Afinal, de que lado eles estão?

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Dão Real Pereira dos Santos*
Os deputados e senadores foram eleitos pelo povo brasileiro como representação do seu (do povo) poder soberano, pois, nos termos do que dispõe o parágrafo único do Artigo 1º da Constituição Federal, todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes ou diretamente. É assim que funciona em um Estado Democrático de Direito. Deveriam, portanto, ser a voz do povo. Aliás, não há nada mais simbólico do que a denominação de casa do povo para o Congresso Nacional.
No final do ano passado, no entanto, eles aprovaram a proposta de emenda constitucional para congelar os gastos sociais para os próximos 20 anos. Não é preciso ser muito observador para saber que nenhum desses deputados e senadores foi eleito tendo como bandeira a redução do Estado naquilo em que o Estado é mais importante para o povo. Aliás, dificilmente seria eleito um candidato que defendesse abertamente a redução e a precarização dos serviços públicos e a redução dos recursos destinados à saúde e à educação. Mas ainda assim, a proposta foi aprovada com 359 votos na Câmara e 61 votos no Senado.
Mesmo estando comprovado que os gastos sociais, claramente insuficientes em relação às demandas da população, tiveram seu crescimento reduzido nos últimos anos, e que os problemas fiscais que o país enfrenta decorrem mais da queda da atividade econômica, das desonerações e da sonegação, do que do crescimento dos gastos, eles preferiram aprovar a redução dos gastos com saúde, educação, assistência e investimentos a controlar e limitar os gastos financeiros com o pagamento de juros, estes sim, verdadeiros responsáveis pelas dificuldades fiscais do Brasil, pois saltaram de 3,2% do PIB em 2010 para 6,7% do PIB em 2015.
Não se trata de estagnar o crescimento dos gastos sociais. De fato, a maioria dos parlamentares decidiu promover uma brutal redução do tamanho do Estado para algo em torno de 12% do PIB, valor que se aproxima muito ao que se gastava antes da Constituição de 88. Hoje, os gastos primários do governo aproximam-se de 20% do PIB, que é inferior à média dos gastos sociais praticados nos países da OCDE. Não há dúvida de que a redução da participação dos gastos sociais na renda nacional significa uma clara opção pela disponibilização de uma parcela maior desta renda para atender interesses privados.
Preferiram, portanto, contrariar o interesse de milhões de brasileiros a contrariar o interesse de representantes do setor financeiro – fortemente presentes tanto no governo como no congresso – que detêm a maior parcela dos títulos da dívida pública,. Afinal, de que lado eles estão?
Quando empossados, prometeram manter, defender e cumprir a Constituição Federal. Porém, justamente naqueles pontos que constituem o Brasil como um Estado social, não apenas não os mantêm e não os defendem, mas esforçam-se para desmontá-los.
O próximo passo é avançar sobre a previdência social. Ao mesmo tempo em que alegam desequilíbrio das contas da previdência, aprovam desonerações tributárias bilionárias, redução das fontes de financiamento e desvinculação de receitas. Propõem a ampliação da idade mínima para 65 anos e do tempo de contribuição para 25 anos, como condição para a obtenção do direito de se aposentar, tanto para homens quanto para mulheres. Propõem a extinção das aposentadorias especiais para professores e outras profissões, a desvinculação ao salário mínimo das pensões por morte e dos benefícios pagos aos idosos sem outras fontes de renda e aos portadores de deficiência.
Para se aposentar com vencimentos integrais, serão necessários 49 anos de contribuição sem interrupções, o que significa, dito de outra forma, que na prática acaba a possibilidade de aposentadoria com vencimentos integrais. Tudo isso embasado em um discurso insistente sobre o déficit nas contas da previdência. No entanto, os próprios números do governo demonstram que esse déficit é maquiado, pois, entre outros dados, não leva em conta a totalidade das fontes de financiamento previstas na Constituição, mas tão somente as contribuições dos empregados e dos empregadores. Utilizando esta mesma fórmula, talvez a maioria dos sistemas previdenciários do mundo seja também deficitária.
A verdade é que em nosso ordenamento jurídico não existe um orçamento previdenciário. A previdência, juntamente com a saúde e a assistência social constituem a seguridade social, cujo financiamento, segundo a Constituição Federal, deve ser feito de forma tripartite, com contribuições do governo, dos trabalhadores e dos empregadores.
O orçamento da seguridade, que abrange diversas fontes de receita, como as contribuições sociais, as contribuições previdenciárias dos trabalhadores e dos empregadores e os próprios recursos orçamentários do governo tem apresentado superávits sucessivos ao longo dos anos, apesar das desonerações e da sonegação.
Ainda assim, os representantes do povo dão claros sinais de que preferem reduzir os direitos dos trabalhadores a rever as políticas de desonerações tributárias (que saltaram de 3,6% do PIB em 2010 para 4,93% do PIB em 2015). Preferem dificultar e mesmo impedir que os trabalhadores consigam se aposentar – pois a idade mínima de 65 anos é maior do que a expectativa de vida em várias regiões do país -, impedir que os idosos sem renda possam receber o benefício antes dos 70 anos de idade, e limitar a pensão por morte a 50% do valor do salário base, a criar mecanismos que torne efetivo o combate à sonegação tributária que já alcança mais de 7% do PIB. Afinal, de que lado eles estão?
Alguém dirá: mas não são todos, pois vários votaram contra estas reformas. Isso está correto, façamos justiça. De fato, não são todos, apenas a maioria, o que nos leva a triste conclusão de que a maioria do povo está sendo representada pela minoria do Congresso Nacional. Outros dirão que a culpa é do governo, pois é ele que propõe essas medidas. Isso também é verdade, mas com um parlamento sério nenhum projeto contra o povo, com argumentos tão falaciosos, seria aprovado.
E acrescente-se mais uma! Na calada da noite, traindo acordo firmado com as centrais sindicais e de forma sorrateira, o presidente da Câmara colocou em votação e os deputados aprovaram o projeto de lei que autoriza a terceirização irrestrita do trabalho, inclusive para as atividades fins, o que, segundo especialistas e diversos sindicatos, produzirá um achatamento dos salários e uma total precarização das relações de trabalho. Preferiram, portanto, atender ao lobby dos empresários que vêem na terceirização nada mais do que uma forma de redução de custos e de responsabilidades sociais, a preservar os direitos duramente conquistados pelos trabalhadores brasileiros desde meados do século passado. Afinal, de que lado eles estão?
É triste a sina do povo que precisa se defender de seus próprios representantes que, oxalá, todos saibam de que lado estão.


 
* Dão Real Pereira dos Santos é integrante do Instituto Justiça Fiscal – IJF