As exposições dos especialistas no evento de lançamento do livro da Reforma Tributária Solidária, realizado no Plenarinho da Assembleia Legislativa, na tarde do dia 14/08, não deixaram dúvidas: é preciso mudar a lógica do sistema tributário brasileiro, tributar mais a renda, menos o consumo. Promovido pelo Instituto Justiça Fiscal (IJF), com o apoio da Fundação Friedrich Ebert (FES), o encontro contou com três painéis de discussão: Desigualdade e Tributação sobre a Renda, Tributação sobre Consumo no Contexto Latino-americano e Desafios e Perspectivas – Papel da Reforma Tributária.
No primeiro painel, a economista Verónica Serafini, de Decidamos, Paraguai, apontou que ”a redução das desigualdades econômicas, territoriais, étnicas, de gênero, etc., exige recursos genuínos, necessários para financiar a políticas públicas sem requerer dependência do setor externo. O endividamento implica transferir às gerações seguintes o pagamento do bem-estar presente e a desigualdade do sistema tributário faz com que, ao final, paguem a dívida os setores médios e os de baixa renda”. Por outro lado, segundo Verónica, dados do Projeto Comitê para Equidade[1] mostram que existe “um efeito positivo das transferências na redução das desigualdades e as transferências diretas têm papel importante na redução da pobreza”. O problema, detectado pelo estudo, é que “o efeito dos impostos indiretos na pobreza mais que compensa a maioria dos benefícios do sistema de transferências, e um terço dos pobres pagam mais do que recebem. Para algumas linhas de pobreza, o número de pessoas que se tornam pobres devido a impostos indiretos é maior do que o número de pessoas que saem da pobreza após receberem transferências do governo. Portanto, a incidência da pobreza após impostos e transferências é maior do que a pobreza encontrada no nível de renda original”.
O segundo painelista da tarde foi o doutor em economia e ex-diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Jorge Abrahão, que salientou o fato de que “é recomendável observar a experiência internacional, de países que tributam mais a renda e menos o consumo. Nestes países, a desigualdade é muito menor. No caso brasileiro, os mais pobres, e estamos falando de 80% da população, nem sabem que pagam tanto imposto, pois os tributos estão nos preços das mercadorias que consomem”. Abrahão chamou a atenção, ainda, para a questão do ônus da carga tributária: “A ideia de que a gente paga muito imposto é muito um discurso de quem paga pouco imposto. Aqueles que estão no topo da pirâmide, em termos relativos, a alíquota que recai sobre a renda deles é quase nula, mas eles têm um discurso de quem paga muito imposto”.
Por isso, a importância de voltar a tributar lucros e dividendos, isentos no Brasil desde 1995, fato que gera como consequência esta distorção no imposto de renda das pessoas físicas, onde a partir da faixa de renda entre 30 e 40 salários mínimos, a alíquota efetiva média do imposto de renda começa a cair.
Encerrando o painel, a auditora-fiscal da Receita Federal do Brasil aposentada e consultora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Clair Hickmann, além de tratar das características do Imposto de Renda da Pessoa Física, discorreu sobre diversos mecanismos que aprofundam a injustiça tributária no Brasil, como a evasão e a elisão fiscal, a falta de transparência, a existência de paraísos, melhor dito, esconderijos fiscais, que contribuem para diminuir as bases tributárias e, consequentemente, os recursos disponíveis aos Estados para desenvolver políticas públicas de igualdade e inclusão. Segundo ela, “A Reforma tem que ser pensada na perspectiva do desenvolvimento econômico e social, do fortalecimento do estado de bem-estar social, da promoção da progressividade pela tributação direta da renda e do patrimônio, da revisão das renúncias fiscais e isenções e do aperfeiçoamento dos instrumentos de combate à evasão fiscal e paraísos fiscais”.
Clair foi além, movida pela injustiça que percebe no dia-a-dia e que não a deixa alheia: “é preciso envolver a sociedade, a tributação não é um problema técnico, mas político”.
A atividade fez parte da divulgação do livro “A Reforma Tributária Necessária: Diagnósticos e Perspectivas”, iniciativa da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e que reuniu mais de 40 especialistas, resultando em um livro com 39 artigos e mais de 800 páginas.
Na elaboração deste texto, nos apoiamos em matéria publicada no veículo de comunicação Sul21 (https://www.sul21.com.br/ultimas-noticias/economia/2018/08/especialistas-defendem-taxacao-de-lucros-e-dividendos-o-brasil-e-paraiso-fiscal-dos-grandes-ricos/) .
Em outra postagem, trataremos do segundo e terceiro painéis do evento.
Para acessar o documento completo da Reforma Tributária Solidária, clique aqui.
[1] http://www.commitmentoequity.org/publications_files/Brazil/CEQ_Brasil_Policy_Assessment_Portugues_Dec%202014.pdf