar, dentre as finalidades reconhecidas para os gastos tributários, as desonerações de ICMS concedidas às empresas que investirem nas estruturas temporárias da copa, por exemplo? E as demais isenções e incentivos concedidos às grandes empresas multinacionais?
Só para ter uma idéia do montante de recursos envolvidos, no âmbito dos tributos federais, os gastos tributários, ou seja, as desonerações tributárias significam mais de 10% do valor total arrecadado e representam aproximadamente 3,5% do PIB. Mas o que não é visto não é lembrado.
Sem fazer qualquer análise de mérito sobre as propostas citadas, ou qualquer crítica aos meios de comunicação, mas tão somente uma constatação de que dependendo do destino dos recursos, as opiniões mudam, proponho que o questionamento não saia da pauta, mas que seja feito em todas as situações em que os recursos públicos, arrecadados ou não, sejam gastos, e até que seja respondido. Afinal, quem vai pagar essa conta?
* membro fundador do Instituto Justiça Fiscal