Concentram cada vez mais dinheiro e poder. Sonegam nos paraísos fiscais. Obtêm favores dos Estados. Já sugerem voto segundo renda. Por Roberto Savio, no Outras Palavras / Tradução: Gabriela Leite
F. Scott Fitzgerald cunhou uma famosa, “Os ricos são diferentes de você e de mim”. Pronunciou-a em uma época, os primeiros anos do século 20, em que os ricos não estavam sujeitos ao escrutínio público e em geral eram objeto de inveja, não de ressentimento.
Avançando rapidamente até o século 21, temos o movimento Occupy Wall Street, que, para denunciar a crescente desigualdade social, saiu às ruas em setembro de 2011, no distrito financeiro de Nova York, em nome dos 99% dos norte-americanos que possuem 60% da riqueza nacional frente ao 1% que possui 40%.
Seu êxito repercutiu em todo o mundo; mas agora, os ricos estão contra-atacando.
Seu líder é Tom Perkins, de 82 anos de idade, com um patrimônio de 8 bilhões de dólares. É dono de uma cobertura de 1600 m² em São Francisco e acaba de comprar um iate por 110 milhões de dólares. Em uma carta ao Wall Street Journal em janeiro deste ano, Perkins comparou a “guerra progressiva contra o 1% americano” dos estadunidenses mais ricos, com o Holocausto, comparando a “demonização dos ricos” do movimento do Occupy Wall Street com o antisemitismo da Alemanha nazista.
Um mês depois, Perkins declarou publicamente que, nas eleições, o número de votos a que uma pessoa tem direito deve ser proporcional à quantidade de impostos que paga. E está incentivando seus companheiros a “sair do armário”.
Bud Konheim, CEO da empresa de moda de luxo Nicole Milles, fez exatamente isso com sua mensagem aos 99%: parem de reclamar. “Nosso 99% é o 1% do resto do mundo… É quem está ganhando, ó meu deus, 35 mil dólares por ano… Por que não testamos isso na Índia ou em alguns países cujo nome sequer sabemos?
Juan Marcos, ex diretor-executivo do banco Morgan Stanley, que foi resgatado com fundos públicos, está defendendo os salários extravagantes dos executivos da corporação. Acaba de fazer uma declaração a favor de James Dimon, o executivo principal do JP Morgan Chase, que recebeu 20 milhões de dólares numa época em que seu banco perdeu vários milhões de dólares, em investimentos equivocados em fundos soberanos, e uma multa de cerca de 12 bilhões de dólares por práticas fraudulentas.
Segundo fontes financeiras, Wall Street gastou 500 milhões de dólares em grupos de pressão, para tratar de impedir a ação das autoridades reguladoras, na aplicação das normas aprovadas pelo congresso dos EUA para um controle um pouco mais estrito. Estas normas buscariam evitar uma repetição da crise financeira de 2008 que, junto com a crise europeia, atirou ao desemprego gerações jovens de quase todas as partes do mundo.
Para aqueles que pensam que na verdade o voto de um milionário é igual ao de um desempregado, este contra-ataque do 1% é legítimo. O único problema é que, apesar de seu diferente peso na política, me pergunto se as mesmas pessoas ingênuas também creem que ricos e pobres pagam impostos na mesma proporção.
Segundo o Tax Justice Network (TJN) — uma organização que faz campanha para frear a evasão fiscal –, nos paraísos fiscais encontram-se agora cerca de 8% do PIB mundial (os Estados Unidos têm um PIB de cerca de metade disso). O TJN realça como o grande capital estimula a corrupção.
O que é a corrupção? Segundo o Dicionário Inglês de Oxford, a corrupção é “a falta de honestidade ou conduta fraudulenta por aqueles que têm o poder”. As instituições financeiras e o 1% estão, sem dúvida, no poder. De acordo com a TJN, a quantia subtraída dos Estados por sonegação, durante os últimos quinze anos, alcança a assombrosa cifra de 30 trilhões de dólares, o que equivale a metade do produto interno bruto do mundo.
Na China, grande parte dos 4 trilhões de dólares que se acredita que tenham desaparecido entre 2000 e 2011 foram desviados para paraísos fiscais. Na Rússia, a cifra é em torno de 1 trilhão de dólares e na União Europeia, 1,2 trilhão.
Em todo o mundo, os bancos foram multados por fraude e corrupção em níveis sem precedentes. Ler o informe do Senado dos EUA (2009) sobre o nível de corrupção na UBS, o maior banco da Suíça, é como entrar no mundo de um romance de crime. O informe, de 176 páginas, detalha em que grau a UBS ajudou seus clientes norte-americanos a esconder muitos bilhões em ativos. A UBS pagou uma multa de 780 milhões de dólares, e pode vir mais.
Num apelo para criar uma força policial contra a corrupção mundial publicado no New York Times, no mês passado, Alexander Lebedev denunciou o roubo de 5 bilhões do Banco de Moscou, 4 bilhões do BTA Bank e Banco AMT, 4 bilhões do Rosukrenergo, 3 bilhões do Globex e Sviaz Bank, 2 bilhões do Banco Agrícola Russo, um bilhão do Rosagroleasing e mais um bilhão do VEFK Bank.
Segundo Lebedev, um antigo alto funcionário da KGB e agora empresário, proprietário dos jornais Evening Standarde do The Independent, de Londres, “se alguém rouba um bilhão de dólares, e se dirige a um paraíso fiscal, é praticamente impossível empreender ações legais”. Como todos os oligarcas russos, ele certamente conhece o sistema por dentro.
De todo modo, não é necessário que o 1% se preocupe. Apesar de suas queixas, os super-ricos estão se dando melhor do que nunca.
Acabo de ler o Informe sobre a Riqueza deste ano, um compêndio anual publicado pela empresa de administração de propriedades Knight Frank. Durante a última década, o número de super-ricos do mundo cresceu 59%; e o de multimilionários, 80%. Agora, são 1682. Os que têm ativos de mais de 30 milhões de dólares são em torno de 167.000, o que equivale à população de uma cidade de tamanho considerável. Uma recente pesquisa destacou que 75% do famoso 0,1%, os extremamente super-ricos, aumentaram sua riqueza no último ano.
Em torno de 2030, espera-se que a China tenha 322 multimilionários — mais que a Grã Bretanha, Rússia, França e Suíça juntas: por fim, a prova de que o socialismo, mesmo que em sua versão chinesa, é superior ao capitalismo…
Os países soberanos tomem nota. Malta propõe oferecer seu passaporte aos que paguem 650.000 euros (900.000 dólares), sem requisito de residência. Malta faz parte da União Europeia. Com seu passaporte, pode-se ir a qualquer outra parte da UE. Espanha e Portugal estão oferecendo residência, com tempo limitado, para quem faz investimentos substanciais. Letônia e Estônia estão seguindo-os. Em 2012, os Estados Unidos emitiram 7.641 vistos de investidores e imigrantes e 80% deles foram para investidores chineses.
Portanto, os ricos de verdade são diferentes de você e de mim e estão crescendo tanto, que seria uma lástima não nos unirmos a eles. O mercado é agora a base da democracia, qualquer um pode fazê-lo. Se seguimos fazendo parte dos 99%, é por pura falta de vontade!
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