Delações, crise e tributação

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*Maria Regina Paiva Duarte
O momento é tão crítico que se torna difícil fazer uma análise mais aprofundada sobre os mais diversos temas. Crise política, crise econômica, precarização do trabalho e da moradia, supressão de direitos, violência urbana e rural, aumento de criminalidade, são tantos os problemas que poderíamos dizer, sem receio de errar, que é uma crise sistêmica, global.
No Brasil, as delações dos empresários da JBS sacudiram recentemente o cenário nacional, e também o internacional, evidenciando práticas não muito diferentes das que apareceram nos últimos dois ou três anos e, ao que tudo indica, vão continuar sendo reveladas.
Embora não se tenha ainda clareza e distanciamento suficientes para entender toda a situação, é certo que tais práticas não são republicanas e merecem ampla e profunda apuração. Até aí, entendemos. O problema é que não podemos deixar de relacionar com a situação mundial, saber em que contexto e em que condições o caso brasileiro está inserido.
Há um movimento para desestabilizar os governos progressistas na América Latina. É bem verdade que os últimos anos do governo da presidenta Dilma Roussef indicaram ações equivocadas do ponto de vista da esquerda, mas já nos encontrávamos, nessa fase, no meio de um processo político que apontava para o golpe. Aproveitando o momento de forte crise econômica global, setores mais conservadores, contando com a ajuda da mídia dominante, construíram a narrativa do golpe que hoje se apresenta cada vez mais visível e inegável como golpe.
Para desestabilizar, vale tudo, desde o arrocho e o bloqueio econômico à utilização do poder judiciário nestes países. As leis parecem servir apenas a um lado, embora ares de legalidade sejam sempre borrifados no ambiente. A criminalização dos movimentos sociais e dos protestos também vale. Esses baderneiros, dizem…
Estamos todos assistindo à revogação do modelo de Estado social esculpido na Constituição Federal de 1988 sem que tenha sido chamada uma Assembleia Constituinte. É visível o aumento do desemprego, a diminuição da renda, a perda de direitos, a impossibilidade de aposentadoria digna. Por outro lado, a acumulação de capital para as pessoas detentoras de rendas mais altas, de maior patrimônio, não parece estar sendo afetada negativamente, ao contrário. Quanto maior a crise, maior o ganho. Isso já foi comprovado inclusive nos EUA, depois da crise de 2008, quando megaempresários do setor financeiro saíram mais ricos do que entraram quando estourou a crise.
No Brasil, 1% da população detém 25% da renda nacional. A concentração de renda é elevadíssima, mas tributamos muito mais o consumo, onerando injustamente os mais pobres, e muito menos a renda. Analisando de forma breve, a título de exemplo, para rendas superiores a 10 salários mínimos, a alíquota efetiva do Imposto de Renda Pessoa Física é a mesma aplicada às rendas superiores a 160 salários mínimos. Além disso, a alíquota média efetiva para as rendas mais elevadas é em torno de 6%, bem inferior aos percentuais a que estão sujeitas as demais rendas (ver em  https://ijf.org.br/wp-content/uploads/2016/05/2016-01-08-PROJETO-ISONOMIA.pdf).
Segundo dados da Receita Federal do Brasil, dos 27 milhões de pessoas que apresentaram declaração do Imposto de Renda em 2015, somente 28 mil pessoas (0,1% dos declarantes) declararam possuir mais de R$ 1,7 trilhão em bens e direitos, o que equivale a 17% de todos os bens e direitos declarados. Este pequeno grupo de contribuintes são os que possuem renda mensal total superior a R$ 230 mil. Quase 50% de todos os bens e direitos declarados, pertencem a somente 4,58% dos declarantes, demonstrando uma elevadíssima concentração de riquezas (ver Grandes Números DIRPF – Secretaria da Receita Federal http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/11-08-2014-grandes-numeros-dirpf/grandes-numeros-dirpf-capa).
Antes de retirar direitos, fazer a justa tributação, cobrando mais de quem tenha maior capacidade contributiva. Os movimentos sociais, sindicatos e trabalhadores estão atentos a isto e saíram às ruas.
*Diretora Administrativa do IJF