Reforma Tributária que unifica impostos “é um remendo”, critica deputadaEm paralelo Câmara e Senado discutem medidas para um sistema de impostos; oposição e Anfip pedem mudanças estruturais
Por Cristiane Sampaio, do Jornal Brasil de Fato, Brasília (DF), publicada em 16/09/2019
Anunciada como prioridade do governo de Jair Bolsonaro (PSL) neste segundo semestre na Câmara dos Deputados, a reforma tributária que tramita na Casa, chamada de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019, vem recebendo críticas de parlamentares do campo progressista. De autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), a medida basicamente unifica cinco impostos federais, estaduais e municipais, que devem ser convertidos no chamado “Imposto sobre Bens e Serviços (IBS)”.
Para a criação do novo imposto, deixarão de existir a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e a contribuição dos Programas de Integração Social (PIS).
A ideia é que o IBS seja de adoção nacional, estabelecendo uma alíquota que soma os percentuais relativos a cada nível federativo, com estados e municípios definindo suas próprias alíquotas em lei. A PEC prevê um período de transição de dez anos, sem redução de carga tributária.
Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a medida está em discussão em uma comissão especial. Caso receba aval do colegiado, irá a plenário. Deputados de oposição se articulam atualmente para sugerir alterações na proposta, que recebeu, até o momento, 114 emendas.
Para a deputada Fernanda Melchiona (RS), vice-líder da bancada do Psol e integrante da comissão que avalia a PEC, a medida tem caráter superficial porque não interfere na lógica regressiva de tributação, que impõe altas taxas sobre o consumo e sobre as camadas mais baixas da população. Tradicionalmente, essa é a crítica central que recai sobre o sistema tributário brasileiro na voz de especialistas e segmentos populares.
Como contraponto, o Psol, por exemplo, propõe, entre outras coisas, medidas que ampliam a arrecadação para os municípios a partir da criação de uma Contribuição Social Extraordinária sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos, redução da alíquota de impostos sobre bens e serviços e ainda tributação sobre o patrimônio, como taxação de juros e dividendos, grandes fortunas e impostos sobre heranças.
“A gente está há cinco anos nessa recessão e o que se vê é que o topo no Brasil está ficando mais rico. Estudos mostram que os que estão no topo da pirâmide [social] acumularam 3,3% a mais de capital e 10% da população entraram na linha da pobreza. Não pode ser que esses casos não possam ser sobretaxados pra gente poder investir em geração de emprego, renda, saúde, educação e reverter essa pirâmide. O Brasil precisa de uma revolução tributária, e o que está tramitando na comissão especial é um remendo”, argumenta Melchiona.
Articuladores da oposição na Câmara dos Deputados preparam atualmente uma emenda substitutiva global para ser apresentada como opção à PEC 45.
Senado
O tema também está em discussão no Senado, por meio da PEC 110/2019. A proposta tem amplo apoio na Casa, sendo assinada por 66 dos 81 parlamentares. A lista inclui membros de vários partidos, como DEM, PSDB, MDB, PSD, PSL, Cidadania, Podemos, Republicanos, Rede, Pros, PSC, PDT, PSB e PT.
A medida é encampada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e copia uma proposta do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que foi aprovada numa comissão especial da Câmara dos Deputados no final de 2018. Nos bastidores do Poder Legislativo, Acolumbre disputa com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a liderança em torno da pauta da reforma tributária.
De caráter semelhante ao texto que tramita na Câmara, a PEC 110 extingue nove tributos (ISS, ICMS, IPI, IOF, Cofins, PIS/Pasep, salário-educação, Cide-combustíveis, CSLL), sendo o primeiro municipal, o segundo estadual e os demais federais. A ideia é criar, em compensação, um IBS para tributar os valores agregados sobre bens e serviços na esfera estadual e o chamado “imposto seletivo” para bens e serviços específicos no âmbito federal.
Em fase de avaliação na CCJ, a medida deverá receber o parecer do relator, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), na próxima quarta-feira (18). Alguns parlamentares da Casa entoam críticas à medida, como é o caso do senador Jean Paul Prates (PT-RN), vice-líder da minoria no Congresso Nacional.
