Nobel de Economia – desigualdade é crescente abala a própria democracia

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Fernando Brito, em 03-10-2015

Joseph Stiglitz é Prêmio Nobel de economia, ex-dirigente do Banco Mundial e conselheiro econômico de Bill Clinton. Não é, portanto, nem um neófito, nem um radical vazio.
A resenha de seu livro “Great Divide: Unequal Societies and What We Can Do About Them” (A grande divisão:  sociedades desiguais e o que podemos fazer sobre  isso) com lançamento previsto aqui,  ainda para este semestre, pela Alta Books), feita pela ex-secretária de Redação da Folha, Eleonora de Lucena,  repete o diagnóstico de que não apenas o neoliberalismo encerrou a fase “inclusiva” do capitalismo do pós-guerra mas, ele próprio, inviabilizou-se como fórmula capaz de levar o mundo a uma recuperação econômica “mais robusta” e ameaça solapar o próprio conceito ocidental de democracia:
– O lema de “um homem um voto” está sendo convertido em “um dólar um voto”.
No país onde o máximo de “modernidade” que se entende em matéria de pensamento econômico é o coro de coaxares sobre “livre mercado, livre mercado, livre mercado” é um prazer ver que as melhores inteligências são capazes de continuar dizendo às elites que o ambiente onde a selvageria econômica é o grande valor a ser perseguido nos leva, inexoravelmente, para a selvageria social e, com ela, ao comprometimento da própria atividade econômica.
Um coisa tão óbvia que há 50 anos Tom Jobim e Milton Mendonça escreveram em seu mais que famoso Wave: “é impossível ser feliz sozinho”.
Prêmio Nobel ataca elite alienada
e propõe mais impostos para os ricos
Eleonora de Lucena, na Folha
Começou com a eleição de Ronald Reagan. Os mais ricos passaram a pagar menos impostos, a economia foi desregulada e o setor financeiro tornou-se central. A memória da Segunda Guerra Mundial, e da solidariedade que engendrou, foi desaparecendo.
O rápido crescimento com avanço da indústria e ascensão das classes médias ficou para trás. O fim da União Soviética, eliminando a competição ideológica, frustrou planos de inclusão para a maioria da população.
O bem-estar das corporações foi engordando ao mesmo tempo que encolhiam os projetos de ajuda aos mais pobres. Um norte-americano típico ganha hoje menos do que ganhava há 45 anos –feitas todas as correções. Uma em cada quatro crianças vive na pobreza (na Grécia é uma em seis).
O 1% mais rico abocanha um quarto da renda e 40% da riqueza dos EUA. Há 25 anos, essas percentagens eram de 12% e 33% respectivamente. Políticos e parlamentares fazem parte dessa superelite e atuam em função dela.
Essa crescente desigualdade destrói o mito dos EUA como a terra de oportunidades, sabota a eficiência da economia e, principalmente, abala os pilares da democracia. O lema de “um homem um voto” está sendo convertido em “um dólar um voto”.
É com esse pano de fundo que o prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz desenvolve “The Great Divide” [a grande divisão], obra que disseca os movimentos que levaram a rupturas e desagregações na sociedade norte-americana nas últimas décadas.
Seu ponto central: a desigualdade galopante é fruto de políticas deliberadas e poderia ter sido evitada. Stiglitz ressalta que o fosso social fabricado nos Estados Unidos –e replicado pelo mundo– impede uma recuperação mais robusta da economia, reforçando iniquidades e mais concentração de riqueza.
Com uma linguagem contundente e didática, o autor extrapola em muito o estrito mundo econômico. Sua reflexão passa pelo comportamento da elite, cada vez mais divorciada das necessidades da população.
Alienada das condições sociais gerais, da saúde, da educação, da segurança e da infraestrutura, essa fração dos superricos vive numa bolha, não liga para o que acontece com a maioria e gera efeitos perversos para o país. Nas palavras do Nobel:
“De todos os custos impostos pelo 1% para a nossa sociedade talvez o maior seja a erosão de nosso senso de identidade, no qual o jogo justo, a igualdade de oportunidade e o senso de comunidade são tão importantes”.
Stiglitz, 72, lembra que Alexis de Tocqueville (1805-1859) identificou nos norte-americanos a existência de um “interesse próprio bem compreendido”, ou seja: para o próprio bem-estar individual é preciso prestar atenção nas condições dos outros.
Segundo o Nobel, os americanos aprenderam que “ajudar os outros não é apenas bom para a alma, mas é bom para os negócios”. No entanto, agora a elite não entende que o seu destino está interconectado com o da maioria da população –os 99%.
“A história mostra que isso é algo que, no final, o 1% mais rico pode aprender _muito tarde”, diz. O alerta está em “Do 1%, pelo 1%, para o 1%”, famoso ensaio publicado originalmente pela revista “Vanity Fair”, em 2011, e que serviu de inspiração para protestos como o Occupy Wall Street.
O texto é um dos mais esclarecedores do livro, que recupera discussões de outras obras de Stiglitz, como “The Price of Inequality” (2012) e “Freefall” (2010). Ex-executivo do Banco Mundial e do conselho econômico da administração Bill Clinton, Stiglitz reforça, também nesta obra, seu ataque contra os bancos.
Condena, especialmente, as práticas anti-competitivas na área de cartão de crédito. Recomenda uma forte legislação antitruste –o que impulsionaria pequenos negócios. No conjunto, defende uma maior taxação para os mais ricos, demolindo argumentos contrários.
Ainda que repetitivo em alguns pontos, “The Great Divide” é essencial para entender os dias que correm –não só nos EUA.


Disponível em http://tijolaco.com.br/blog/nobel-de-economia-desigualdade-e-crescente-a-abala-a-propria-democracia/