Desigualdade é uma escolha. Por Joseph Stiglitz.

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Joseph Stiglitz

13-10-2013

The New York Times.

É bem conhecido até agora que a desigualdade de renda e riqueza na maioria dos países ricos, especialmente os Estados Unidos, cresceram nas últimas décadas e, tragicamente, piorou ainda mais desde a Grande Recessão. Mas o que acontece com o resto do mundo? O fosso entre os países está diminuindo, como indicariam o aumento dos poderios econômicos da China e Índia, que têm resgatado centenas de milhões de pessoas da pobreza ? E dentro dos países pobres e de renda média, a desigualdade está cada vez pior ou melhor? Será que estamos caminhando em direção a um mundo mais justo, ou a um mais injusto ?

Estas são questões complexas, e novas pesquisas por um economista do Banco Mundial chamado Branko Milanovic, junto com outros estudiosos, aponta o caminho para algumas respostas.

A partir do século 18, a revolução industrial produziu uma enorme riqueza para a Europa e América do Norte. Claro, a desigualdade nesses países foi terrível – imaginem as fábricas têxteis de Liverpool e Manchester, na Inglaterra, na década de 1820, e os cortiços do Lower East Side de Manhattan e do lado sul de Chicago na década de 1890 – mas a diferença entre os ricos e o resto, como um fenômeno global, aumentou ainda mais, até a II Guerra Mundial. Até hoje, a desigualdade entre os países é muito maior do que a desigualdade dentro dos países.

Mas começando em torno da queda do comunismo no final da década de 1980, a globalização econômica acelerou e o fosso entre nações começou a encolher. O período de 1988-2008 "pode ​​ter testemunhado o primeiro declínio na desigualdade global entre os cidadãos do mundo a partir da Revolução Industrial", escreveu Mr. Milanovic – que nasceu na ex-Jugoslávia e é o autor de “The Haves and the Have-Nots: A Brief and Idiosyncratic History of Global Inequality,” (“Os que têm e os que não têm: uma Breve e idiossincrática história da desigualdade global", ainda não traduzido) – em um artigo publicado em novembro passado. Embora a diferença entre algumas regiões tenha diminuído significativamente – a saber: entre a Ásia e as economias avançadas do Ocidente – grandes lacunas permanecem. As rendas médias globais, por país, aproximaram-se ao longo das últimas décadas, principalmente com a força dos crescimentos da China e da Índia. Mas a igualdade geral em toda a humanidade, considerados como indivíduos, melhorou muito pouco. (O coeficiente de Gini, uma medida da desigualdade, melhorou apenas 1,4 pontos entre 2002 e 2008).

Javier Jaén

Assim, enquanto as nações da Ásia, Oriente Médio e América Latina, como um todo, podem estar se aproximando do Ocidente, os pobres em todos os lugares estão sendo deixados para trás, mesmo em lugares como a China, onde eles se beneficiaram um pouco do aumento dos padrões de vida.

De 1988 a 2008, conforme Milanovic pesquisou, as pessoas no topo 1% do mundo viram seus rendimentos aumentarem em 60%, enquanto os 5% do extrato inferior não tiveram alteração em suas rendas. E ainda que a renda média tenha melhorado bastante nas últimas décadas, ainda há enormes desequilíbrios: 8% da humanidade leva para casa 50% do rendimento global; só o top 1% leva para casa 15%. Os ganhos de renda foram maiores entre as elites globais – executivos financeiros e empresariais nos países ricos – e entra as grandes "classes médias emergentes " da China, Índia, Indonésia e Brasil. Quem perdeu ? Os africanos, alguns latino-americanos, e as pessoas da Europa Oriental pós-comunista e da antiga União Soviética.

Os Estados Unidos são um exemplo particularmente sombrio para o mundo. E isto porque, em muitos aspectos, a América muitas vezes "lidera o mundo" e, se os outros países seguirem o seu exemplo, os presságios não são muito bons para o futuro.

Por um lado, a ampliação da desigualdade de renda e riqueza nos Estados Unidos é parte de uma tendência observada em todo o mundo ocidental. Um estudo de 2011 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) descobriu que a desigualdade de renda começou a subir no final dos anos 70 e início dos anos 80 nos Estados Unidos e Grã-Bretanha (e também em Israel). A tendência se tornou mais ampla a partir do final dos anos 80. Na última década, a desigualdade de renda cresceu mesmo em países tradicionalmente igualitários, como a Alemanha, Suécia e Dinamarca. Com poucas exceções – França, Japão, Espanha – os top 10% dos assalariados na maioria das economias avançadas correu à frente, enquanto os 10% inferior caíram ainda mais para trás.

Mas a tendência não era universal, ou inevitável. Durante esses mesmos anos, países como Chile, México, Grécia, Turquia e Hungria conseguiram reduzir (em alguns casos bastante) significativamente a desigualdade de renda, sugerindo que a desigualdade é um produto de forças políticas e não meramente macroeconômicas. Não é verdade que a desigualdade é um subproduto inevitável da globalização, a livre circulação de trabalhadores, capitais, bens e serviços, e as mudanças tecnológicas que favorece os trabalhadores melhor qualificados e mais bem educados.

