Grazielle: Direitos cabem no Orçamento; "bolsa milionário", não

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As medidas anunciadas pelo presidente provisório Michel Temer (PMDB-SP) apontam para reduzir o gasto público – com cortes em políticas e direitos sociais. A justificativa é equilibrar as contas do governo. Trata-se do antigo mantra neoliberal de que as garantias da Constituição de 1988 não cabem no Orçamento. No entanto, segundo Grazielle David, especialista em orçamento público, o que não cabe nas planilhas financeiras do Estado é o que ela chama de “bolsa milionário”.
Por Joana Rozowykwiat

 

A expressão, ela explica, faz referência ao fato de que, no Brasil, ricos e super-ricos possuem privilégios fiscais que pesam nas costas dos mais pobres e prejudicam a arrecadação. Grazielle, que é assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), defende então o fim de regalias e a ampliação de tributos para as camadas mais altas da sociedade.
“O que não cabe no Orçamento é a isenção de Imposto de Renda nos Lucros e Dividendos, a carga tributária regressiva que pesa muito mais sobre os mais pobres e a classe média, a sonegação e a evasão fiscal e a dívida ativa da União”, exemplifica, em entrevista ao Portal Vermelho.
De acordo com ela, o governo interino age de forma irresponsável ao querer implementar medidas que prejudicam o trabalhador, sobre quem já pesa uma carga tributária alta, injusta e regressiva. “Cortar os direitos justamente daqueles que mais contribuem, proporcionalmente, é o auge da irresponsabilidade, do descompromisso e da incapacidade de um governo”, afirma.
Nas duas primeiras semanas, a equipe de Michel Temer já declarou que o país não tem condições de sustentar a universalidade do acesso à Saúde; defendeu a cobrança de mensalidades para cursos de extensão e pós-graduação em universidades públicas; cancelou a construção de unidades do programa Minha Casa, Minha Vida; propôs uma reforma da Previdência com redução de direitos e ampliação da idade mínima; decidiu priorizar uma reforma trabalhista precarizante; anunciou o congelamento dos gastos públicos, inclusive em áreas subfinanciadas, como Saúde e Educação, entre outros.
Sem querer desagradar empresários e políticos que apoiam o impeachment e combatem a elevação de tributos, o presidente provisório evitou, até então, propor mais impostos. Grazielle, contudo, aponta que redistribuir a carga tributária, aumentando-a para as parcelas mais ricas da sociedade e desonerando as camadas mais baixas, além de promover uma maior justiça fiscal pode ajudar a alcançar o tão almejado equilíbrio nas contas públicas.
“As opções não são apenas cortar despesas ou aumentar a carga tributária. A justa e real opção é redistribuir a carga tributária, acabar com os privilégios”, diz.


Lucros e dividendos

Grazielle ressalta que grande parte da estrutura tributária do país está baseada em impostos indiretos, ou seja, que incidem sobre o consumo de bens e serviços e não sobre a renda e a propriedade. Isso significa que, proporcionalmente, os mais pobres pagam mais impostos, já que possuem renda inferior, mas pagam o mesmo preço que os ricos por produtos e serviços. Além do mais, toda a sua renda é utilizada no consumo, enquanto uma parte importante da renda dos mais ricos acaba convertendo-se em riqueza e patrimônio, cuja tributação é menor.
O Projeto Isonomia, iniciativa construída por diversas organizações da sociedade civil, incluindo o próprio Inesc e o Instituto Justiça Fiscal (IJF), propõe então alterações na cobrança do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), de modo a tornar mais justa a tributação brasileira.
De acordo com o estudo, o IRPF representa somente 2,7% da arrecadação total do país, enquanto a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 8,5%. O Projeto Isonomia apresentauma série de propostas, que elevariam a participação deste imposto na carga tributária total para 5,4%, número mais próximo da média mundial.
O primeiro passo seria alterar a Lei 9.249/95. Tal norma, aprovada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), instituiu a isenção de Imposto de Renda sobre os lucros e dividendos, dando uma ajudinha ao andar de cima. Entre todos os países da OCDE, somente Brasil e Estônia têm essa isenção sobre lucros e dividendos.
“Um dos problemas da tributação brasileira é a falta de isonomia. A gente taxa muito mais as rendas oriundas do trabalho que a renda proveniente do capital. As altas rendas são predominantemente originárias do capital. Grande parte daqueles que recebem acima de 40 salários mínimos tem rendas originadas da distribuição de lucros e dividendos e é, portanto, isenta de pagar o tributo. Quando crio um tratamento não isonômico, privilegio justamente as maiores rendas”, diz Dão Real Pereira dos Santos, diretor de Assuntos Institucionais do IJF.
Conforme informações colhidas pelo Projeto Isonomia, o Relatório da Receita Federal do Brasil de 2013 mostra que, apenas em rendas relativas a lucros e dividendos, foram declarados naquele ano R$ 231,30 bilhões. Se este valor fosse submetido à mesma tabela progressiva que incide sobre as rendas tributáveis, considerando uma alíquota média de 25%, o resultado poderia gerar cerca de R$ 58 bilhões em Imposto de Renda.
Faixas
Um segundo passo seria criar novas faixas com alíquotas diferentes, na tabela do IRPF. Atualmente o tributo é cobrado a partir de cinco faixas, conforme tabela abaixo.

