por João Carlos Loebens*
Com o perfil do atual Congresso, um aumento na regressividade e na concentração de renda não seria novidade
A principal característica do atual sistema tributário brasileiro é a sua regressividade. Regressivo significa que, quanto mais pobre for a pessoa mais imposto ela paga, e quanto mais rica for a pessoa menos imposto ela paga. Daria para dizer que é óbvio que esse sistema tributário é injusto.
A Constituição Federal estabelece que o sistema tributário brasileiro deve ser progressivo, especialmente em relação ao imposto sobre a renda (pessoas físicas e pessoas jurídicas/empresários) e patrimônio. O parágrafo primeiro do art. 145 da CF diz que, “os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. Ou seja, pela Constituição, quanto mais rico mais imposto deveria pagar, e quanto mais pobre menos imposto deveria pagar – justamente o contrário do que acontece na prática. Fica evidente que o atual sistema tributário, ao cobrar mais dos mais pobres, descumpre o mandamento constitucional.
Em 1988, a Constituição estabeleceu uma progressividade no sistema tributário: por exemplo, a alíquota máxima do imposto de renda era de 45%. Já no ano seguinte à promulgação da Constituição, a legislação foi alterada e a alíquota máxima do IR baixou para 25%, baixando consideravelmente o imposto pago pelos ricos.
Não suficientemente satisfeitos com a redução da alíquota do IR de 45% para 25%, o lobby dos ricos conseguiu aprovar em 1995 uma lei para isenção do imposto de renda para lucros e dividendos, além do malfadado “juros sobre o capital próprio”. De forma simplificada, o salário dos trabalhadores é a folha de pagamento, e o salário dos empresários/patrões é o lucro/dividendo da empresa. Dessa forma, a partir de 1996 somente os trabalhadores pagam imposto de renda sobre seu salário – os empresários ficaram isentos do imposto de renda sobre seus salários desde aquela época.
A Constituição Federal, §2º art. 153, diz que o imposto de renda será universal e progressivo. A isenção sobre lucros/dividendos retira a universalidade sobre o IR (não incide sobre salário dos empresários). Além disso, como as maiores rendas são de empresários que recebem lucros/dividendos, a isenção transformou o imposto de renda de progressivo para regressivo a partir de 30 salários mínimos/mês, contrariando mais uma vez a Constituição.
Os impostos sobre o consumo são regressivos por natureza, pois incidem com a mesma alíquota independente da renda (para pobres e ricos), fazendo com que proporcionalmente os pobres paguem mais.
A atual reforma tributária em discussão (PECs 45 e 110) propõe alterar ou discutir somente os impostos sobre o consumo. Considerando que o principal problema do sistema tributário brasileiro é a regressividade, e que os impostos sobre o consumo são por natureza regressivos, pode-se concluir que essa reforma não reforma o sistema tributário, pois não mexe no principal problema do sistema.
Por isso, tudo indica que temos uma reforma que se propõe a manter o sistema como está: manter a regressividade, que faz o pobre pagar muito e o superrico não pagar praticamente nada, gerando desigualdade. O Brasil é campeão mundial em desigualdade/injustiça fiscal e ostenta 284 bilionários na revista Forbes. Conforme relatório da Oxfam, os 3.390 brasileiros mais ricos do Brasil acumulam mais patrimônio que os 182.000.000 de brasileiros menos afortunados (0,0016% e 85% da população brasileira).
Analisando as reformas tributárias realizadas desde a Constituição de 1988, incluindo as reformas que não foram chamadas de reforma pela imprensa (como a redução eleitoreira do ICMS sobre combustíveis e eletricidade), caberia torcer para que não haja mais reformas, pois, das várias “reformas” efetuadas desde a Constituição, só se viu o sistema tributário piorar – cada vez mais os ricos pagam menos. As alterações e reformas precedentes parecem demonstrar que essa reforma tributária limitada ao consumo, na melhor das hipóteses, vai manter o problema – o já conhecido “mudar para ficar igual”.
Mas não nos surpreendamos com a possibilidade de a reforma piorar o que aí está, como tem acontecido nas reformas anteriores. Claro, piorar para os pobres em termos de aumento da regressividade, mas melhorar para os super ricos em termos de aumento da concentração de renda e riqueza, aumentando a já absurda desigualdade existente no país.
Com um Congresso altamente representado pelos (poucos) afortunados e escassamente representado pela (maioria) desprovida, um aumento na regressividade e na concentração de renda não seria novidade.
(*) Professor, auditor fiscal estadual e integrante do Instituto Justiça Fiscal