por Maria Regina Paiva Duarte
Em termos gerais, podemos dizer que as medidas aprovadas na primeira votação do PL 2337/2021 na Câmara dos Deputados, no início de setembro, carregam aspectos positivos como a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), congelada desde 2015, o que leva mais pessoas a pagarem mais imposto de renda e o aumento do limite de isenção, exonerando mais de 5 milhões de contribuintes.
São medidas que caminham no sentido de maior justiça fiscal, foram avanços, pois significam mais dinheiro no bolso das pessoas. Quem ganha até R$ 2,5 mil, passa a ser isento; quem ganha até R$ 4,5 mil, em vez de pagar R$ 376,00 de imposto, passa a pagar R$ 266,00 e assim por diante, conforme a tabela. O limite de R$ 40.000,00 para usar a declaração simplificada, felizmente, acabou não sendo aprovado. Quem ganha até R$ 52.818,00 anuais poderá abater os 20% da declaração simplificada, usando o teto de R$ 10.563,60.
Acima deste valor de 52 mil, poderá haver uma perda, mas, a princípio, a correção das faixas da tabela deve compensar. Então podemos dizer que contribuintes nessa faixa de renda, poderão até ganhar. Agora, com o preço do gás, da energia, dos alimentos, esse efeito (que valerá a partir de janeiro de 2022) poderá ser muito pequeno, levando em conta a inflação, os preços das mercadorias e dos serviços e a situação dramática do país.
Além disso, a alíquota máxima de 27,5% na tabela do IRPF é muito baixa, e isso não foi corrigido. A partir de R$ 5mil, são “todos iguais”, não importa se ganham 5, 10 ou 100 mil, sofrerão a incidência de 27,5%. No projeto também não foi prevista alteração no número de alíquotas, continuamos com as 4 atuais. Já tivemos até 12 alíquotas de incidência, com alíquota máxima mais alta e a progressividade do IRPF era bem maior.
O retorno da tributação dos lucros e dividendos é outra medida positiva, pois no Brasil não se cobra desde 1996, ao contrário do resto do mundo. Mas na proposta aprovada, isso não foi considerado de maneira adequada. A limitação aprovada em 15% da tributação dos lucros e dividendos e as isenções concedidas, por exemplo, a empresas que faturam até 4,8 milhões de reais/ano fazem com que a tributação dos dividendos fique restrita àqueles distribuídos pelas grandes empresas e no Lucro Real, diminuindo a justiça tributária.
Outro ponto a destacar é a extinção de um benefício despropositado, os Juros sobre Capital Próprio (JCP), que permitia, resumidamente, que as empresas pagassem menos impostos, pois é considerada uma despesa que pode ser abatida na apuração do lucro. Além disso, os sócios e acionistas também são beneficiados com uma tributação menor quando recebem o pagamento dos juros, que são tributados exclusivamente na fonte a 15%. Esses dois benefícios fazem com que a renda do capital seja muito menos tributada que a do trabalho, então mais que na hora de corrigir. As demandas por isonomia de tratamento entre as rendas do trabalho e do capital e que cada um pague de acordo com sua capacidade, são fundamentais e precisam ser resolvidas. Por que os trabalhadores têm que pagar mais? Isso não está correto.
Além disso, estimulam que mais pessoas se constituam empresas, evitando impostos que o trabalhador não tem como evitar e precarizando relações de trabalho e direitos. O trabalho é o mesmo, mas o vínculo não existe mais, e prejudica o trabalhador, que perde direito a férias, 13º, por exemplo.
Também a diminuição do Imposto da pessoa Jurídica (IRPJ) de 15% para 8% e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), de 9% para 8%, que são impostos pagos sobre os lucros, é uma péssima medida. Em tempos de pandemia, quando precisamos recursos, o governo e a Câmara dão sinais que estão alheios à realidade brasileira. A alíquota nominal do IRPJ e da CSSL atualmente é de 34%. Porém, a alíquota efetiva está próxima de 24%, e se for diminuída para 26%, como na proposta aprovada, teremos uma alíquota nominal em torno de 18%. O Brasil vai virar um paraíso fiscal!
E se vamos diminuir a arrecadação com esses tributos sobre a renda, as perdas vão acontecer. Os Estados e Municípios precisam de recursos para enfrentar os desafios que já existiam antes da pandemia e mais os de agora. Não podem mesmo perder recursos e a luta deles deverá ser agora no Senado, para onde a proposta aprovada deve seguir. Parte do produto arrecadado com imposto sobre a renda é repartido entre Estados e Municípios e, diminuindo essa arrecadação, vai diminuir a receita de Estados e Municípios.
