Em artigo, assessora política do Inesc afirma que as “emendas individuais de parlamentares são um reforço ao clientelismo e fonte de corrupção, malversação de recursos públicos e superfaturamento de obras e serviços”.
Por Eliana Graça, assessora política do Inesc
Nesta última semana foi instalada a Comissão Especial encarregada de apreciar a Proposta de Emenda à Constituição, PEC n°565/06 (com 16 apensadas), que trata de transformar o orçamento da União, hoje autorizativo, em orçamento impositivo. Esta proposta foi aprovada pelo Senado Federal em 2006 e aguardava parecer na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados desde então.
A retirada desta matéria da gaveta da CCJ se deveu a uma iniciativa pessoal do Presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN), que foi até lá num momento de reunião da Comissão para solicitar, ao colegiado, urgência na sua tramitação. Como resultado desta pressão, a PEC já recebeu parecer favorável pela admissibilidade na CCJ, o que significa que ela não fere a Constituição e tem sua tramitação liberada.
A proposta apadrinhada pelo presidente deverá ser aprovada ainda neste semestre.Na sua argumentação, o deputado deixa clara a intenção e desejo de que somente seja tornada impositiva a execução das emendas parlamentares. Para ele, o restante da execução do orçamento deve continuar como está, ou seja, a cargo do poder executivo, com autorização de gasto fornecida pelo Legislativo. Ainda segundo ele, esta alteração é uma promessa da sua campanha à presidência da Câmara.
Essa atitude do deputado Henrique Alves deixa evidente para a sociedade o que realmente moveu o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL/BA) quando fez a primeira versão desta proposta de alteração da Constituição (PEC 22, de 2000). Naquela ocasião houve um atrito entre o senador baiano e o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, que não executava as emendas aprovadas pelo senador. Como reação a esta situação ele apresentou em 2000 uma proposta que tratava do orçamento impositivo global, que obrigava o governo a executar todas as ações e valores aprovados pelo Parlamento.
Agora o deputado Henrique Alves revela o que realmente importa: as emendas parlamentares. Com o argumento de que somente os/as deputados/as federais e senadores/as conhecem a realidade dos municípios o deputado defende a importância de que essas emendas sejam executadas. Na realidade elas são paroquiais e dirigidas aos municípios da base eleitoral de cada parlamentar. O que o presidente da Câmara quer é reduzir o orçamento impositivo global em obrigação de o governo executar somente as emendas individuais dos/as parlamentares.
A queixa geral interna ao Legislativo é que por meio dessas emendas o executivo coloca os parlamentares de joelhos e humilha o Parlamento, na medida em que elas são usadas como moedas de troca na hora de votações de interesse do governo.
Toda essa argumentação demonstra que o Parlamento brasileiro não está preocupado em exercer as prerrogativas conferidas pela Constituição no que se refere à questão orçamentária. Participar efetivamente da definição das políticas públicas inseridas no orçamento, fiscalizar a execução orçamentária e exigir transparência nos gastos públicos não fazem parte da agenda dos/as parlamentares, com raras e honrosas exceções. Para a maioria o que mudará o rumo da realidade brasileira são as suas emendas. O que eles não dizem é que elas são indispensáveis para a reeleição de cada um/a.
Essas questões são bastante polêmicas e têm levado o Inesc a se posicionar contra as emendas individuais de parlamentares por entender que elas são um reforço ao clientelismo, e fonte de corrupção, malversação de recursos públicos e superfaturamento de obras e serviços. Em muitos casos são elaboradas pelas próprias futuras executoras das ações que virão a ensejar, revelando uma relação promiscua entre o Parlamento e o setor privado.
Para o Inesc o processo de emendamento do orçamento quando da sua tramitação no Parlamento deveria ser de caráter coletivo, abrangente, no sentido de aperfeiçoar as macropolíticas propostas pelo executivo e não de caráter localizado, paroquial e clientelista, no velho estilo toma lá dá cá. As comissões técnicas das Casas Legislativas deveriam participar ativamente das definições de ações e montantes a serem aplicados em suas áreas especificas a fim de realmente servirem para o avanço democrático da alocação de recursos, da promoção dos direitos humanos e da superação de problemas que tanto afligem a maioria da população.
O orçamento tem que ser um instrumento de acesso dos brasileiros e das brasileiras aos seus direitos previstos na Constituição, nas leis e em acordos e tratados internacionais. Para isso a intervenção da representação parlamentar é primordial. Esse deve ser o verdadeiro sentido dos mandatos e não a sua mera reprodução por meio de sucessivas reeleições.