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Auxílio emergencial sem condicionantes, tributando os Super-Ricos

Maria Regina Paiva Duarte*

Pressionado pela continuidade do pagamento do auxílio emergencial, o governo e o Congresso Nacional decidiram encaminhar proposta para sua renovação. Mas, enganam-se os que pensam que seria uma proposta “do bem”.

Em mais uma manobra, verdadeira chantagem, esse é o nome correto, a decisão foi condicionada ao encaminhamento de duas propostas de emenda à Constituição (PEC), a do Pacto Federativo (PEC 188/2019), e a PEC Emergencial (PEC 186/2019). Após reunião entre representantes do governo e os presidentes das duas casas legislativas, a votação da PEC 186/2019 foi marcada para a próxima quinta-feira, dia 25/02. A princípio está marcada, mas não há certeza ainda da votação.

Independentemente da data, as propostas são ruins e caminham em direção ao retrocesso.

A PEC 186/2019 modifica limites para gastos com pessoal e proíbe que novas leis autorizem o pagamento retroativo desse tipo de despesa. Já a PEC 188/2019 traz medidas como a redução temporária da jornada de trabalho, com redução proporcional da remuneração de servidores públicos. Na PEC 186, que já foi pautada, foram acatadas as emendas e suprimido do texto a
redução nos salários e jornada de trabalho dos servidores, mas foram mantidos o congelamento e todas as restrições a promoções, contratações e qualquer alteração que implique gastos com pessoal.

A PEC 188/2019 pretende dar maior autonomia aos gestores nos três níveis da federação, descentralizando recursos. E que eles não sejam irresponsáveis (maus gestores) em relação à mudança com a autonomia na distribuição de recursos e suas alocações, pois não deverão ser socorridos pela União. E qual é essa mudança? A unificação dos gastos mínimos em saúde e educação. Os municípios, por exemplo, têm como percentuais mínimos 15% e 25%, respectivamente. A PEC agrega os percentuais de forma que um prefeito poderá, se quiser, aplicar 20% em saúde e os outros 20% em educação.  Mas no relatório da PEC 186 a maldade é ainda maior, pois se aceitou a simples extinção das vinculações das receitas para saúde e educação[1].

O governo confunde, o Congresso não deixa por menos. Na rede social (Twitter) do Deputado Arthur Lyra, presidente da Câmara dos Deputados, está escrito: “PEC Emergencial/Pacto Federativo, c/ cláusula de calamidade (shut down): votação prevista para quinta-feira no Senado. Aprovada, um marco histórico nas finanças pública do país. Remetida, desde que ouvidos os líderes democraticamente, c/ tramitação prioritária e votação em março.”

Imaginem que em um país como o Brasil, com enorme desigualdade e concentração de renda, com financiamento público da saúde pelo SUS, incomparável com o restante dos países, por ser universal, amplo, atendendo 75% da população brasileira, imaginem o Brasil sofrer este ajuste fiscal neste tipo de gasto!

Um país em que 88% das crianças estão em escolas públicas, em que a educação é amplamente financiada com recursos públicos, em que por pouco não se concretizou a tentativa de esvaziar o Fundeb, que garante a distribuição mais justa dos recursos arrecadados, permitindo que não sejam prejudicados locais com menores possibilidades de arrecadação… Imaginem só! Ficarem ainda mais limitados os gastos com educação.

Mas o governo e o Congresso insistem em não propor o fim do Teto de Gastos, que impede aumento nos gastos com saúde e educação. Insistem em cortar recursos. Na verdade, atrasam ainda mais a recuperação da economia, quando deveriam estar focados em programas para garantir emprego e renda, dar recursos para quem efetivamente movimenta a economia, caso de quem foi beneficiado pelo auxílio emergencial.

A proposta agora é trocar um novo auxílio, de R$ 250,00 mensais, por quatro meses, pela aprovação de medidas da PEC do Pacto Federativo, mais conhecida como PEC do fim do mundo, agora bombada pela inclusão de propostas da PEC emergencial e de uma cláusula de calamidade, que vai permitir o pagamento do auxílio sem ter que romper com o Teto de Gastos.  No primeiro pagamento do auxílio, que foi de R$ 600,00, a contragosto do próprio governo, foram incluídas mais de 60 milhões de pessoas, e isso ajudou a reduzir a extrema pobreza e aumentou o PIB, sendo, portanto, muito bom do ponto de vista econômico também.

Quais os verdadeiros motivos dessa perseguição ao Estado democrático, aos princípios constitucionais? Talvez não encontremos todas as respostas, mas sempre é bom reler o que disse a professora Élida Graziane, procuradora de contas do Estado de São Paulo, ainda no ano de 2019[2]:

“Sem corrigir as distorções da regressiva matriz tributária e do elevado estoque de renúncias fiscais, tampouco sem cumprir os ditames constitucionais sobre os limites da dívida consolidada e mobiliada federal, a proposta de desvincular, desindexar e desobrigar o orçamento público traz consigo, a bem da verdade, outra tríade ‘DDD’: desigualdade, desonestidade e destruição constitucional”.

A matriz tributária brasileira é regressiva, como aponta a professora Élida. Tributa muito menos os mais ricos, aliviando os impostos para o andar de cima e beneficia grandes empresas com renúncias fiscais desmedidas e em detrimento do interesse público[3]. Quer dizer, pelo lado da arrecadação, ou da receita, penaliza os mais pobres. Do lado da distribuição também, porque congela gastos com saúde e educação, desvincula o piso constitucional para investimentos nessas áreas, diminui prestação de serviço público e não apresenta solução efetiva para manter renda e empregos, gerar investimentos que movimentem a economia.

Que dizer da campanha de vacinação, onde não foram envidados esforços nem investidos recursos para comprar as vacinas, ao contrário, se desestimulou a vacinação, as compras estão sendo feitas a conta-gotas. Sabemos que não haverá recuperação da economia sem que a população esteja vacinada e se atinja imunidade suficiente.

O Instituto Justiça Fiscal, juntamente com outras 70 entidades, defende propostas de alterações legais que podem gerar R$ 300 bilhões de arrecadação por ano o que pagaria, inclusive, a compra das vacinas necessárias. A Campanha Tributar os Super-Ricos[4] , iniciada no ano passado, repassou ao Congresso Nacional oito projetos de lei que podem, se aprovados, garantir recursos sem que a grande maioria da população brasileira seja prejudicada.

Trata-se de uma campanha em que apenas 0,3% dos mais ricos do país seriam tributados, fazendo justiça à quase nula tributação das suas altas rendas e patrimônio. Não queremos chegar no fim do mundo, queremos reduzir desigualdade e ter um país mais justo e solidário.

*Presidenta do IJF e auditora-fiscal da Receita Federal do Brasil aposentada


[1] Fonte: Agência Senado

[2] Ver https://www.conjur.com.br/2019-set-24/contas-vista-ddd-fiscal-traz-desigualdade-desonestidade-destruicao-constitucional?s=03

[3] Ver https://ojoioeotrigo.com.br/2021/02/coca-cola-e-ambev-manobram-para-lucrar-com-impostos-e-recebem-r-16-bi-de-paulo-guedes-e-bolsonaro/

[4] Detalhes da campanha podem ser conferidos em:  www.ijf.org.br/tributar-os-super-ricos