Abordamos, anteriormente, a abertura e o primeiro painel do evento de lançamento do livro da Reforma Tributária Solidária, realizado no Plenarinho da Assembleia Legislativa, na tarde do dia 14/08. Promovido pelo Instituto Justiça Fiscal (IJF), com o apoio da Fundação Friedrich Ebert (FES), o encontro contou com três painéis de discussão: Desigualdade e Tributação sobre a Renda, Tributação sobre Consumo no Contexto Latino-americano e Desafios e Perspectivas – Papel da Reforma Tributária.
No segundo painel, a discussão girou em torno da tributação sobre o consumo, no Brasil e na América Latina, onde ficou evidenciado, mais uma vez, que é necessário mudar a matriz tributária brasileira. Segundo o diretor da Fenafisco Pedro Lopes de Araújo Neto, “a alta tributação sobre o consumo decorre diretamente da baixa tributação sobre a renda”. O Brasil é o segundo país com maior carga tributária sobre bens e serviços, superado apenas pela Hungria, segundo levantamento feito com base nos dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE). Pedro Lopes afirmou também que “quem paga imposto de renda no Brasil é a classe média assalariada”. Ele trouxe, ainda, o exemplo dos Estados Unidos, país citado como exemplo e referência e que, na verdade, tributa muito mais a renda e por isso, pode tributar muito menos o consumo. “O Brasil tem uma fórmula inversa. Por ele cobrar muito pouco da renda, vai cobrar do consumo. Se o empresário não paga, quem vai pagar é o trabalhador”, disse.
Para Jorge Coronado Marroquín, membro da Comisión Nacional de Enlace, da Costa Rica, e da Red sobre Deuda, Desarrollo y Derechos, (Latindadd), em quase toda a América Latina, a carga tributária é está muito aquém do que necessitariam os países, o que dificulta sobremaneira a efetivação das políticas públicas. Trazendo dados referentes a este continente, Coronado mostrou que a evasão fiscal na América Latina é de 6,7% do Produto Interno Bruto (PIB), maior que o gasto público em investimentos na região, em média 4,5% do PIB. Além disso, de cada 10 ,00 dólares possíveis de serem arrecadados em Imposto sobre Valor Agregado (IVA), somente se cobram 5,7 dólares, se perdoam 2,00 dólares e se perdem 3,20 dólares por evasão. São dados bastante preocupantes, que merecem atenção especial. Torna-se fundamental, assim, ter uma agenda regional e global pela justiça fiscal, que inclui controle fiscal das transnacionais, combate à opacidade tributária global, efetivação de um sistema fiscal inclusivo, relativização do poder das corporações sobre os países e incorporação, na agenda dos movimentos sociais, da temática fiscal.
João Carlos Loebens, auditor-fiscal da Receita Estadual do Rio Grande do Sul e diretor do IJF, foi direto ao ponto: “Que caminhos vamos escolher? O da Suécia e Alemanha? Ou da África e do México?” Se a opção for por um país com mais equilíbrio e mais justiça fiscal e social, certamente algumas mudanças seriam indispensáveis. Para ele, é preciso acabar com a Lei Kandir, pois produz desindustrialização, diminui o PIB no Brasil e aumenta no exterior, não gera empregos e prejudica sobremaneira o federalismo. Além disso, Loebens indica que o aumento de recursos, sem aumentar tributos, passa pela revisão das renúncias fiscais e o combate à sonegação. E também não podemos deixar de observar o contexto internacional, em que grandes corporações promovem fugas de capital aos chamados paraísos fiscais, sem os quais as transações obscuras e ilegais seriam bastante residuais.
Na terceira e última parte, os painelistas discorreram sobre desafios e perspectivas para uma reforma tributária solidária. Para Rafael Georges, coordenador de campanhas da Oxfam Brasil, a reforma tributária deve ser progressiva, conferindo maior justiça fiscal e social. Além disso, é preciso revogar a emenda do teto dos gastos públicos, que gerou uma verdadeira competição entre os gastos sociais e também partes da reforma trabalhista. Em estudo divulgado recentemente pela entidade, cinco pessoas no brasil possuem patrimônio equivalente ao de 100 milhões de brasileiros. Assim, não é difícil comprovar que a desigualdade brasileira é espantosa.
Grazielle David, do Instituto Nacional de Estudos Sócioeconômicos (INESC), analisou o cenário brasileiro e afirmou: “existem dois projetos de reforma tributária, a reforma tributária solidária e uma outra proposta, que é uma mera simplificação tributária”. Em um cenário bastante restritivo de gastos públicos, com cortes nas políticas sociais, fazer uma mera simplificação vai reafirmar a injustiça e inviabilizar a redução da desigualdade. São duas perspectivas, de um lado, reduzir a tributação indireta e ampliar a tributação direta e, de outro, manter os gastos sociais. Estudos já comprovaram que gastos são investimentos sociais, não gastos, com efeito dinamizador da economia. Além destes temas, Grazielle, que também integra o Conselho da Red de Justicia Fiscal de América Latina e Caribe, falou sobre as propostas que a Rede defende para conferir maior justiça fiscal e social aos países vizinhos e que estão alinhadas com as da Comissão Independente para a Reforma da Tributação Coorporativa Internacional (ICRICT).
Encerrando o painel, o coordenador do projeto do livro da Reforma Tributária Solidária e professor do Instituto de Economia da Unicamp, Eduardo Fagnani, explicou as oito premissas sob as quais o livro foi elaborado, que são: a reforma deve considerar a perspectiva do desenvolvimento econômico e social do país; o fortalecimento do Estado de bem-estar social, sendo instrumento de redução de desigualdades; a ampliação da tributação da renda e do patrimônio; a redução da tributação sobre bens e consumo e sobre folha de pagamento; o restabelecimento das bases do equilíbrio federativo; a tributação ambiental; o aperfeiçoamento da tributação sobre o comércio internacional e, por último, considerar o fomento de ações que resultem em aumento de receitas sem aumentar a carga tributária”.
De acordo com Fagnani, um segundo livro, também coordenado por ele, será publicado em breve, no qual serão apresentadas simulações e propostas concretas que podem trazer um incremento de 400 bilhões de reais na arrecadação, via aumento da tributação direta. De outro lado, uma redução de R$ 280 bilhões na tributação sobre o consumo. A proposta, segundo ele, é “conferir mais progressividade e aproximar o Brasil da média dos 34 países da OCDE”.
A atividade fez parte da divulgação do livro “A Reforma Tributária Necessária: Diagnósticos e Perspectivas”, iniciativa da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e que reuniu mais de 40 especialistas, resultando em um livro com 39 artigos e mais de 800 páginas.
A conclusão é que O Brasil pode, sim, ter um sistema Tributário mais justo, alinhado com a experiência internacional de sucesso, com equilíbrio federativo e garantindo fontes de financiamento do Estado de bem-estar social preconizado pela Constituição Federal de 1988.
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