Instituto Justiça Fiscal publica estudo sobre tributação no setor da extração da bauxita na Amazônia brasileira

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O Instituto Justiça Fiscal (IJF) divulgou no dia 22/03 um estudo sobre a tributação no setor extrativo, denominado “Aspectos tributários e fiscais na mineração da bauxita na Amazônia brasileira – Análise da empresa Mineração Rio do Norte”.

A pesquisa, realizada com apoio da Red Latinoamericana por Justicia Económica y Social (Latindadd) e da Financial Transparency Coalition (FTC), foi desenvolvida entre janeiro e março de 2022, fruto de uma colaboração entre o IJF e a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Participaram dela o professor Titular Adjunto da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (FACE/Unifesspa) e Coordenador do Laboratório de Contas Regionais da Amazônia (LACAM), Doutor Gilliad Silva e Jessica Costa Sousa, então graduanda em economia pela Unifesspa, atualmente no pós-graduação pela mesma universidade.

O trabalho contou também com a colaboração de Alessandra Cardoso, autora da tese de doutorado apresentada junto à Universidade Estadual de Campinas-Unicamp “O extrativismo mineral na Amazônia brasileira no início do século XXI: valor, poder e enraizamento nas Redes Globais de Produção mínero-siderúrgica e mínero-metalúrgica do alumínio”.

As principais constatações da pesquisa foram:

A exploração da bauxita na região amazônica remonta à década de 1970, quando da criação do projeto Mineração Rio do Norte, impulsionado pela multinacional canadense Alcan e com forte atuação do governo brasileiro, cuja estratégia era atrair capitais e valorizar as reservas brasileiras, avaliadas em 2,7 bilhões de toneladas em 2021, as principais delas localizadas no estado do Pará.

Os principais projetos de extração da bauxita na Amazônia são:

1. Projeto da empresa Mineração Rio do Norte (MRN) em Porto Trombetas, distrito de Oriximiná, no Estado do Pará. A empresa se constituiu, na época por nove empresas, a estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) e sete empresas estrangeiras, entre elas, algumas das maiores produtoras mundiais de alumínio.

2. Projeto Paragominas para extração de bauxita na região Sudeste do Pará, em operação desde o ano de 2007. Implantado no município de Paragominas pela empresa Vale, buscava garantir o fornecimento do mineral para suprir a demanda da produção de alumina pela empresa Alunorte.

3. Projeto da Mina de Juruti, localizada no oeste do Estado do Pará. Iniciado em 2000, pela Alcoa, entrou em operação no ano de 2009. Dispõe de uma reserva potencial de 700 milhões de toneladas de bauxita com alto teor de qualidade.

A bauxita produzida pela MRN é transportada por 1.000 km ao longo dos rios Trombetas e Amazonas até chegar ao porto de Vila do Conde, de onde sai para abastecer a refinaria da Alunorte. Já a bauxita da mina Paragominas atravessa um mineroduto de 244 km de extensão para chegar até a Alunorte. No caso da mina Juruti, a ferrovia tem aproximadamente 50 km de extensão e transporta o minério até o terminal de Juruti para então embarcar para abastecer a Alumar, no Estado do Maranhão.

Além de modificar estruturalmente a região, e o transporte do minério é um exemplo claro disso, ocorreram problemas ambientais no processo, especialmente porque nos anos 1970/80 não havia controle dos possíveis danos ambientais. Quando iniciou suas operações, a MRN largava seus dejetos no Lago Batata, contaminando a água e o solo, prejudicando as populações ribeirinhas e nativas da região.

A extração da bauxita é quase toda feita para abastecer a cadeia de produção do alumínio. Ou seja, a produção de alumínio determinava e determina, ainda, a extração da bauxita, formando o que se denomina cadeia produtiva, envolvendo diferentes agentes e fases de operações.

