A obscenidade da bolsa magistratura

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Muito se critica o Bolsa-Pobre, conhecido como Bolsa-Família. Pouco se critica o Bolsa-Rico, termo criado por Maria Lúcia Fatorelli, especialista em dívida pública, que transfere recursos de todos os contribuintes para especuladores que lidam com títulos do tesouro nacional. Os empréstimos do BNDES, com juros camaradas, também transferem renda da plebe para a turma dos camarotes.

O BNDES pega dinheiro caro no mercado e repassa mais barato para amigos.

Outro escândalo é o das ajudas para quem não precisa. Existe uma falha na autonomia dos poderes. O judiciário julga todo mundo. Mas quem julga o judiciário? O próprio judiciário. Ninguém é suficientemente altivo, ainda mais não sendo eleito, para julgar desinteressadamente em causa própria. A cúpula do judiciário parasita a nação. Sempre se dá ganho de causa.

Embolsa tudo o que pode. Se é legal, os magistrados querem. Quem julga a legalidade? Eles mesmos.

Querem tudo. Retroativamente.

O piso do magistério não é pago. O judiciário dorme tranquilo.

A plebe faz greve. O judiciário manda voltar ao trabalho.

Mas o judiciário, que ganha muito bem, concede-se auxílio-moradia, alimentação e transporte. No popular, é obsceno.

Pornográfico.

No Rio de Janeiro, o desembargador Siro Darlan protestou contra o auxílio-educação. Foi afastado da função que exercia no TJ-RJ.

A nova imoralidade do judiciário saiu no Diário da Justiça: “DETERMINA A ESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA O PAGAMENTO DE AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO À MAGISTRATURA, BEM ASSIMO PARECER DA ASSESSORIA ESPECIAL ADMINISTRATIVA APROVADO POR ESTA PRESIDÊNCIA COM CARÁTER NORMATIVO (EXPEDIENTE Nº 139-13/000439-3)”. Em português?

Em português, língua que o judiciário pouco pratica para não perder poder e realçar sua legitimação pelo jargão, significa que “FICA INSTITUÍDO O AUXÍLIO- ALIMENTAÇÃO AOS MAGISTRADOS EM ATIVIDADE NO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, CUJOS EFEITOS RETROAGEM À DATA DA PUBLICAÇÃO DA RESOLUÇÃO Nº 133/2011 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (24 DE JUNHO DE 2011)”. A mamata é retroativa. Por quê? Por “SIMETRIA CONSTITUCIONAL ENTRE MEMBROS DA MAGISTRATURA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO, COMUNICANDO-SE AS VANTAGENS ENTRE AS REFERIDAS CARREIRAS”.

Custo da brincadeira? R$ 33.600,00 para cada beneficiado, além dos R$ 700,00 que vão receber como auxílio-transporte. No total, como são 803 magistrados ativos, a conta fechará em R$ 1.612.800,00 de retroativo e R$ 5.621.100,00 mensais.

A cúpula do magistratura está descontente com seus salários? Por que não vai às ruas protestar? Por que não convence a opinião pública? Por que não batalha na mídia?

Auxílio-alimentação para quem ganha trinta mil por mês é indecente.

A economia gaúcha vai mal? Deputados e secretários de governo ganham aumento.

É preciso cortar direitos trabalhistas com um ajuste fiscal? Deputados gaúchos criam para eles uma aposentadoria especial inexistente para os seus eleitores.

Municipários vão receber a inflação parcelada?

Os vereadores de Porto Alegre vão recebê-la de uma vez só.

A explicação do judiciário gaúcho é cândida: não podemos ter menos direitos que a magistratura nacional. Isonomia é sinônimo de privilégio. Não se corrige o erro. É mais fácil adotá-lo como medida de correção.

A explicação dos deputados gaúchos é ardilosa: seguimos a Câmara de Deputados.

A explicação geral é canalha: o impacto nos cofres públicos não é o mesmo.

Tradução: poucos podem ganhar muito que não se vai à falência.

A maioria que se rale.

Por que não tem manifestação nas ruas contra Bolsa-Magistrado, contra aposentadoria especial de deputado, contra aumento privilegiado de vereadores e secretários de Estado? Será que os manifestantes de março e abril são beneficiados?

Entre nós, auxílio-alimentação para magistrado é uma tapa na cara.

Por causa de coisas assim os franceses tomaram a Bastilha em 1789.

O Brasil está refém das suas elites, que só pensam em termos de legalidade, autojulgada, e jamais em moralidade, razoabilidade e respeito à maioria. Ferrou. Faz tempo que a vaca foi para o brejo de toga.

Regras trabalhistas devem ser as mesmas para o serviço público e para empresas privadas.

Tudo igual.

Nenhum privilégio é moral.


Disponível em http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/