Para dirigentes da campanha, reforma não resolve a questão central da regressividade dos impostos e mantém desigualdade
Redação Brasil de Fato | Porto Alegre | 21 de Fevereiro de 2022 às 17:26
O senador Fabiano Contarato (PT) protocolou duas emendas sugeridas pela Campanha Tributar os Super-Ricos à PEC 110/2019, que trata da Reforma Tributária. Uma das emendas é cobrar o Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto desde a Constituição de 1988 até sua necessária regulamentação por lei nunca feita, taxando patrimônios de pessoas físicas que ultrapassarem a R$ 10 milhões, incidindo apenas ao que estiver acima desse valor.
A outra emenda propõe criar uma Contribuição de Altas Rendas (CSAR) para quem ganha mais de R$ 720 mil anuais, abrangendo somente 59 mil pessoas no país, o que representa apenas 0,028% da população. O relatório da PEC deve ser apreciado na próxima quarta-feira (23) na Comissão de Constituição e Justiça e pode ir a apreciação em plenário.
O vice-presidente do Instituto Justiça Fiscal, Dão Real Pereira dos Santos, alerta que a Reforma Tributária que tramita no Congresso não promove justiça fiscal e não reduz a desigualdade porque não tributa os super-ricos e segue penalizando os mais pobres. O auditor fiscal da Receita Federal analisa que o relatório da PEC avançou do que era na origem, mas está muito longe de tributar os super-ricos.
Frear as desigualdades
As duas emendas apresentadas na PEC 110 fazem parte das oito iniciativas defendidas pela Campanha Tributar os Super-Ricos, apoiada por mais de 70 entidades nacionais. Se aprovadas, essas medidas taxariam apenas 0,3% da população – 600 mil pessoas entre 214 milhões de brasileiros – podendo arrecadar cerca de R$ 300 bilhões ao ano.
“Com esse valor é possível sair da crise, ampliar o financiamento para a saúde, socorrer as vítimas da covid, ampliar a renda emergencial e destinar mais recursos para estados e municípios”, resume o tributarista, que quinzenalmente esclarece temas fiscais no programa online De$complicando, uma das iniciativas da campanha para conscientizar sobre a urgência de promover justiça fiscal para reduzir a desigualdade, acentuada na pandemia.
“Tributar os super-ricos não é um bicho de sete cabeças. Aprovando oito medidas legislativas, das quais seis já foram protocoladas no Congresso, é possível frear o aprofundamento da desigualdade. Esse tema tem de estar na boca do povo para que seja um assunto do dia a dia e não decidido nos gabinetes das federações empresariais, que financiam os parlamentares que defendem os interesses dos mais ricos”, observou o dirigente do IJF, uma das entidades que coordenam a campanha.
Reforma atual não resolve a regressividade
“A PEC 110 não resolve a questão central que é a regressividade, que tributa mais os pobres do que os ricos. É um desperdício fazer uma Reforma Tributária que não resolva este problema que produz muito mais danos sociais e econômicos do que a complexidade do sistema tributário. A regressividade não foi enfrentada nem pela PEC 45 nem pela PEC 110”, enfatiza o tributarista.
Dão Real destaca que a proposta não tributa patrimônio e aumenta a alíquota sobre o consumo. “Reduz o custo para o empresário, mas é inócuo aos mais pobres, e talvez prejudique ainda mais a partir do tipo de consumo que as pessoas têm”, analisa. A PEC 110 se origina de uma iniciativa anterior de juntar impostos, com a narrativa da simplificação, relembra o auditor fiscal. “Mas em benefício de quem?”, questiona.
“Não existe Reforma Tributária neutra. É preciso ver o que não se diz, o que está escondido, o que está por trás. Qual é a concepção de Estado, que tipo de sociedade, menos ou mais desigual, com mais ou menos concentração de renda e que desenvolvimento se desenha”, explica.
Enriquecimento injusto
Na pandemia, o país voltou ao mapa da fome, bate recordes de desemprego, a inflação está em alta e a economia não dá sinais de recuperação. Ao mesmo tempo, o número de brasileiros bilionários aumentou no período, acentuando o ranking de país com maior concentração de renda e desigualdade.