A organização da cadeia produtiva do alumínio no Brasil observou duas características principais. A primeira, a elevada concentração da produção no início da cadeia e uma gradual desconcentração nas etapas posteriores. A segunda, a presença de empreendimentos liderados por um conjunto de empresas, as chamadas “joint ventures”, e forte vinculação de propriedade cruzada entre as empresas produtoras da base da cadeia.

Estes empreendimentos ou projetos de extração, bem como as composições societárias, os mercados e a inserção na dinâmica da transformação da bauxita em alumínio configuram o que é denominado “Nó Amazônico da Rede Global de Produção (RGP) minero-metalúrgica do alumínio”. O diagrama do fluxo de produção e vendas das empresas da cadeia de valor do alumínio, localizadas na Amazônia brasileira mostra isso:

O referido nó amazônico pode ser observado em detalhes, na configuração societária da Mineração Rio do Norte (MRN). A Alcoa, multinacional americana, detém 18,2% das ações e é uma das três maiores empresas de alumínio no mundo. A Norsk Hydro, multinacional norueguesa e uma das maiores empresas de alumínio no mundo, detém 5% das ações da MRN, 92,13% da Alunorte e 100% do controle da mina de bauxita Paragominas. A Rio Tinto é multinacional anglo-americana que opera no setor de metalurgia e uma das maiores produtoras mundiais de alumínio, detendo 12% do controle acionário. A South 32 (desmembramento da BHP Billiton em 2015), multinacional australiana que tem importante participação global na produção de minerais detém 14,8% das ações da MRN e 36% da Alumar.

Além disso, duas empresas dominam a produção de alumina no Brasil. A Norsk Hydro, a maior produtora, detém 44% da produção, enquanto a segunda, a Alcoa S.A. controla 25%. Esta análise mostra que a cadeia de valor do alumínio no Brasil é caracterizada por um oligopólio produtivo, em que poucas empresas detém uma proporção muito significativa da produção dentro da cadeia, notadamente a Norsk Hydro, Alcoa S.A. e a South 32. Estas três companhias são os maiores atores da cadeia de valor do alumínio mundial.

Com relação aos aspectos tributários, ainda que o setor mineral esteja sujeito a vários tributos, não se diferenciando, em tese, de qualquer outro setor econômico, desfruta de muitos benefícios e isenções, que reduzem significativamente a arrecadação efetiva. Muito do que é produzido pela mineração é exportado, sendo isento de tributos como ICMS e contribuição ao PIS/COFINS. O setor conta também com outros benefícios relativos ao ICMS, como a postergação do prazo para pagamento em operações de circulação e transporte de mercadorias. E mais, pode usufruir de redução das alíquotas do Imposto de Importação (II) na aquisição de bens de capital empregados na mineração (ex-tarifários).

Como a produção da bauxita ocorre na Amazônia, é concedida redução de 75% no IRPJ, um incentivo criado na década de 1960, visando levar empreendimentos à região, e que permanece em vigor embora o cenário econômico e ambiental hoje seja completamente distinto. Além disso, as empresas ganham redução de 25% sobre o adicional no frete marítimo para importação de máquinas, equipamentos e insumos, por estarem operando na Amazônia. Por fim, dos lucros tributáveis, as mineradoras podem deduzir as depreciações contábil e acelerada, a amortização, exaustão da mina e até mesmo amortizar custo de aquisição e modificações de contrato, reduzindo sobremaneira o valor arrecadado com IRPJ e CSLL, que já passa por isenções.

Analisando-se os demonstrativos da Mineração Rio do Norte (MRN), verificamos que entre 2015 e 2020, a carga tributária sobre as receitas suportada pela empresa (incluída a CFEM), situou-se entre 13,7% (mínima) e 16,7% (máxima), o que não pode ser considerada uma carga elevada comparativamente a outros setores econômicos. Além disso, conforme informações divulgadas no Boletim do Setor Mineral, a Mineração Rio do Norte constava, no ano de 2020, como a nona empresa em volume de CFEM arrecadado. Em 2021, sequer aparece entre as dez primeiras empresas com maior arrecadação da CFEM.