“Na verdade, é uma não reforma. Essas duas reformas são meramente burocráticas, pra diminuir a quantidade de impostos, facilitar o pagamento e a fiscalização, etc. Ok, aplausos, mas isso é totalmente insuficiente”, afirma, acrescentando que parlamentares da minoria deverão apresentar em breve uma proposta paralela.
Assim como deputados de oposição na Câmara, Prates e outros senadores pedem alterações mais profundas no sistema de impostos do país, com a implantação de um modelo de tributação progressiva por meio da imposição de alíquotas maiores para as classes mais altas e taxas mais módicas para a população de baixa renda.
Em conversa com o Brasil de Fato, ele afirmou que a minoria pretende apresentar o que chama de “uma proposta tecnicamente mais abalizada”. O objetivo é tratar de pontos como tributos sobre fortunas, lucros e dividendos e sobre acionistas que agem no exterior.
“Não queremos uma reforma que trate só do ato de pagar impostos, e sim uma que aproxime a nossa tributação daquela dos países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. Queremos uma que garanta que o Estado tenha, de fato, as condições de um Estado de bem-estar social, ou seja, países que promovem saúde, educação, segurança gratuitas e de qualidade para todos os cidadãos. Pra isso, você precisa tirar o foco do imposto sobre consumo e sobre a atividade econômica e tributar a renda”, defende.
Anfip
A defesa do senador se assemelha ao que tem sido proposto pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), para a qual as PECs 45 e 110 trazem como vantagem a simplificação do sistema de impostos, mas sem promover uma intervenção estruturante no modelo vigente.
Em relatório produzido pelo Banco Mundial, o Brasil foi apontado como o país onde as empresas mais gastam tempo com a burocracia do sistema tributário, investindo mais de 1.958 horas por ano no pagamento de impostos. Na Bolívia, que figura em segundo lugar no ranking, a marca é de 1.025 horas, enquanto a média dos 190 países pesquisados pela instituição é de 206 horas.
“Tudo isso é muito complicado pras empresas. Então, de fato, quando se junta tudo num único tributo e faz uma única legislação, isso é muito bom, é excelente, mas isso está longe de ser o grande problema do nosso sistema tributário”, pontua o vice-presidente da Anfip, César Roxo Machado, acrescentando que a disfunção do sistema atual reside na alta tributação sobre o consumo e que uma mudança nessa lógica traria ganhos multilaterais, impactando de forma positiva na economia nacional.
“O problema é que a tributação sobre consumo acaba penalizando quem ganha menos e retira da população o poder de compra. No momento em que se reduz isso, as pessoas passam a ter mais poder aquisitivo. Isso aquece a economia porque as pessoas vão consumir mais, o que aumenta a demanda de produção e faz as empresas produzirem mais, contratarem mais trabalhadores e ainda competirem melhor com o produto que vem de fora do país. O produto nacional passa a ter vantagem, diferentemente do que ocorre hoje”, argumenta.
Atualmente, 50% da carga tributária no Brasil incidem sobre o consumo, 18% sobre a renda e apenas 4% sobre o patrimônio.
Outras
Apesar de estar no foco da agenda econômica neste semestre, o debate sobre a reforma tributária tem se dado de forma pulverizada e ainda sem muita popularização. Além das PECs que tramitam na Câmara e no Senado, outras medidas orbitam no entorno. Entre elas, está a que vem sendo formulada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Apesar de ainda não ter sido oficialmente apresentada, as articulações caminham para uma proposta de unificação entre PIS e Cofins, além da alteração da tabela do Imposto de Renda (IR) e outros pontos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, também flerta com a volta da CPMF, imposto aplicado na esfera federal sobre movimentações financeiras de pessoas físicas e jurídicas. Polêmica, a medida foi adotada pelo Brasil entre os anos de 1997 e 2007 para cobrir despesas da União na área de saúde.
Também estão no cenário outras ideias de reforma, como é o caso de uma projeto protocolado na semana passada no Senado pelo Comitê de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz). De modo geral, o texto propõe a unificação dos tributos, mas traz ainda outros pontos, como a criação de um fundo de desenvolvimento regional para ajudar estados com menor índice de desenvolvimento na área industrial. A medida ainda não foi oficialmente debatida na Casa.
Edição: Rodrigo Chagas