Imposto de Renda: tributa os pobres para aliviar os ricos

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por Dão Real Pereira dos Santos

“A reforma da tributação da renda precisa inverter esse processo contínuo de transferência do peso para os mais pobres, aliviando os ricos” – Tomaz Silva/Agência Brasil

O Poder Executivo deverá encaminhar ao Congresso Nacional projeto de Lei para reformar a tributação da renda, em até 180 dias da promulgação da PEC 45/2019, em tramitação no Senado.

A reforma da tributação da renda deve colocar os ricos no IR para reduzir as desigualdades sociais

Dizer que é preciso voltar a tributar lucros e dividendos, acabar com os juros sobre o capital próprio e que as rendas do capital devem ser tributadas, no mínimo, no mesmo nível das rendas do trabalho já é lugar-comum nos debates sobre a reforma tributária. Para além disso, é importante perceber que o deslocamento do peso da tributação para os mais pobres, não ocorre apenas na tributação do consumo, mas também no Imposto de Renda e é reflexo direto do alívio fiscal concedido aos mais ricos. Neste debate, portanto, há credores, que pagam mais do que poderiam, e devedores, que pagam menos do que deveriam.

Entre 2007 e 2020, os contribuintes com rendimentos de até 3 salários-mínimos mensais tiveram mais de 520% de aumento na sua alíquota efetiva de Imposto de Renda. Para quem estava na faixa entre 3 e 5 salários-mínimos, esse aumento foi ainda maior, ultrapassando a 1500%. Isso é o que demonstram os números das Declarações de Imposto de Renda disponíveis em “Publicações”, no site da Receita Federal. Para as altas rendas, ocorreu o contrário. Quem ganhava mais de 320 salários-mínimos foi tributado, em 2020, com uma alíquota efetiva quase 20% menor do que em 2007, e quem tinha renda entre 80 e 320 salários-mínimos teve alíquota efetiva, 2020, cerca de 40% menor que em 2007.

Em valores atualizados pelo IPCA, são R$ 32,8 bilhões a mais de imposto, pago entre 2007 e 2020 por quem ganhava até 5 salários-mínimos mensais, ou seja R$ 5.225,00 (O valor do salário-mínimo em 2020 era de R$ 1.045,00), enquanto os contribuintes com rendimentos superiores a 320 salários-mínimos, que correspondia a R$ 334.400,00 por mês, tiveram redução de aproximadamente R$ 26,1 bilhões, neste período.

Quando comparamos os contribuintes com rendas mensais de até 7 salários-mínimos com aqueles com rendimentos superiores a 80 salários-mínimos por mês, percebemos que os primeiros pagaram R$ 125 bilhões a mais de imposto contra R$ 117 bilhões a menos pagos pelos segundos.  

Essas diferenças foram calculadas apenas em relação à variação das alíquotas efetivas, sem considerar a variação na quantidade total de contribuintes. A Figura 1 mostra como a distância entre as alíquotas efetivas destas duas faixas de renda diminui de forma muito expressiva no período analisado.

Figura 1 – Evolução das alíquotas efetivas do IRPF, entre 2007 e 2020, para rendas de até 7 salários-mínimos e de mais de 80 salários-mínimos.

Fonte: elaboração própria com dados abertos das DIRPF, publicados no site da RFB

Se essas alíquotas efetivas tivessem se mantido nos níveis de 2007, os contribuintes de menores rendas teriam economizado aproximadamente o mesmo valor que os contribuintes mais ricos deixaram de pagar durante esse período.

Os dados das declarações deixam evidente que os contribuintes de rendas menores passaram a pagar cada vez mais imposto proporcionalmente a sua renda para compensar as perdas de arrecadação que decorreram da desoneração dos mais ricos. O que explica esse movimento ascendente das alíquotas efetivas das baixas rendas foi o congelamento da tabela, que fez com que uma mesma renda, de um ano para o outro, passasse a ser submetida a uma alíquota efetiva cada vez maior. Em relação às altas rendas, a redução da alíquota efetiva se deu basicamente por efeito da isenção dos lucros e dividendos distribuídos, que representam mais de 60% do rendimento total dos contribuintes nas faixas de renda superior a 80 salários-mínimos mensais. Entre 2007 e 2020, a parcela tributável da renda total deste grupo de contribuintes reduziu 35%, ou seja, sua parcela de renda isenta cresceu na mesma proporção.

A Figura 2 mostra o comportamento regressivo das alíquotas efetivas a partir das rendas mais elevadas, em três momentos distintos durante o período de 2007 e 2020.

Figura 2 – Alíquotas Efetivas entre 2007 e 2020, nos anos de 2007, 2014 e 2020

Fonte: elaboração própria com dados abertos das DIRPF, publicados no site da RFB

Percebe-se que o crescimento das alíquotas efetivas das rendas mais baixas e a sua redução para rendas maiores. Além disso, fica claro também que a alíquota média mais elevada diminuiu no período e se deslocou para rendas mais baixas. Em 2007, era de 12,38% e incidia na faixa entre 40 e 60 salários-mínimos. Já em 2020, passou para 10,58%, incidindo na faixa entre 20 e 30 salários-mínimos. Tomando 2007 como referência e considerando que as rendas mensais superiores a 60 salários-mínimos tivessem sido submetidas à alíquota efetiva máxima de 12,38%, esses contribuintes, que eram 318 mil, em 2007, e 290 mil, em 2020, deveriam ter pago cerca de R$ 357 bilhões a mais de Imposto de Renda do que efetivamente pagaram.   

A reforma da tributação da renda precisa inverter esse processo contínuo de transferência do peso para os mais pobres, aliviando os ricos, e iniciar um movimento no sentido oposto, tributando mais as altas rendas e desonerando os mais pobres. Para que isso ocorra, é fundamental que os setores de baixas rendas, que vêm sendo tributados a alíquotas efetivas cada vez maiores, participem efetivamente dos debates e se mobilizem para que a reforma da tributação da renda seja de fato para colocar os ricos no Imposto de Renda e para reduzir as desigualdades sociais.

Edição: Katia Marko