Existe uma série de mecanismos que fazem com que a tributação do setor mineral seja considerada inferior aos demais setores. Isso pode servir como um incentivo adicional para a expansão da atividade mineira e deve ser visto com atenção, afinal, se desejamos preservar a Amazônia, estas empresas, ao contrário, deveriam ser desestimuladas a explorar os recursos naturais na região.

A CFEM é uma forma de apropriação da renda mineral, semelhante aos royalties do petróleo, que deveria compensar a cessão do uso de um bem público, esgotável, que pertence a toda a sociedade. Essa compensação, inclusive para as gerações futuras, que não poderão dispor do bem mineral é bem discutível, assim como a forma como são utilizados os recursos arrecadados deixa a desejar. Existe de fato uma compensação pelo uso de um patrimônio público? De qualquer modo, no Brasil ela está aquém do que é cobrado em países que são destaque na exploração mineral.

Ao que tudo indica, as isenções fiscais são as maiores responsáveis pela diminuição dos tributos pagos pelo setor mineral, altamente exportador. As renúncias tributárias acabam sendo, ao final, a disponibilização ao setor privado de recursos que seriam necessários para execução de políticas públicas e garantias de direitos. Ainda que seja prerrogativa dos Estados e possa ser utilizada como forma de incentivo econômico em determinada região, o resultado é altamente questionável.

A lógica deste incentivo para o lucro é que a empresa não distribua o lucro e reinvista na produção, no entanto, em atividades lucrativas como a mineração, pode se tornar um benefício para a empresa explorar mais do que seria necessário, com efeitos negativos para o meio ambiente.

A isenção do IRPJ se trata de um tipo de benefício que deveria ser revisto, vez que é urgente e indispensável, em escala planetária, proteger o bioma da Amazônia, sua biodiversidade e as comunidades indígenas e quilombolas. Esta é a principal razão para que o governo não estimule a prática da exploração mineral na região. Além disso, a concessão do benefício carece de lógica. Certamente nenhuma empresa vai extrair bauxita onde não há bauxita, mesmo que haja isenção ou redução de tributos. E quando concedido o incentivo, a contrapartida não alcança os mesmos patamares das isenções, ao mesmo tempo em que não são buscadas atividades econômicas alternativas e sustentáveis que independam da atividade de mineração.

A proporção de tributos incidentes nas exportações do setor mineral no Pará, nos últimos anos, tem oscilado entre 4 e 5% apenas, somando-se a CFEM e a TFRM. O desmatamento da Amazônia, os problemas sociais, econômicos e ambientais são de uma magnitude tal que requerem, no mínimo, mudanças legais, tais como o retorno da tributação estadual (ICMS) sobre os produtos minerais destinados à exportação, estimulando a criação de valor agregado. Ou, alternativamente, poderia ser instituído o imposto de exportação inversamente proporcional à elaboração dos produtos, ou seja, quanto maior o grau de elaboração, menor a incidência.

Finalmente, seria altamente desejável que as administrações tributárias dos entes federados se empenhassem em observar as operações que envolvem a extração e comercialização da bauxita, verificando o cumprimento das obrigações tributárias pelas grandes mineradoras. A singularidade destas operações, feitas entre empresas vinculadas, em um setor amplamente concentrado, diminui a possibilidade de a sociedade se apropriar de informações sobre o setor, demandando os seus direitos.

A transparência na publicação dos dados da arrecadação mineral é fundamental, especialmente por se tratar da exploração privada de um patrimônio público. A sociedade necessita de informações inteligíveis e de fácil acesso para avaliar se a renda gerada pelas empresas está sendo efetivamente tributada e garantindo as receitas que estão legalmente vinculadas aos direitos como saúde, educação e segurança.

Promover a maior fiscalização e a participação democrática em relação à exploração mineral é atuar de forma coerente com a proteção ambiental e com a garantia de direitos humanos e de vida digna a todas e todos.