As pessoas mais ricas do mundo não são conhecidas por andarem de ônibus, mas se decidissem variar um pouco suas rotinas, as 85 pessoas mais ricas do planeta – que juntas controlam riqueza equivalente à de metade da população mundial – caberiam, com algum aperto, em um ônibus de dois andares.
O acúmulo de porção tão grande da riqueza do planeta nas mãos de um punhado de integrantes da dita “elite mundial” foi exposta segunda-feira (20) em um novo relatório da Oxfam. A organização de caridade informou que as 85 pessoas mais ricas do mundo têm patrimônio combinado de um trilhão de libras, montante semelhante ao patrimônio combinado dos 3,5 bilhões de pessoas mais pobres do planeta.
O patrimônio do 1% mais rico da população mundial atinge os US$ 110 trilhões, ou 65 vezes mais que o patrimônio da metade mais pobre da população do planeta, acrescentou a organização, que teme que essa concentração de recursos econômicos esteja ameaçando a estabilidade política e agravando as tensões sociais.
DESIGUALDADE
É um lembrete perturbador sobre a profunda desigualdade de riqueza que existe no planeta, no momento em que líderes políticos e empresariais se encaminham aos picos nevados de Davos para o Fórum Econômico Mundial, esta semana.
Poucos deles, se algum, chegarão em um veículo comum como um ônibus, e jatinhos e helicópteros particulares serão colocados em serviço para atender a muitas das pessoas mais poderosas do planeta, que se reunirão para discutir o estado da economia mundial em quatro dias frenéticos de reuniões, seminários e festas no exclusivo centro suíço de esqui.
Winnie Byanyima, diretora executiva da Oxfam, participará das reuniões em Davos e disse que “é inaceitável que, no século 21, metade da população do planeta – estou falando de 3,5 bilhões de pessoas – não tenha mais propriedades que uma minúscula elite que caberia perfeitamente em um ônibus de dois andares”.
A Oxfam também argumenta que isso não acontece por acidente, e afirma que a crescente desigualdade foi propelida por uma “jogada de poder” das elites endinheiras, que cooptaram o processo político a fim de manipular em seu favor as regras do sistema econômico.
No relatório, intitulado “Working for the Few” [trabalhando para poucos], a Oxfam adverte que a luta contra a pobreza não poderá ser vencida até que a desigualdade de riqueza seja enfrentada.
“Ampliar a desigualdade está criando um círculo vicioso em resultado do qual a riqueza e o poder se concentram cada vez mais nas mãos de alguns poucos, deixando ao resto de nós a luta pelas migalhas que caem da mesa dos poderosos”, disse Byanyima.
A Oxfam apelou aos participantes do Fórum Econômico Mundial deste ano que assumam o compromisso pessoal de enfrentar o problema, evitando manobras que reduzam seus impostos e o uso de sua riqueza para buscar favores políticos.
Além de ser moralmente dúbia, a desigualdade econômica também pode exacerbar outros problemas sociais, como a desigualdade entre os sexos, alertou a Oxfam. Davos mesmo enfrenta dificuldades quanto a isso, já que o número de mulheres participantes caiu de 17% do total em 2013 a 15% este ano.
INFLUÊNCIA
As pesquisas para o relatório da Oxfam constataram que as pessoas em países de todo o mundo – incluindo dois terços dos entrevistados no Reino Unido – acreditavam que os ricos têm influência demais sobre a direção que seus países estão tomando.
Byanyima explica: “Nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, igualmente, estamos cada vez mais vivendo em um mundo no qual as alíquotas mais baixas de impostos, os melhores serviços de saúde, a educação e as oportunidades de influenciar estão sendo dadas não só aos ricos mas também aos seus filhos”.
“Sem um esforço coordenado para enfrentar a desigualdade, a transferência de privilégios e de desvantagens continuará gerações afora. Logo estaremos vivendo em um mundo no qual a igualdade de oportunidade será apenas um sonho. Em países demais o crescimento econômico já representa pouco mais que um jogo no qual os mais ricos levam todos os ganhos.”
O relatório da Oxfam constatou que, ao longo das últimas décadas, os ricos exercitaram com sucesso a sua influência política a fim de influenciar as normas em seu favor quanto a questões que variam da desregulamentação financeira, paraísos tributários, táticas de negócios prejudiciais à competição, alíquotas menores de impostos para as pessoas de alta renda e cortes de serviços sociais para a maioria.
OPORTUNIDADES
Do final dos anos 70 para cá, as alíquotas de impostos das pessoas mais ricas caíram em 29 dos 30 países para os quais há dados disponíveis, o relatório afirma.
Essa “captura de oportunidades” pelos ricos à custa dos pobres e da classe média resultou em uma situação na qual 70% da população mundial vive em países nos quais a desigualdade avançou, dos anos 80 para cá, e 1% das famílias controlam 46% da riqueza mundial – quase 70 trilhões de libras.
Pesquisas de opinião pública na Espanha. Brasil, Índia, África do Sul, Estados Unidos, Reino Unido e Holanda constataram que a maioria dos cidadãos em cada um desses países acredita que as pessoas ricas exercem influência demais. A preocupação é mais forte na Espanha, seguida pelo Brasil e Índia; a Holanda registra a menor preocupação quanto a isso.
No Reino Unido, 67% dos entrevistados concordam em que “os ricos têm influência demais sobre a orientação do país” – e 37% afirmam concordar “fortemente” com a afirmação -, ante apenas 10% de pessoas que discordam, 2% das quais fortemente.
O relatório “Riscos Mundiais“, do Fórum Econômico Mundial, recentemente identificou a disparidade de renda crescente como uma das maiores ameaças à comunidade mundial.
A Oxfam está apelando aos participantes do fórum de Davos que assumam o compromisso de apoiar a tributação progressiva e de não usar recursos que permitam que reduzam seus impostos; que se recusem a usar sua riqueza de forma a obter favores políticos que solapem a vontade democrática de seus concidadãos; que tornem públicos seus investimentos em companhias e fundos dos quais sejam os principais proprietários e beneficiários; que desafiem os governos a usar a arrecadação tributária para fornecer serviços universais de saúde, educação e proteção social; que exijam salários justos nas empresas que possuem ou controlam; e que desafiem os demais membros da elite econômica a acompanhá-los nessas promessas.