Chieza: “O Estado brasileiro não tolera mais a falta de transparência nas renúncias fiscais”
Em 2022, o governo federal deixará de arrecadar mais de R$ 400 bilhões em impostos, por conta dos chamados incentivos fiscais, concedidos as empresas a título de estimular o crescimento e o emprego. Esse valor representa 22,4% da arrecadação da União e aproximadamente 4,4% do PIB nacional. Para 2023 a previsão é ampliar para R$ 456 bilhões o volume de renúncias, chegando a 4,9% do PIB.
Mesmo que o volume de recursos seja superior aos orçamentos para a saúde e educação, não há qualquer comprovação de benefícios para a sociedade, mesmo em se tratando de recursos públicos num país de 33 milhões de pessoas passando fome, sendo 7 milhões de crianças.
Estes dados foram divulgados pela diretora do Instituto Justiça Fiscal (IJF) e professora de Economia da Universidade do Rio Grande do Sul Rosa Chieza na entrevista ao sexto podcast “Orçamento Sem Segredo” nesta segunda-feira, 24/10, falando da pesquisa “Renúncia de receita e desigualdades: um debate negligenciado”.
Não há comprovação da eficácia das renúncias pela falta de transparência. O valor e quem é beneficiado são dados desconhecidos da sociedade, ressaltou.
“Enquanto áreas que atendem a população são amplamente fiscalizadas e divulgadas, no caso das renúncias o sigilo é mantido com a alegação de afetar os indicadores da empresa beneficiada”, explicita a pesquisadora.
Desde dezembro de 2021 a Lei Complementar 187 obriga o governo federal a divulgar o valor renunciado e quem foi beneficiado. Porém, a lei não está sendo cumprida pela União. A Emenda Constitucional 109/21 também prevê a redução das renúncias para 2% do PIB até 2028. Porém, todos os indicadores apontam para a distância do cumprimento da meta.
A renúncia de receita incide sobre o mínimo constitucional e impacta a vida das pessoas. Em 2020, o orçamento da educação perdeu R$ 43 bilhões, enquanto a saúde perdeu R$ 65 bilhões, justo no primeiro ano da pandemia, resultando em 194 mil mortos. A pesquisadora pontua que a retirada dessa receita do orçamento aumenta a desigualdade por afetar áreas sociais que estão limitadas pelo teto de gastos. “Se aplica a austeridade da Emenda Constituticional 95, mas de outro lado a Lei de Responsabilidade Fiscal não é cumprida quanto a renúncia de receita. O equilíbrio fiscal fica só no corte de gastos sociais”, aponta a professora.
Além disso, o volume dos benefícios financeiros e creditícios estão 60% concentrados nas regiões sul e sudeste, descumprindo do objetivo constitucional de reduzir desigualdade regionais.
Para Rosa Chieza, há mudanças importantes para garantir transparência, permitir análise dos dados e avaliar se esta política pública beneficia a sociedade. Entre as sugestões, está a de que os órgãos de controle desaprovem as contas públicas quando não há o rigor da LRF com relação às renúncias; análise da eficácia dos benefícios e fiscalização da sociedade civil organizada.
“Não somos contrários a renúncias, desde que se comprove a eficiência para a sociedade. Para afirmar que é política pública é importante mensurar dados, para avaliar e alterar se necessário. Não há mais espaço no Estado Brasileiro para permitir que dinheiro público não tenha transparência”, completa a entrevistada, uma das vencedoras do I Prêmio Orçamento Público, Garantia de Direitos e Combate às Desigualdades, promovido pela Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento (Assecor) e pela Fundação Tide Setubal, pelo estudo desenvolvido com a parceria da estudante de Economia, Anne Kelly Linck.
Texto: Stela Pastore (MTB 7586)- (51)99913.2295
Descrição do episódio
Neste sexto episódio do podcast Orçamento Sem Segredo vamos entrevistar Rosa Angela Chieza e conversar sobre o que são e como funcionam as chamadas renúncias de receita da União e porque se considera que o debate a respeito da relação entre renúncias fiscais da união e desigualdades esteja negligenciado.
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