Estudo prova que riqueza concentrada decorre de impostos não cobrados

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Parte da fortuna acumulada resulta da não tributação de altas rendas e heranças, comprova Instituto Justiça Fiscal

Mais de R$ 650 bilhões é o valor que as classes mais ricas deixaram de pagar de imposto entre 2007 e 2018 por conta da regressividade das alíquotas sobre os ganhos para as altas rendas. Neste período, os contribuintes com rendas acima de 30 salários mínimos passaram a pagar cada vez menos, pois seus índices diminuíram ano a ano, ao contrário daqueles com rendas mais baixas que pagaram mais imposto a cada ano.

“Os contribuintes mais ricos tiveram também um crescimento muito maior no valor das suas riquezas acumuladas neste período do que os demais contribuintes”, conclui o vice-presidente do Instituto Justiça Fiscal (IJF) e autor do estudo, Dão Real Pereira dos Santos. O valor médio do patrimônio daqueles que estão entre os 0,01% da população mais rica do país é 610 vezes maior do que dos 80% da população que ganha até cinco salários mínimos, comprova a análise respaldada pela equipe técnica do IJF.

O estudo “Concentração de Riquezas no Brasil”publicado em fevereiro, conclui que esta acumulação de riquezas se dá em parte por uma ineficiência da tributação sobre a renda em capturar uma parcela dos altos rendimentos e, também, por uma baixa tributação sobre as grandes heranças e doações.

A regressividade das alíquotas efetivas do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), juntamente com a reduzida alíquota máxima sobre doações e heranças aceleram a concentração das riquezas no topo da pirâmide social, explica o auditor. “Além de injusta, por aprofundar a desigualdade, a concentração de renda e riqueza dificulta a própria circulação da renda nas atividades econômicas, já que parte significativa das grandes fortunas não se converte em investimento produtivo, mas tão somente em aplicações financeiras especulativas ou em patrimônio imobilizado”, traduz o autor.

“O super -rico praticamente não paga imposto de renda como pessoa física, pois o Brasil isenta a maior parte da renda do capital. Junta-se a isso a baixa tributação das heranças e temos os herdeiros super-ricos que gostam de falar de meritocracia, mas que o único ‘mérito’ é descenderem de milionários”, registra o Diretor Técnico do IJF, Marcelo Lettieri

“Somente uma tributação sobre as fortunas dos ricos corrigiria a injustiça fiscal que impera no país desde sempre”, completa. Lettieri observa que este segmento compra os ‘melhores especialistas que o dinheiro pode comprar’ para desqualificar “tecnicamente” qualquer proposta tributária que minimamente possa alcançar suas fortunas. “O estudo do IJF mostra as falácias desses ataques e revela que o momento é de finalmente fazer os super- ricos pagarem parte da conta”, conclui Lettieri.

 Quem mais ganha é isento de Imposto de Renda

A reduzida tributação das altas rendas se dá porque grande parte dos ganhos é isento do imposto de renda. A isenção dos lucros e dividendos distribuídos aos sócios e acionistas das empresas, criada em 1995 pela Lei 9.249, fez com que grande parte das rendas mais elevadas não seja tributada pelo IRPF.

As tabelas constantes nos relatórios dos Grandes Números das DIRPF, publicados pela Receita Federal Brasileira, referentes ao período de 2007 a 2018, revelam que os contribuintes com rendas mensais superiores a 320 salários mínimos, que correspondem, em média, a 0,1% do total de contribuintes, chegam a ter perto de 90% de suas rendas isentas de tributação.

Analisando a evolução do crescimento da riqueza no período de 2007 a 2019 a partir das publicações dos Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas deste período, o estudo demonstra que há relação direta entre esse fenômeno e a insuficiente tributação das altas rendas.

A metade do valor total dos bens e direitos dos contribuintes do IRPF está concentrada nas mãos de apenas 4% dos declarantes (com rendas superiores a 30 salários mínimos), enquanto a outra metade está distribuída entre 96% dos contribuintes com rendas inferiores a 30 salários mínimos.

Neste trabalho, também fica claro que, em relação às doações e heranças, são os contribuintes com rendimentos mais elevados que recebem os valores mais significativos, o que contribui para a perpetuação das condições sociais e econômicas entre as diferentes gerações.

