O papel social do programa de educação fiscal. Por Eugênio Celso Gonçalves.

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Um olhar atento sobre a realidade das finanças públicas no país demonstra como ainda estamos distantes da efetivarmos o ideário Republicano de igualdade e justiça, visto que tanto sob a ótica da arrecadação tributária, tanto sob o ponto de vista das prioridades na alocação dos recursos públicos, a população de menor poder aquisitivo é penalizada, especialmente em decorrência de sua baixa capacidade de vocalizar seus legítimos anseios e de se ver representada nas diferentes instâncias de poder, exercendo sua cidadania de forma plena.

Consequentemente, os extratos sociais mais pobres acabam por arcar com uma carga tributária maior que os extratos mais ricos da pirâmide social, por força de um sistema tributário regressivo e concentrador de renda, que se coloca em assimetria com os princípios constitucionais que fundamentam a nossa República. De outra parte, esses extratos mais pobres têm baixa capacidade política de articular e pressionar os governantes para que as políticas públicas implantadas, com os tributos que todos pagamos, sejam desenhadas e executadas na perspectiva da realização dos direitos fundamentais, tornando-se instrumentos de redução das desigualdades sociais e de promoção da dignidade humana, como determina a Constituição.

No entanto, uma reforma tributária cidadã, ou seja, que instale uma efetiva progressividade em nosso Sistema Tributário, não interessa às poderosas forças econômicas representadas no Congresso Nacional. Ademais, os que ainda se beneficiam de uma estrutura de Estado patrimonialista e clientelista, em que o interesse privado prevalece em relação ao público, são refratários a qualquer ideia de participação popular no controle da qualidade do gasto público.

Só uma população consciente de seus direitos e deveres será capaz de pressionar as autoridades constituídas da República para que esse quadro de injustiça fiscal seja revertido. Por isso, a Educação Fiscal tem um papel importante na construção da chamada consciência fiscal, especialmente junto à parcela menos informada e mais pobre da população, duplamente penaliza pela realidade das finanças públicas no Brasil, como assinalado.

O Programa Nacional de Educação Fiscal – PNEF tem por objetivo ampliar a percepção do cidadão sobre a importância social dos tributos e dos orçamentos públicos ao “compartilhar conhecimentos e interagir com a sociedade sobre a origem, aplicação e controle dos recursos públicos, favorecendo a participação social”, como está expresso em sua Missão.

Diante disso, o Grupo Gestor do Programa Nacional de Educação Fiscal definiu que o PNEF deve ter por base os seguintes fundamentos:

 

  • Na educação, o exercício de uma prática pedagógica que objetiva formar um cidadão autônomo, reflexivo e consciente de seu papel, capaz de contribuir para a transformação da sociedade;

  • Na cidadania, o estímulo ao fortalecimento do poder do cidadão para o exercício do controle democrático do Estado, incentivando-o à participação coletiva na definição de políticas públicas e na elaboração de leis para sua execução;

  • Na ética, a opção pelos caminhos que nos levem à adoção de condutas responsáveis e solidárias, que privilegiem sempre o bem comum;

  • Na política, a decisão de compartilhar os conhecimentos adquiridos sobre gestão pública eficiente, eficaz e transparente quanto à captação, à alocação e à aplicação dos recursos públicos, com responsabilidade fiscal e ênfase no conceito de bem público como patrimônio da sociedade;

  • No controle social, o foco na disseminação dos conhecimentos e instrumentos que possibilitem o cidadão atuar no combate ao desperdício e a corrupção;

  • Na relação Estado-Sociedade, o desenvolvimento de um ambiente de confiança entre a administração pública e o cidadão, oferecendo-lhe um atendimento respeitoso e conclusivo, com ênfase na transparência das atividades estatais.

  • Na relação Administração Tributária-Contribuinte, o estímulo ao cumprimento voluntário das obrigações tributárias e ao combate à sonegação fiscal, ao contrabando, ao descaminho e à pirataria;

  • Na condução do PNEF, o compromisso com uma gestão democrática em permanente integração com todos os segmentos sociais, de modo a contribuir para que o Estado cumpra seu papel constitucional de reduzir as desigualdades sociais e ser instrumento de fortalecimento permanente da democracia.

 

Ao Programa Nacional de Educação Fiscal cabe o grande desafio de mudar essa cultura secular, que tornou muitos de nós complacentes com a sonegação, o contrabando, a pirataria, o desperdício e a corrupção, sem percebermos o mal que essas práticas trazem para a vida em sociedade. O tributo que um empresário cobra do consumidor ao vender uma mercadoria sem nota fiscal e, consequentemente, não repassa aos cofres públicos ou o recurso orçamentário que um administrador corrupto inescrupulosamente desvia; certamente estará faltando para garantir um medicamento a um doente, a merenda em uma creche ou o salário do professor na escola. Por isso, a sonegação fiscal e a corrupção são crimes sociais da mais alta gravidade e que merecem o mais veemente repúdio público e atitudes proativas do conjunto da sociedade para o seu enfrentamento.

Sabemos que a incipiente democracia brasileira ainda é carente de programas educacionais voltados para a formação cidadã de nossa população em vários aspectos (saúde pública, meio ambiente, trânsito, finanças pessoais, finanças públicas, entre outros). No entanto, como o cidadão é uno, o grande desafio que se apresenta para esses programas é o de possibilitar que seus conteúdos sejam ministrados de forma integrada, o que requer uma ação articulada e intersetorial do conjunto das instituições públicas e da sociedade civil que se dedicam a esse mister, sob a coordenação do Ministério da Educação, todos unidos com o objetivo comum de formar cidadãos autônomos, conscientes, responsáveis, dotados de conhecimentos, habilidades e atitudes que lhes possibilitem intervir, de forma qualificada, nos destinos de nossa sociedade.