Levantamento feito pelo Consefaz aponta perdas de R$ 9,9 bilhões/anuais para Estados e de R$ 9,3 bilhões para os Municípios. Já para a União o impacto fiscal da reforma seria negativo em R$ 22,1 bilhões. O governo nega, afirmando que a reativação da economia vai compensar futuras perdas, assim como a revisão de alguns benefícios fiscais vai trazer mais recursos. Inclusive a diminuição da CSLL está condicionada a revisão de benefícios fiscais como fim do crédito presumido a produtores e importadores de medicamentos, da redução a zero da alíquota de determinados produtos químicos e farmacêuticos, de embarcações e de desonerações a setores termoelétricos e de gás natural.
Houve correção da tabela do IRPF e do limite mínimo de isenção? Voltamos a cobrar imposto de lucros e dividendos? Acabamos com JCP? Sim, essa são boas notícias. Mas olhando com mais profundidade, quem sai ganhando mesmo, ou escapando praticamente ileso, são as pessoas com muito dinheiro, as empresas muito capitalizadas, como os bancos, as grandes mineradoras.
O tratamento dado ao capital continua sendo muito benéfico pois a possibilidade de atualizar o valor dos imóveis declarados em 2020, pagando apenas 4% de imposto. Além de facilitar lavagem de dinheiro, a geração de receita é muito menor que a obtida na apuração do ganho de capital na venda dos imóveis. É perda de arrecadação, no final das contas.
A possibilidade de atualizar bens e direitos de brasileiros no exterior a uma alíquota de 6% e a tributação a uma alíquota de 6% no estoque de lucros de fundos exclusivos e fechados, podendo ser parcelado em 24 vezes, é outra benesse ao capital, beneficiando as pessoas mais ricas do Brasil. Além disso, esses estoques de riqueza não movimentam economia, não geram renda e emprego, ou seja, já cobramos pouco e estamos dando concessões a quem não precisaria.
Grandes empresas e pessoas muito ricas ou super-ricas acabam se valendo de mecanismos para evadir impostos e todas as medidas antileisivas que estavam na proposta original do governo foram retiradas, o que significa dizer que o capital e os lucros vão continuar escapando sem que a administração tributária consiga fechar o cerco e buscar os recursos justos e necessários. Assim como as medidas para fortalecer a fiscalização foram retiradas, também foi retirada no relatório a possibilidade de tributar o lucro das empresas no exterior quando de sua apuração. Segue a regra atual, que estabelece a cobrança do imposto somente quando o lucro é distribuído e isso pode levar um tempo longo e indeterminado, postergando e/ou evitando o pagamento do imposto.
Vivemos sob o fetiche neoliberal de que reduzir tributação dos lucros estimula o investimento privado, que se diminuirmos a tributação, haverá reinvestimento produtivo. É bem possível que o efeito seja contrário, especialmente em momentos de crise econômica, baixos salários e recessão que estamos passando. Os benefícios, as desonerações acabam se tornando parte dos lucros das empresas, muitas vezes remetidos ao exterior sem pagar os tributos devidos. Não há motivos para reduzir IRPJ e CSLL, tampouco limitar em 15% a tributação sobre lucros e dividendos, concedendo todas as isenções que na votação do relatório do PL 2337 foram aprovadas.
A recessão é brutal, as pessoas estão passando fome, a extrema pobreza sendo o destino de mais e mais pessoas e nesse momento vamos falar de diminuição de tributos? Sob outro dogma, o da neutralidade, representantes do mercado, das empresas e dos setores financeiros exigem, alegam que as alterações tributárias precisam ser neutras, não pode haver aumento de carga tributária.
Um momento de reconstrução exige um esforço tributário maior dos indivíduos e das famílias mais ricas e das empresas mais capacitadas. Podemos citar o exemplo da cobrança do imposto de renda no pós-guerra, quando as alíquotas do IRPF estiveram próximas de 90% nos EUA e na Inglaterra. Assim, tributar os super-ricos e obter recursos para a união, Estados e Municípios é fundamental. Como a discussão segue no Congresso Nacional, também seguimos propondo a tributação dos super-ricos.