Por Dão Real Pereira dos Santos
7-11-2019
A Constituição Federal de 1988 estabelece que a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais são objetivos fundamentais do nosso Estado social. O que, para alguns, parece ser uma simples manifestação de intenções, sem grandes efeitos, é, na verdade, um comando constitucional poderoso, que vincula toda a sociedade e obriga os governantes. Erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais está no cerne do que nos constitui como Estado de Bem-estar.
Mas o que define a pobreza? Segundo o Banco Mundial a linha da pobreza é definida pela disponibilidade de renda inferior a 5,5 dólares por dia. Ou seja, quem vive com menos de 22 reais por dia, aproximadamente, estaria situado abaixo da linha da pobreza. No Brasil, segundo o IBGE, temos 55 milhões de pessoas nestas condições, que corresponde a 26,5% da população. De 2016 a 2017, houve um aumento de 2 milhões de pessoas nestas condições.
O Banco Mundial também classifica como extremamente pobres aqueles que vivem com menos de 1,9 dólares por dia. De 2016 a 2017, a quantidade de pessoas, nesta condição, subiu de 13,5 milhões para 15,2 milhões (7,34% da população). Um dos fatores que explica o crescimento da pobreza e da extrema pobreza é o desemprego. Em 2017, fechamos o ano com mais de 12% de desempregados, que corresponde, segundo a metodologia do IBGE, a mais de 20 milhões de pessoas.
Para erradicar a pobreza, estima o IBGE, seriam necessários 10,2 bilhões de reais por mês, ou seja, 122,4 bilhões por ano. Este valor corresponde a 1,8% do PIB. A carga tributária brasileira em 2017 foi de 32,4% do PIB. Portanto, bastaria elevar 1,8 pontos, passando a carga tributária para 34,2% do PIB, e já teríamos cumprido este objetivo constitucional.
Diversos estudos demonstram que há espaços para elevar a arrecadação dos tributos sobre as camadas mais ricas, apesar das insistentes campanhas midiáticas contra os tributos e da intenção do governo de reduzir a carga tributária, mesmo que implique a redução dos direitos sociais.
No ano calendário de 2017, por exemplo, mais de 370 bilhões de reais, relativos a lucros e dividendos distribuídos aos sócios e acionistas das empresas, ficaram isentos do imposto de renda das pessoas físicas. Além disso, desde 1988, há previsão constitucional para a implantação do Imposto sobre Grandes Fortunas, que até hoje não se instituiu. Enquanto isso, o patrimônio declarado pelas 25 mil pessoas com rendimento mensal superior a 300 mil reais e maior do que 1,4 trilhão de reais [1]. A riqueza dos 200 bilionários brasileiros cresceu, de 2017 a 2018, cerca de 230 bilhões, segundo a revista Forbes. As 58 pessoas mais ricas do Brasil possuem patrimônio de 680 bilhões de reais, que corresponde a 10% do PIB.
Estudo coordenado pela ANFIP [2] e FENAFISCO [3] (2018 p. 38 [4]) demonstra que é possível elevar a arrecadação dos tributos que incidem sobre o patrimônio, a renda e as transações financeiras em mais de 357 bilhões de reais, atingindo principalmente as camadas mais ricas da sociedade.
Além disso, estima-se que a sonegação de tributos no Brasil é de aproximadamente 10% do PIB. Ou seja, se houvesse maior eficácia arrecadatória, a carga tributária efetiva já estaria próxima a 40% do PIB. Portanto, também pelo aumento da eficiência, com maiores investimentos nas administrações tributárias, já seria possível garantir recursos para erradicar toda a pobreza no Brasil.
Como se percebe, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades não estão limitadas à falta de alternativas. Trata-se de uma decisão de natureza política. A elevação de 1,8 pontos na carga tributária para retirar 55 milhões de pessoas da situação de pobreza, das quais 13,5 milhões, estão em situação de miséria, é plenamente justificável, tanto do ponto de vista social como econômico. Segundo Castro [5] (2018), as transferências diretas de renda, como o BPC [6] e o Bolsa Família, têm alto potencial multiplicador do PIB, além de promover reduções substanciais na desigualdade social.
Assim, tendo em vista os alarmantes níveis de desigualdade social do país, que ocupa a vexatória 9ª posição no ranking global da desigualdade de renda [7], há que se resgatar o debate sobre implementação da renda básica. Elevando a carga para 34,2% do PIB, estaríamos na média das cargas tributárias dos países da OCDE [8] (34,3%), e teríamos recursos para acabar com a pobreza e a miséria. Indo um pouco além, com uma carga tributária de 35,31% (elevação de 2,9%), seria possível garantir uma renda básica de 300 reais por mês para 55 milhões de pessoas.
Fica evidente que, diante de recursos limitados, o aumento da pobreza e da miséria está diretamente relacionado com o aumento da concentração de renda e riqueza. Portanto, para erradicar a pobreza e a miséria de muitos é preciso tributar a riqueza de poucos e ninguém deixará de ser rico pagando mais tributos, tampouco alguém se tornará rico deixando de ser pobre. Garantir uma renda básica a todos é uma escolha que revela a opção por uma sociedade mais justa, solidária e menos desigual.
[1] RFB – Dados Abertos – Grandes Números da DIRPF (relatorio-gn-irpf-ac-2017-excel)
[2] Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil
[3] Federação dos Sindicatos de Auditores Fiscais dos Estados
[4] A Reforma Tributária Necessária – Justiça fiscal é possível: Subsídios para o debate democrático sobre o novo desenho da tributação brasileira
[5] CASTRO, Jorge Abrahão. Política social no Brasil: distribuição de renda e crescimento econômico. In: ANFIP; FENAFISCO. A reforma tributária necessária: diagnóstico e premissas. Brasília: ANFIP, FENAFISCO; São Paulo: Plataforma Política Social, 2018.
[6] BPC – Benefício de Prestação Continuada
[7] https://oglobo.globo.com/economia/brasil-piora-ja-o-9-do-ranking-global-de-desigualdade-de-renda-23254951
[8] Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico
Este é o 1º artigo da série Como erradicar a pobreza e a marginalização. Os demais artigos são:
2 – Bora acabar com a pobreza e reduzir a desigualdade?!?!
3 – Com quantos miseráveis se faz um bilionário?