“Não existe crescimento econômico para justificar mais bilionários. Há uma máquina de transferência de renda de baixo para cima, dos setores mais pobres para os mais ricos. Estamos dentro de um processo de exploração da base da pirâmide para o topo da pirâmide social. Se há disposição em discutir tributos tem que barrar esse processo de enriquecimento e empobrecimento injusto”, acentua o dirigente da campanha.
Há unanimidade entre as entidades do movimento: uma medida deve ser anterior a qualquer reforma: tributar os ricos primeiro. Atualmente, 50% da receita de impostos vem do consumo, justamente os produtos adquiridos pelos mais pobres.
O tributarista acentua que a saída é reduzir o peso da tributação do consumo, cobrar impostos sobre os grandes patrimônios, voltar a cobrar imposto sobre lucros e dividendos distribuídos, subir a tabela do Imposto de Renda, isentando os que ganham menos e aumentando as alíquotas para altos rendimentos.
“Existe um longo processo histórico de precarização da vida dos pobres e enriquecimento dos mais ricos”, afirma Dão Real. Para ele, isso não corrige de uma hora para outra, mas precisa estagnar o processo para evitar o aprofundamento do empobrecimento e depois adotar medidas de reparação dessa extração da base da sociedade para o topo, controlado e promovido pelos setores dominantes que tutelam o Parlamento. “Erradicar a pobreza não é difícil e o quadro exige estagnar o empobrecimento. A solução é tributar os super-ricos. Sem fazer isso fica impossível querer avançar”, conclui.
A PEC 110/2019 recebeu cerca de 170 emendas. Pela complexidade do sistema e suas relações federativas, a PEC pode abrir caminho para que leis — complementares e ordinárias — completem e regulamentem a Reforma Tributária. Além desta PEC, há outras propostas sobre o tema em tramitação no Congresso Nacional, entre eles, os projetos da campanha protocolados em setembro pelo deputado Pedro Uczai (PT/SC), que passaram a tramitar na casa.
Propostas da campanha que tramitam no Congresso Nacional
As propostas têm como eixo central acabar com as distorções no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) como a isenção do Imposto de Renda sobre lucros e dividendos distribuídos na pessoa física e a dedução de juros sobre o capital próprio, que diminuem o imposto a pagar de grandes e lucrativas empresas e pessoas físicas com altos rendimentos. Reestruturar a tabela do IRPF, elevando as alíquotas para as altas rendas e ampliar a faixa de isenção para os que menos ganham, desonerando 11 milhões de pessoas, também é essencial.
Além destas medidas, a campanha prevê a criação de uma Contribuição de Altas Rendas (CSAR) para quem ganhar mais de R$ 720 mil anuais, o que representa apenas 59 mil pessoas, assim como a instituição do Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF) para pessoas físicas que ultrapassarem a R$ 10 milhões. (Estas também apresentadas como emendas à PEC 110/2019)
A elevação das alíquotas sobre heranças e doações para até 30%, com progressividade obrigatória, também integra a Campanha, pois heranças e doações são pouco tributadas no Brasil, alimentando a concentração de riqueza em poucas pessoas.
Elevação da alíquota da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) do setor financeiro e do setor extrativo mineral, setores que aumentaram lucros mesmo em tempos de crise econômica e de pandemia.
A campanha propõe desonerar empresas do Simples com receita bruta de até R$ 360 mil anuais, reduzindo a alíquota em até 60%, abrangendo 75% das empresas.
Novas regras de repartição de receitas da União entre Estados e Municípios acrescentariam R$ 83 bilhões para Estados e R$ 64 bilhões para Municípios.
A Campanha prevê ainda revisão dos benefícios fiscais, muitas vezes concedidos sem retorno significativo e medidas para verificar o cumprimento das obrigações fiscais, combater a evasão e a sonegação fiscal e cobrar os grandes devedores da Previdência Social e da Fazenda Nacional.
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