Instituto Justiça Fiscal – IJF participa da Semana Acadêmica da UFRGS em evento promovido pelo DAECA- Diretório Acadêmico da Faculdade de Ciências Econômicas

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O dia 22 de outubro o IJF, representado pelos seus associados Antonio David Cattani, Rosa Chieza e Dão Real dos Santos. participou da palestra sobre a Reforma Tributária realizada no auditório da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, na qual foram abordados os temas internacionalização do capital, tributação e desigualdade.

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Inicialmente, o professor Antonio David Cattani discorreu sobre a dinâmica do capitalismo no século XXI e a movimentação do capital internacional. Segundo ele “existe um crescimento não equilibrado do capital, mas o capitalismo não está em crise. Nunca na história da humanidade se produziu tanta riqueza, tantas mercadorias, tanta inovação tecnológica”. O poder das grandes corporações, em países emergentes ou não, é extraordinário, assim como a acumulação do capital. A crise 2007-2010 já está afastada e o capitalismo segue crescendo.

Por outro lado, o crescimento das empresas não ocorre porque elas se especializaram, ou porque são mais produtivas, mas sim porque tem mais poder, praticam sonegação e, quando cobradas, transferem suas sedes para os paraísos fiscais. Não existe a livre concorrência, as grandes corporações são as primeiras a quebrar as regras do capitalismo, digamos, civilizado. Reportagem da edição de fevereiro da revista The Economist estima que trilhões de dólares escapam ao controle dos países, inclusive dos EUA, reconhecendo que há um movimento fantástico do capital pelo mundo.

O que ocorre de diferente no século XXI é que parte substantiva da riqueza gerada na esfera produtiva está sendo desviada para indivíduos, não fica mais nas corporações. Isso vale para sheiks árabes, magnatas excêntricos, multimilionários que, mesmo quebrando as empresas, mantém sua riqueza de forma extraordinária. Os responsáveis pelos bancos que quebraram em 2008 e receberam ajuda governamental, por exemplo, seguem com suas contas no exterior, mansões, iates, jatinhos e pensões exorbitantes. No Brasil também há milionários cuja apropriação de recursos é registrada nas empresas como custo que, posteriormente, será repassado aos consumidores.

O capitalismo, portanto, está em expansão, como jamais registrado na história, desequilibrando, solapando suas próprias bases e as de um crescimento mais equilibrado. Afirmou, ainda, o professor Antonio David Cattani em sua exposição “isso não decorre do acaso, porque a decisão de personalizar boa parte das riquezas é tomada no seio das próprias empresas, que até podem quebrar no médio prazo, mas com a garantia da acumulação dos recursos de forma individual. São os efeitos do poder das grandes corporações”.

O tema tratado a seguir foi a tributação no Brasil. “O Sistema Tributário é mera fonte de recursos para o governo fazer suas políticas públicas ou efetivamente pode ser utilizado para fazer distribuição de renda?”, questionou inicialmente a professora Rosa Chieza.

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Em 1891, quando da primeira Constituição, havia muita expectativa quanto à questão tributária, pois ela era muito regressiva, incidia principalmente sobre o consumo e pouco sobre a renda e o patrimônio. E um século depois, após tantas Constituições e Código Tributário, pouca mudança ocorreu. No final do século XX, os 10% dos mais ricos detinham 75% da riqueza, ou seja, pode-se dizer que o Sistema Tributário não exerce a função de distribuir renda. E, como disse Florestan Fernandes, uma mudança que não muda nada.

O que se verifica em relação a carga tributária brasileira é que ela não é a mais elevada do mundo, embora tenha se elevado ao longo dos últimos anos. Esse aumento ocorreu inclusive em decorrência de políticas macroeconômicas como aumento de taxa de juros e utilização de âncora cambial. Se os gastos governamentais aumentam, é preciso aumentar a receita tributária para manutenção do superávit primário. Mas o que se destaca é que a maior parte da arrecadação tributária deriva da tributação sobre o consumo e não sobre a renda, penalizando quem ganha menos. “O pobre tem elevada carga tributária, mas os detentores das maiores rendas não” . Então, há que relativizar a expressão muito disseminada por determinados segmentos da sociedade de que a carga tributária brasileira é muito elevada.

Com relação ao Índice de Gini, que mede a distribuição de renda em relação à carga tributária, observa-se que o Brasil tem uma elevada carga tributária e um Índice de Gini alto, ou seja, a distribuição de renda é pior do que nos países desenvolvidos, que apresentam carga tributária semelhante a do Brasil mas uma distribuição de renda melhor que a nossa. Em pesquisa realizada pelo IPEA em 2011 para verificar como a tributação incide sobre o Índice de Gini, constatou-se que houve uma melhora do índice em função da política de gastos em áreas sociais e não da tributação. Os tributos diretos contribuíram para a melhora do índice em 2,6%, mas os impostos indiretos pioraram em 4,7%, isto é, no cômputo geral, a tributação contribuiu para piorar o Índice de Gini.

