Artigo publicado em http://www.ihu.unisinos.br/580381-o-investimento-publico-e-o-fmi
“O investimento público é vital para coordenar expectativas do setor privado e isso pode levar a uma queda do déficit, diz o Fundo”, escreve Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, em artigo publicado por CartaCapital, 28-06-2018.
Eis o artigo.
Na edição de outubro de 2014, o World Economic Outlook avalia os benefícios do investimento público em uma conjuntura de baixo crescimento nos países centrais e de deficiências na infraestrutura dos emergentes. Em seu segundo capítulo, a publicação semestral do Fundo Monetário cuida do investimento público como indutor da demanda agregada e de seu papel na irradiação de expectativas favoráveis à formação bruta de capital fixo no setor privado.
O estudo do FMI procura demonstrar que o aumento do investimento público afeta a economia de duas maneiras. “A curto prazo, impulsiona a demanda agregada mediante a operação do ‘multiplicador fiscal’, incitando o investimento privado (crowding in), dada a forte complementariedade ensejada pelo investimento em serviços de infraestrutura… A longo prazo, há um efeito sobre a oferta, na medida em que a capacidade produtiva se eleva com a construção do novo estoque de capital.”
(Foto: Carta Capital)
O texto prossegue em sua avaliação das consequências do investimento público sobre o produto potencial. Afirma que o gasto autônomo do Estado em uma economia com capacidade ociosa ou carência de infraestrutura pode determinar a evolução favorável do déficit fiscal e da relação dívida/PIB a médio e longo prazo.
Dependendo do “multiplicador fiscal” de curto prazo, da eficiência microeconômica dos projetos e da “elasticidade do produto”, o novo investimento pode levar a uma queda do déficit fiscal e da relação dívida/PIB. O leitor atilado há de perceber que esses fatores conformam a capacidade de resposta do gasto privado aos estímulos do dispêndio “autônomo” do governo. Reminiscências keynesianas.
O investimento em infraestrutura executado ou organizado pelo setor público não concorre com o investimento privado, mas, ao contrário, serve como indutor ou o complementa. Desde o imediato Pós-Guerra, o exame da trajetória das economias emergentes confirma que o bom desempenho do investimento público foi crucial para a obtenção de taxas de crescimento elevadas. Nas economias industriais modernas, o investimento público desempenha uma inarredável função coordenadora das expectativas do setor privado.
A experiência internacional, sobretudo a dos países asiáticos, demonstra a existência de interações virtuosas entre o investimento em infraestrutura, expansão industrial, emprego e crescimento. Esses países executaram estratégias de export led growth com câmbio competitivo, fortes incentivos e duras exigências de desempenho impostas pelo Estado para estimular o investimento privado.
A conjugação de esforços entre o setor público e o setor privado organizado sob a forma de grandes empresas permitiu durante muitas décadas a manutenção de taxas de investimento e de crescimento econômico elevadas. Na China, o exuberante desempenho da economia brota do circuito virtuoso: expansão do crédito – investimento público em infraestrutura – aumento da produtividade com ganhos de escala – geração de saldos comerciais – elevação dos lucros – liquidação de dívidas.
O investimento público decorrente do gasto fiscal e do setor produtivo estatal é provedor de externalidades positivas para o setor privado. Nas economias capitalistas contemporâneas, quer nas desenvolvidas, quer nas emergentes, o investimento público opera como componente “autônomo” da demanda efetiva e oferece uma perspectiva para o investimento privado.
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