O Instituto Justiça Fiscal participou de reunião de centrais sindicais e movimentos sociais com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na sexta-feira, 3 de março, em São Paulo. O encontro foi noticiado pela Folha de São Paulo e pela Rede Brasil Atual (veja neste link), entre outros veículos de mídia.
O presidente do IJF, Dão Real Pereira dos Santos, considerou muito satisfatório que as centrais sindicais e movimentos tenham pautado questões como a tributação dos super-ricos, a correção da tabela do IR, injustiças como a isenção de dividendos a acionistas de empresas enquanto trabalhadores ainda pagam tributos quando recebem PLR (Participação nos Lucros e Resultados), além de exigirem representação no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf).
“O tema da justiça fiscal permeou os diferentes temas da reunião. Sinal positivo de que está na agenda dos sindicatos e movimentos sociais e isso reforça a importância de campanhas como a Tributar os Super-Ricos contar com a parceria de dezenas dessas entidades”, registrou.
Equanimidade no Carf
A reunião foi aberta pelo presidente da CUT, Sérgio Nobre, que em sua primeira fala tratou da importância dos sindicatos terem assento no Carf, que julga em última instância as autuações da Receita Federal. Ele parabenizou o ministro por ter encaminhado a volta do voto de qualidade do Fisco logo nos primeiros dias do governo Lula.
Sérgio Nobre defendeu que representações dos trabalhadores também devem compor a cota paritária de contribuintes dentro do Conselho, que não pode ter apenas representantes do empresariado. Hoje o Carf tem apenas seis conselheiros indicados pelas centrais sindicais, em turmas que julgam apenas contribuições previdenciárias. O empresariado indica os demais da cota paritária de 90 conselheiros que representam os contribuintes.
Dão Real enfatizou o empenho na aprovação da Medida Provisória 1160/2023, que repõe o voto de qualidade no Carf, e reafirmou a necessidade de rever a composição dos representantes dos contribuintes. Sobre as reformas em tributos, Dão destacou prioridade em tratar dos tributos diretos, incluindo rendimentos que hoje são isentos e que poderiam trazer até R$ 120 bilhões de recursos adicionais por ano e possibilitar desonerar as rendas de até R$ 5 mil reais (uma promessa do governo Lula), trazendo para o consumo R$ 15 bilhões anuais a mais.
O representante do IJF lembrou ainda a tradição histórica no Congresso Nacional de as PEC acabarem “interditando” o debate sobre outras propostas dentro do mesmo tema, além do fato de que as PEC exigirão ao menos cinco anos para a transição entre tributos, envolvendo custos administrativos e grande complexidade, sem contribuir para aumentar a arrecadação.
Carf é “nova primeira instância”
Ainda sobre o Carf, Dão lembrou que as Delegacias de Julgamento da Receita Federal (DRJ), compostas apenas por auditores-fiscais e que julgam os processos fiscais em primeira instância, submetem-se às normas internas da Receita Federal em seus julgamentos, mas que o Carf, nas duas instâncias seguintes, não fica restrito às normas da Receita Federal e pode julgar em desfavor das normas em confronto com as leis. Essa distinção de marcos normativos nos julgamentos em DRJ e Carf, segundo Dão, acaba configurando a existência de “duas primeiras instâncias”.
Redução da taxa Selic
Além de temas como salário-mínimo, Previdência, programa Minha Casa Minha Vida e outras políticas públicas, a reunião tratou com especial ênfase a questão da taxa básica de juros, a Selic. Os movimentos sociais pretendem fazer manifestações em frente a sedes do Banco Central no dia 21 de março, primeiro dia da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), quando serão discutidos os juros básicos da economia.
Haddad falou sobre as dificuldades que o Ministério tem enfrentado desde a transição de governo, da herança de desorganização orçamentária, da PEC da transição, que tirou da Constituição o antigo Teto de Gastos, mas exige agora do governo a apresentação de um novo marco fiscal. Ele enfatizou a intenção do governo de reorganizar a atividade econômica orientada pela sustentabilidade e o uso de energia limpa, transformando o país como atrativo mundial de investimentos nesse campo.
Reforma Tributária com diálogo
O ministro disse estar convencido de que é preciso avançar nas propostas de emendas constitucionais que estão em andamento no Congresso tratando de tributos indiretos (sobre consumo de bens e serviços) e simplificação tributária (PEC 45/2019 e PEC 110/2019), e que elas têm que ser enfrentadas antes de tratar da tributação direta (renda e patrimônio).
Os projetos sobre tributos diretos independem de PEC e interessam muito mais à classe trabalhadora, e tanto o ministro quanto os presentes à reunião mostraram ter percepção clara disso. A reforma nos tributos diretos pode promover a equidade tributária, se feita de forma a ampliar a tributação sobre os mais aquinhoados (por meio da progressividade e da volta da tributação sobre dividendos, por exemplo) e reduzir tributos na base arrecadatória (como a correção da tabela do imposto de renda e a isenção para as rendas mais baixas), além de ter impacto na arrecadação dos entes federados, viabilizando a ampliação das políticas públicas.
Ao final, ficou acordada a criação de canais entre as entidades e centrais com o Ministério e de um grupo de trabalho para discutir as ideias e propostas surgidas na reunião.
Estiveram presentes representantes da CUT (Central Única dos Trabalhadores), do MNU (Movimento Negro Unificado), da Força Sindical, da UGT (União Geral dos Trabalhadores), do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), da UNE (União Nacional dos Estudantes), do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), do CMP (Comitê de Movimentos Populares), do IJF (Instituto Justiça Fiscal) e do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
O livro com as histórias em quadrinhos da Niara (mascote da campanha Tributar os Super-Ricos) foi entregue aos participantes – foto de Roberto Parizotti/CUT.