O Índice de Desenvolvimento Humano – IDH do Brasil também é baixo, estamos em pior situação que Grécia, Portugal, Irlanda e Chile, por exemplo. “Não conseguimos melhorar a qualidade de vida mesmo com a carga tributária atual”, explicou a professora Rosa.

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Fechando as apresentações, Dão Real discorreu sobre a globalização e os fluxos internacionais de comércio. O que ocorre atualmente, segundo ele, “é um processo continuado de desnacionalização das empresas, que são orientadas não mais pelos estados nacionais, mas por uma lógica global”. A globalização tem por característica a pulverização dos processos produtivos e de negócios em diversos países e uma enorme concentração do poder decisório das grandes corporações, mas uma descentralização da produção que possibilita às empresas a obtenção de vantagens e benefícios que cada um dos países em que opera e, com isso, baixar seus custos operacionais. “Mas para pulverizar os processos produtivos, as portas dos países precisam estar permanentemente abertas para que as mercadorias possam circular livremente e, com isso, a desregulamentação dos fluxos comerciais e financeiros tem sido imposta aos Estados, que perdem parte da sua soberania”, afirmou Dão Real.

Observa-se que o volume de exportações cresceu 5 vezes nos últimos 20 anos e o PIB mundial praticamente dobrou. Além disso, houve uma enorme intensificação do comércio intra-firmas. A maior parte do comércio internacional ocorre por dentro das próprias empresas que, por conta disso, conseguem manipular seus preços de exportação e importação, o que lhes permite transferir seus lucros para paises com baixa ou sem tributação, fugindo assim aos controles dos fiscos.

As grandes empresas que atuam no comércio internacional conseguem diminuir drasticamente a tributação sobre seus lucros. Estima-se que as grandes multinacionais não paguem mais do que 5% de impostos sobre lucros em todo mundo em função do que se tem denominado como processo de erosão das bases de tributação. Isso porque as operações internacionais de comércio de mercadorias e de serviços envolvem normalmente uma grande quantidade de empresas coligadas, muitas delas situadas em paraísos fiscais espalhados pelo mundo. Além disso, as negociações são realizadas propositadamente de forma cada vez mais complexa, envolvendo inúmeras transferências financeiras para pagamentos de serviços, direitos e royalties, para empresas que muitas vezes sequer existem fisicamente. Esta forma de planejamento tributário agressivo envolve sempre escritórios de negócios e serviços que são localizados em paraísos fiscais, os quais são encarregados de realizar as transações comerciais e financeiras, atuando sempre como intermediários nas negociações, mas que na verdade representam verdadeiros esconderijos para salvaguardar recursos financeiros bilionários da tributação.

Um exemplo típico deste mecanismo de evasão é o caso da produção da banana dos paises centro e sul americanos. Um estudo elaborado por uma organização europeia, sob o título “A Viagem da Banana”, demonstrou que entre a comercialização da banana no país produtor e a venda da banana ao comprador europeu, ocorrem oito transações comerciais, todas elas realizadas por empresas sediadas em paraísos fiscais, de forma que para cada 100 euros vendidos de banana na Europa, apenas 20 euros volta para o país produtor. O restante fica retido nos paraísos fiscais. Ou seja, as empresas multinacionais produzem prejuízos nos países produtores e lucros astronômicos em paraísos fiscais.

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Não é a toa que os países do G-20, do G8 e a OCDE estão extremamente empenhados em criar mecanismos para reduzir esta verdadeira sangria de recursos públicos. A cada ano, estima-se que 160 milhões de dólares são “perdidos” pela prática da evasão decorrente desse mecanismo que atinge inclusive os paises desenvolvidos. Os mecanismos de controle se revelam insuficientes para evitar as perdas financeiras, tanto para países em desenvolvimento quanto para os desenvolvidos.

“Esse mecanismo tornou-se uma verdadeira armadilha que impede ou dificulta a construção de um sistema tributário mais justo que possa tributar mais a riqueza e o patrimônio e menos o consumo”, afirmou Dão Real. Segundo ele, “o valor estimado de evasão ate 2015 daria para cumprir 2,7 vezes o custo das metas para o milênio fixadas pela ONU”.

A maior parte dos recursos que estão hoje depositados nos paraísos fiscais é dinheiro procedente do comércio internacional, ou seja, são as grandes corporações que transferem seus lucros para os paraísos fiscais. O Brasil é o 4º país com maior riqueza nos paraísos fiscais com um valor estimado de 500 bilhões de dólares.

Além da exagerada desregulamentação do comércio internacional das grandes corporações e dos fluxos financeiros, também o sistema político brasileiro, controlado pelos interesses privados das grandes empresas tem se convertido em armadilha que impede a implementação de uma tributação mais progressiva. Na eleição de 2010, por exemplo, 75% do dinheiro utilizado na campanha política dos deputados e senadores eleitos veio diretamente das empresas.