Manobras Fiscais, CFEM e as violações dos direitos humanos e da natureza nos territórios foram assuntos abordados do encontro realizado em São Luís (MA)
Encerramento da Escola do Sul Global em São Luís (MA) | Foto: Lanna Luz
Avançar nos debates em torno do combate aos Fluxos Financeiros Ilícitos no setor mineral e construir formações populares para a partilha de saberes e fortalecimento das lutas, maior responsabilização corporativa e pela justiça econômica no Brasil, Argentina, Peru, África do Sul e Filipinas foram metas que guiaram a realização da Escola do Sul Global em São Luís (MA), de 30 de novembro a 03 de dezembro.
Estiveram reunidos representantes das comunidades de Piquiá de Baixo, Taim, Assentamento Francisco Romão, Quilombos Santa Joana e Santa Rosa dos Pretos, Justiça nos Trilhos (JnT), a Rede Igreja e Mineração (IyM), o Movimento dos Povos Asiáticos sobre Dívida e Desenvolvimento (APMDD), Centro de Desenvolvimento e Informações Alternativas (AIDC), Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), e Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA).
Os dias foram de muita reflexão sobre a realidade de comunidades do sul global atravessada pelos grandes empreendimentos, com discussões e uma vivência em dois territórios impactados pela estrutura portuária na zona rural de São Luís. Na ocasião, cerca de 40 pessoas visitaram as comunidades ameaçadas pela logística da mineração e agronegócio, conhecidas como Taim e Cajueiro. As famílias que se encontram nessa região vivem da agricultura, extrativismo e da pesca artesanal.
Visita de Campo na Zona Portuária de São Luís e Vivência nos territórios de Taim e Cajueiro (MA) | Fotos: Yanna Duarte
No entanto, suas culturas e modos de sobrevivência são ameaçados com a mineração de ferro e areia, a exportação de grãos do agronegócio e o deslocamento de fertilizantes. Juntos, essas atividades produzem um alto nível de poluição que matam peixes, poluem o ar e forçam a saída das famílias da zona rural para a zona urbana.
Na ocasião da visita, tivemos a companhia do professor e pesquisador do Gedmma, Elio Pantoja, que fez uma análise de conjuntura da situação enfrentada pelas comunidades e como se dá o funcionamento da estrutura portuária na cidade de São Luís. Em sua explicação, Elio ressaltou a localização estratégica de São Luís na exportação de minério de ferro e grãos para outros países, e como essa região tão rica em recursos minerais viola comunidades tradicionais visando apenas o lucro.
Foto: Yanna Duarte
“Essa região aqui permite atracar os maiores navios devido a profundidade dos canais, e com isso você tem todo um esforço do governo estadual e federal de fazer com que essa logística seja preparada para dar suporte a toda produção mineral. Esse grande Projeto Carajás foi desenvolvido para o transporte de minério, mas também serve ao agronegócio”, explica ele.
Seu Joca, morador de Cajueiro desde 1979, conta que criou os seus 11 filhos nessa terra que as empresas agora querem para si. Ele aproveitou o espaço e apoio de todas as entidades que estavam presente e acompanham todo o seu processo de luta e resistência e afirmou: “Eu não vou sair daqui de jeito nenhum”.
De acordo com a presidenta do Instituto de Justiça Fiscal (IJF), Maria Regina Duarte, o dinheiro que se arrecadaria com uma taxação justa no setor mineral e de commodities, poderia influenciar na melhoria das condições de vida nas comunidades, se esse fosse o objetivo:
“A triangulação nas operações de exportação de commodities das grandes corporações faz com que os governos deixem de arrecadar recursos que poderiam ser destinados a prover serviços públicos de qualidade, melhorar a infraestrutura e desenvolver alternativas econômicas à mineração. Isso é dramático para as comunidades, que se vêem afetadas pelos dois lados, porque além de não dispor do serviço público adequado, precisam pagar mais impostos, vez que as grandes corporações pagam pouco. Quer dizer, a conta do financiamento do Estado é empurrada para o lado que menos pode pagar. É uma tremenda injustiça”, explica ela.
Maria Regina ainda ressalta a importância do trabalho de base com as comunidades, e como elas têm oportunidades de mudar a realidade quando munidas de seus direitos. Para ela, os territórios precisam estar cientes de que existe uma possibilidade de terem mais recursos, se o Estado conseguir cobrar mais dessas grandes empresas. E isso será possível somente se as comunidades afetadas, mas não só elas, conseguirem pressionar o legislativo e o executivo a tomarem medidas para isso.
Maria Regina Duarte, do Insituto Justiça Fiscal (IJF), durante roda de diálogos sobre as questões de Justiça Fiscal Foto: Lanna Luz
“É preciso lutar para conseguir mecanismos melhores para acessar informações sobre arrecadação e destinação dos impostos e da CFEM. As organizações sociais são um importante instrumento de luta, assim como os sindicatos”, conclui.
No quarto e último dia, foi momento de tecer reflexões e mecanismos para popularizar os estudos já produzidos pelo Projeto Sul Global, que tem o objetivo de combater os abusos financeiros das mineradoras. Maxine Bezuidenhout, da África do Sul, tocou em um ponto importante para as comunidades.
Maxine Bezuidenhout, da África do Sul (ADCI)
“As comunidades, inclusive, têm o direito de não só dizer não [aos grandes empreendimentos em seus territórios] como também o direito de dizer sim. Mas sim para quê, exatamente? Qual a alternativa ao modelo de desenvolvimento extremamente agressivo que está posto? As comunidades, portanto, devem ter o direito de dizer o que querem como alternativas econômicas e de modos de vida onde elas vivem”, finalizou.
Lançamento
Outro momento marcante na programação da Escola do Sul Global foi o lançamento do estudo “O Paraíso Fiscal da Vale e seus efeitos nos municípios minerados: preços de transferência, CFEM e a Vale S.A.” , no Solar Cultural Maria Firmina dos Reis (MST), pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisa MINAS (Mineração e Alternativas) da UFV, liderado pelo professor e pesquisador da UFV, Tádzio Coelho em parceria com a Justiça nos Trilhos (JnT), Rede Igreja e Mineração (IyM), Movimento dos Povos Asiáticos sobre Dívida e Desenvolvimento (AIDC) e o Centro de Informação e Desenvolvimento Alternativo (APMDD).
Na ocasião, Guilherme Zagallo, advogado e interante do Movimento de Defesa da Ilha, apresentou ao público os dados alarmantes da poluição em São Luís. “Os níveis de emergência são ultrapassados todos os dias, pelo menos uma vez, por causa da emissão de ozônio e dióxido de enxofre”, afirmou. De acordo com estudos apresentados, o estado de calamidade na capital maranhense piora com o crescimento da produção industrial.
por Lanna Luz e Yanna Duarte