Bilionários mais ricos, apesar do pouco crescimento

A publicação explica que o ápice no valor médio das riquezas dos bilionários brasileiros aconteceu entre 2016 e 2018, quando o valor per capita das riquezas variou entre R$ 12 e R$ 15 bilhões. Publicações da revista Forbes foram usadas no estudo para demonstrar a coerência com o comportamento das riquezas declaradas nas DIRPF. 

O valor total dos bens e direitos declarados em 2018 foi de aproximadamente R$ 9,3 trilhões, dos quais um terço está concentrado nas mãos de 0,64% dos contribuintes do IRPF, que representam somente 0,092% da população, detalha o documento. 

“O patrimônio dos mais ricos cresceu muito mais do que a média de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita. Entre 2014 e 2017, justamente no período de maior queda do PIB per capita (perda acumulada de aproximadamente 8,5%), a riqueza dos mais ricos teve recordes de crescimento, acumulando mais de 20% de alta”, afirma o vice-presidente do IJF.

O estudo também observa que o crescimento mais acentuado do valor médio das riquezas coincide com o período de instabilidade política no Brasil, quando ocorreu o impedimento da presidenta Dilma Rousseff.

Dão Real observa que o período também apresentava queda na atividade econômica, aumento do desemprego e congelamento dos gastos públicos. “Além de outras reformas que interromperam o processo de construção do Estado social, iniciado com a Constituição Federal de 1988”, contextualiza o autor.

Ricos ficaram mais ricos também na pandemia

Entre abril e julho de 2020 os 42 bilionários brasileiros aumentaram suas fortunas em plena pandemia, agregando mais de R$ 176 bilhões aos seus patrimônios, enquanto a crise se agravou e milhares de pessoas perderam emprego e renda, e pequenos e médios negócios fecharam as portas.

“A aceleração da concentração de renda em período de crise como estamos vivendo não é fato isolado. Traz consequências perversas, aprofunda a desigualdade social e precariza ainda mais a vida dos mais pobres. Além disso, retroalimenta a própria crise, impedindo a retomada da normalidade econômica”, pontua o pesquisador.

A elevada concentração da riqueza e da renda no Brasil coloca o país na segunda posição em concentração da renda total pelo 1% mais rico, perdendo apenas para o Catar. Também ostenta a sétima posição entre os países com maior número de bilionários. “É importante para compreender o tamanho da dificuldade para cumprir os desígnios constitucionais, mas é, também, essencial para a construção de propostas de mudanças das legislações tributárias para reduzir as desigualdades”, entende Dão Real.

Cresce movimento para tributar fortunas e reduzir desigualdade

Vários países têm mecanismos para tributar grandes patrimônios, heranças e altas rendas. Na América Latina, Argentina e Bolívia implementaram o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) recentemente e outros países seguem a trilha. No Brasil, esse imposto consta na Constituição desde 1988 e é o único tributo que não foi implementado.

A exorbitante desigualdade tributária no Brasil desencadeou um movimento nacional formado por mais de 70 entidades, que levou oito projetos ao Congresso Nacional, em agosto passado, oferecendo medidas tributárias emergenciais já formatadas direcionadas à justiça fiscal.

O pacote emergencial ofertado ao Parlamento, permite arrecadar quase R$ 300 bilhões, tributando apenas os mais abastados (0,3% da população). Propõe reduzir impostos para os que ganham menos e pequenas empresas, modificar regras de repartição, aumentando em R$ 83 bilhões a receita para os Estados, em R$ 54 bilhões, para os Municípios. “Somente o Estado pode estabelecer regras para controlar o aumento contínuo e acelerado da concentração de renda e riquezas. Para isso é preciso cobrar tributos de forma progressiva, garantindo direitos sociais universais e vida digna à população, especialmente aos mais necessitados, e adotando medidas que garantam políticas de valorização do trabalho e dos salários”, pondera o autor do estudo, também um dos formuladores dos Projetos de Lei encaminhados ao Congresso.

Para ele, interromper este processo de acumulação sem limites é condição fundamental de coesão social, e elemento de promoção da atividade produtiva. “É preciso ampliar e tornar efetiva a tributação sobre as altas rendas e sobre as grandes fortunas, garantindo-se, assim, as condições objetivas para o cumprimento do que determina o Artigo 3º da Constituição Federal, como nossos objetivos fundamentais: promover o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, conclui o estudioso do tema e um dos defensores da campanha Tributar os Super-Ricos.

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