Das economias avançadas, os Estados Unidos têm algumas das piores disparidades de renda e oportunidades, com devastadoras conseqüências macroeconômicas. O produto interno bruto (PIB) dos Estados Unidos mais do que quadruplicou nos últimos 40 anos e quase dobrou nos últimos 25, mas como já é sabido, os benefícios foram apropriados pelo topo – e cada vez mais pelos situados muito, muito no alto.

No ano passado, o top 1% dos norte-americanos levou para casa 22% da renda do país, sendo que os 0,1%, 11%; 95% de todos os ganhos de renda desde 2009 teriam ido para o top 1%. Números do censo divulgados recentemente mostram que a renda média na América não se moveu em quase um quarto de século. O homem típico americano recebe menos do que ele recebia há 45 anos (após o ajuste pela inflação), os homens que se formaram no ensino médio, mas não têm diploma universitário de quatro anos recebem quase 40% menos do que recebiam há quatro décadas.

A desigualdade americana começou sua ascensão há 30 anos, juntamente com a diminuição de impostos para os ricos e a flexibilização da regulamentação sobre o setor financeiro. Isso não é coincidência. Ela piorou com o sub-investimento em nossos sistemas de infraestrutura, educação e saúde, e nas redes de seguridade social. A crescente desigualdade reforça-se pelas corrosões do nosso sistema político e da nossa governança democrática.

E a Europa parece muito ansiosa para seguir o mau exemplo dos Estados Unidos. O abraço de austeridade – da Grã-Bretanha a Alemanha – está liderando a alta taxa de desemprego, queda dos salários e aumento da desigualdade. Funcionários como Angela Merkel, a chanceler alemã recém- reeleita, e Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, argumentam que os problemas da Europa são resultado de uma despesa de bem-estar inchada. Mas essa linha de pensamento só tem levado a Europa à recessão (e até mesmo à depressão). Que as coisas podem ter saído do fundo do poço – de que a recessão pode ter "oficialmente " terminado – é pouco conforto para os 27 milhões sem emprego na União Européia. Em ambos os lados do Atlântico, os fanáticos da austeridade dizem “Continuem: estas são as pílulas amargas que precisamos tomar para alcançar a prosperidade”. Mas a prosperidade para quem?

A financeirização excessivaque ajuda a explicar a situação dúbia da Grã-Bretanha como o segundo país mais desigual, depois dos Estados Unidos, entre as economias mais avançadas do mundo – também ajuda a explicar a desigualdade crescente. Em muitos países, a fraca governança corporativa e a erosão da coesão social levaram a crescente diferenciação entre os salários dos executivos e dos trabalhadores comuns – ainda não se aproximando do nível 500 para 1 para as maiores empresas da América (estimado pela Organização Internacional do Trabalho ), mas ainda maior do que os níveis pré-recessão. (Japão, que tem reprimido os salários dos executivos, é uma notável exceção). As inovações americanas em rent-seeking” (“busca de rendas”) – enriquecimento não pelo crescimento do tamanho do bolo econômico, mas pela manipulação do sistema para apropriação de uma fatia maior – passaram a ser práticas globais.

A Globalização assimétrica também fez seu estrago em todo o mundo. O capital móvel exigiu que os trabalhadores fizessem concessões salariais e os governos concessões fiscais. O resultado é uma corrida ao fundo do poço. Salários e condições de trabalho estão sendo ameaçados. Empresas pioneiras como a Apple, cujo trabalho se baseia em enormes avanços na ciência e na tecnologia, muitos deles financiados pelo governo, também têm demonstrado grande habilidade em evitar os impostos. Elas estão dispostas a receber, mas não a retribuir.

Desigualdade e pobreza entre as crianças são uma vergonha moral especial. Os autores desconstroem as sugestões de direita de que a pobreza é resultado de preguiça e más escolhas; as crianças não podem escolher os seus pais. Nos Estados Unidos, cerca de uma em cada quatro crianças vive na pobreza; na Espanha e na Grécia, cerca de uma em cada seis; na Austrália, Grã-Bretanha e Canadá, mais de uma em cada 10. Nada disto é inevitável. Alguns países fizeram a opção de criar economias mais justas: a Coreia do Sul, onde há um meio século atrás apenas uma em cada 10 pessoas concluía a faculdade, hoje tem uma das taxas de conclusão da universidade mais alta do mundo.

Por estas razões, vejo-nos entrando num mundo dividido não só entre os ricos e pobres, mas também entre países que não fazem nada a respeito, e aqueles que o fazem. Alguns países serão bem sucedidos na criação de prosperidade partilhada – o único tipo de prosperidade que eu acredito que seja verdadeiramente sustentável. Outros vão deixar a desigualdade “correr solta”. Nessas sociedades divididas, o rico vai instalar-se em condomínios fechados, quase completamente separados dos pobres, cujas vidas serão quase incompreensíveis para eles e vice-versa. Visitei sociedades que parecem ter escolhido este caminho: eles não são os lugares em que a maioria de nós gostaria de viver, seja em seus enclaves de clausura ou em suas favelas desesperadas.


Disponível em http://opinionator.blogs.nytimes.com/2013/10/13/inequality-is-a-choice/?_r=1]

Traduzido por Marcelo Ramso Oliveira, do IJF.