IGF ajudaria a qualificar transportes, saúde, educação. Previsto na Constituição, nunca foi regulamentado: dez mil famílias gerariam 20 bi.
Por Cristiano Lange dos Santos e Marcelo Sgarbossa, na Carta Maior
As jornadas de junho, movimento que inflamou a cidadania em 2013, nos permitiram sonhar com o desengavetamento de questões pontuais esquecidas no Congresso Nacional há anos. É o caso da Reforma Política, que se transformou numa piada com a aprovação de um projeto que não melhora em nada o atual sistema eleitoral.
Outro ponto importante das manifestações diz respeito à implementação do chamado Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Afinal, o grito que entoava das ruas era “os ricos vão pagar”.
Embora o IGF esteja previsto no artigo 153 da Constituição Federal de 1988, até agora essa norma ainda não foi regulamentada. Esta medida tem como fato gerador a taxação de grandes fortunas, consideradas o patrimônio de pessoas físicas e jurídicas, apurado anualmente, cujo valor ultrapasse determinado limite. Seria cobrado de forma progressiva, e bem que poderia ajudar a custear o passe livre ou subsidiar o valor das tarifas do transporte público.
Vale lembrar que essa é uma tendência mundial. Nos Estados Unidos, por exemplo, se está discutindo a sua implementação numa iniciativa do presidente Obama. A Alemanha, que aboliu o IGF na década passada, também debate a sua reedição para conter a crise econômica. Na França, recentemente foi aprovado um imposto especial de 75% sobre os altos rendimentos, por um período de dois anos, relacionado ao produto do capital superiores a um milhão de euros por ano como forma de recuperar a economia do país que está em recessão econômica. Na América do Sul, Argentina, Uruguai e Colômbia são exemplos de países que tributam progressivamente a riqueza.
Já no Brasil, a instituição do IGF prevê uma arrecadação de R$ 10 bilhões com a cobrança de tributos sobre a fortuna de apenas dez mil famílias. Dentro desse universo, a estimativa é de que cinco mil famílias teriam um patrimônio equivalente a 40% do Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja, o percentual de famílias afetadas pela metade e que teria de pagar o imposto corresponde a 0,04% do total que declara o Imposto de Renda no País.
Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstra que 2,5% das famílias mais ricas do mundo, isto é, inseridas no grupo de 1% com as maiores fortunas, são famílias brasileiras. O dado demonstra o potencial de arrecadação do IGF, já que em países como França, Argentina e Uruguai este grupo social representa 1,6%, 1,5% e 6,3%, respectivamente.
Temos a convicção de que a criação do IGF asseguraria maior justiça tributária, ao aplicar o principio constitucional da capacidade contributiva, que propõe distribuir a carga tributária global entre os contribuintes de acordo com a sua aptidão em pagá-la. Assim, a tributação da riqueza representa a aplicação direta do caráter distributivo do sistema, ao taxar quem tem mais como um princípio de justiça social.
Até porque o atual sistema tributa o consumo, onerando as classes menos privilegiadas por meio dos impostos indiretos e cumulativos, tal como o ICMS, que não têm o critério da equidade como objetivo final para desconcentrar a riqueza.
Diante disso, é fundamental implementar o IGF de modo que a Constituição não se transforme em mera folha de papel, haja vista estar aguardando a sua regulamentação pelo “silencioso” Congresso Nacional há 25 anos.
Portanto, cumpra-se a Constituição!
Cristiano Lange dos Santos é advogado. Especialista e Mestre em Direito, foi Professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito. Atua como Procurador Jurídico do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS.
Marcelo Sgarbossa é advogado. Mestre e Doutorando em Direito pela UFRGS. Vereador em Porto Alegre pelo Partido dos Trabalhadores (PT).