Os descaminhos da reforma tributária – Parte 1

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Floriano Sá Neto[i]

Em meio ao Estado de calamidade pública, o legislativo empenha-se na aprovação de leis relacionadas à reforma tributária sem qualquer demonstração do impacto orçamentário e financeiro que pode ser provocado pelas mesmas. Projetos de Lei como o PL 3998/20 aprovado pela Comissão de Segurança Pública, é um, entre tantos outros que não tratam do real problema: a baixa tributação dos ganhos dos mais ricos.

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Enquanto os presidentes da Câmara e do Senado não decidem se vão dar continuidade aos trabalhos da reforma tributária – tendo em vista que a comissão mista especialmente constituída para esse fim se extinguiu – a produção de normas legais segue a todo vapor pelas duas casas legislativas.

Ao longo do ano passado e desse ano, sob abrigo do Decreto Legislativo nº 6 de 2020, que reconheceu o Estado de calamidade pública, não faltou o apoio do legislativo para aprovar 87 novas leis, sendo que mais duas aguardam sanção e outras 39 foram aprovadas na Câmara e em breve poderão ser votadas e aprovadas no Senado.

Um olhar mais atento sobre esse emaranhado legal mostra que pelo menos 14 dessas proposições alteraram normas tributárias, e em sua quase totalidade ultrajaram o art. 14 da Lei Complementar 101, a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, bem como o art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e os art. 125 e 126 da Lei das Diretrizes Orçamentárias – LDO de 2021, além da Lei 14.116/2020. Ou seja, as leis não vieram acompanhadas das necessárias demonstrações de impacto orçamentário e financeiro da renúncia de receitas e nem de medidas de compensação da redução de receitas.

A despeito da excepcionalidade da situação econômica e social trazida pela pandemia, passou muita “boiada” nesse processo e o resultado foi o aprofundamento das desigualdades e complexidades do Sistema tributário Nacional. Prova mais recente desse autêntico “vale tudo” para fazer uma reforma tributária para chamar de “sua” foi a aprovação na Comissão de Segurança Pública do PL 3998/20.

Esse PL e outros tantos, procuraram resolver o problema do alto peso dos tributos sobre o consumo, sem, no entanto, voltarem suas energias para o real problema: a baixíssima tributação sobre os ganhos dos mais ricos. Nunca é demais lembrar que diminuir a tributação da renda dos mais pobres propicia um resultado positivo na economia, com mais renda disponível para consumo e seu efeito para a retomada da economia.

A título de exemplo, basta verificar o comportamento do mercado financeiro. Vejamos um banco. O lucro do banco Bradesco no primeiro trimestre de 2021 cresceu 74% chegando sozinho a um montante de 6,5 bilhões de reais. Enquanto isso, o desemprego se eleva, a renda dos mais pobres diminui, a grande maioria dos trabalhadores sequer conseguem repor as perdas inflacionárias em suas negociações coletivas, a pobreza e a fome aumentam. Existem projetos que propõe essas mudanças, mas será preciso a força e o querer do Legislativo.

O ministro da Economia e os presidentes da Câmara e Senado definiram alguns pontos sobre a Reforma Tributária. Ao que tudo indica caberá ao Senado analisar a nova proposta de Refis, um programa de renegociação de débitos tributários de empresas, e mudanças constitucionais, no caso da reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de competência estadual, e do Imposto sobre Serviços (ISS), municipal. Já a Câmara dos Deputados analisará mudanças nos impostos federais, quais seja: Imposto de Renda (IR) de pessoas físicas e jurídicas, incluindo dividendos, mecanismo de distribuição de lucros aos acionistas que hoje é isento de impostos; Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); e Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que serão reunidos em uma mesma contribuição com alíquota única de 12%.

Além de unificar PIS e Cofins, o governo pretende reduzir o IPI cobrado sobre eletrodomésticos, o qual foi uma das bandeiras da política econômica dos ex-presidentes Lula e Dilma. Ainda sinaliza que a reforma tributária vai baixar o IR cobrado das empresas e que taxará a distribuição dos dividendos para os sócios, hoje isenta.

Supondo que todas essas mudanças sejam de fato concretizadas a pergunta que se faz é: são suficientes? É isso de fato que o país precisa para sair da situação de um dos países mais desiguais do mundo socialmente e tributariamente falando?

A resposta é: NÃO. E nenhuma das reformas até hoje propostas no Brasil ou apoiadas pelos sucessivos governos buscou atingir o verdadeiro cerne do problema: taxar os mais ricos e menos os mais pobres.


[i] Auditor-fiscal da RFB, associado do Instituto Justiça Fiscal – IJF