De acordo com Grazielle, hoje, a tabela só é progressiva até determinado ponto. “Quando a gente chega na parcela acima de 30 salário mínimos, mais ou menos 27 mil reais, a partir daí ela fica regressiva. Então há uma injustiça fiscal dentro dela”, opina, afirmando que essa progressividade chega apenas até uma classe média alta, deixando os ricos e milionários de fora.
Segundo ela, o fato de existirem apenas cinco faixas faz com que não seja possível separar adequadamente a porcentagem que cada grupo realmente deveria pagar. “Há gente com salário que não é tão alto, mas que paga uma alíquota elevada. Por outro lado, o limite ainda é muito baixo para quem realmente está na ponta, ou seja, quem recebe muito mais”, compara a assessora do Inesc.
“Os milionários – o 0,1% da população brasileira que é mais rico – pagam menos impostos, proporcionalmente, que a classe média hoje”, diz.
Para equalizar a questão, o Projeto Isonomia propõe estabelecer oito faixas na tabela do imposto, conforme tabela abaixo.

“É um estudo prévio, ousado, que oferecemos para debate. Uma simulação que parte dos dados da Receita Federal de segregação de renda por salário mínimo. Nele, interpolamos as alíquotas por faixa de renda, o que produziria uma desoneração da base da pirâmide e uma oneração maior do topo”, conta Dão Real Pereira dos Santos. O modelo proposto utiliza como referência para estabelecer o limite de isenção o salário mínimo calculado pelo DIEESE (R$ 3.299,66 em 2015).
“Eliminando a isenção na tributação dos lucros e dividendos e aplicando esta tabela, 97,3% dos contribuintes do IR, que ganham até R$ 27.120,00, irão pagar menos imposto de renda. Já quem ganha acima dos R$ 27.120 – apenas 2,7% dos contribuintes – irá pagar um pouco mais”, resume Grazielle.
Dão dos Santos lembra que, além de corrigir injustiças, a nova tabela ainda contribuiria para injetar dinheiro na economia, pois haveria uma redução da tributação do IR para as rendas mais baixas enquanto o topo da pirâmide passaria a pagar mais Imposto de Renda.
De acordo com estudo do Projeto Isonomia, com estas medidas, espera-se uma elevação da arrecadação do IRPF total; uma redução substancial da carga tributária incidente sobre as baixas rendas, especialmente os salários dos trabalhadores; uma redução da desigualdade social; e a criação de condições para uma efetiva redução da tributação sobre o consumo, reduzindo o custo de produção e, consequentemente, os preços médios dos produtos nacionais.
Segundo cálculo das entidades que construíram o projeto, se taxados lucros e dividendos e aplicada a tabela proposta, a arrecadação subiria cerca de R$80 bilhões, que representa quase a metade do déficit de R$170,5 bilhões que o governo provisório prevê para 2016.
“Melhor redistribuído, o IR contribui mais com o orçamento e promove justiça fiscal tanto na arrecadação quanto depois, na execução, porque é mais verba para investir em políticas públicas que garantem direitos. Além disso, com os recursos economizados, a classe média, que passaria a pagar mesmo imposto, poderia utilizar seu dinheiro de outra forma, movimentando a economia brasileira”, completa Grazielle.
Sonegação
A assessora do Inesc propõe ainda algumas medidas que, avalia, teriam importante efeito sobre a sonegação e a evasão fiscal, grandes destruidores do orçamento nacional. Entre elas, está a criação de uma força-tarefa no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), com analistas e auditores da Receita Federal para acelerar os processos dos devedores da União, o que poderia gerar uma receita de até R$ 913 bilhões.
Grazielle defende ainda a cobrança imediata dos valores de Dívida Ativa da União que já tiveram os processos transitados em julgado. Ela avalia que tal medida poderia devolver R$ 236 bilhões aos cofres públicos.
Outra ação que a especialista em orçamento público sugere é o direcionamento dos servidores da Receita Federal para o controle da evasão e da sonegação fiscal, que, em 2015, previa-se que atingiria mais de R$ 500 bilhões.
Já o IJF propõe a modificação da lei sobre os crimes contra a ordem tributária, como forma de acabar com a impunidade. Atualmente, se alguém comete algum crime tributário, enquanto não transitar em julgado a cobrança dos tributos, o sonegador não responde pelo crime.
E, mesmo depois de encerrado o processo na via administrativa – coisa que pode levar em média 8 anos -, se o sonegador pagar ou parcelar a dívida tributária, também não poderá ser condenado pelo crime. “Que outro crime deixaria de ser punido simplesmente pela reparação do dano?”, questiona Dão dos Santos.


Disponível em http://www.m.vermelho.org.br/noticia/281497-1