“A pergunta interessante é se podemos redistribuir uma parte da renda que atualmente vai parar nas elites minoritárias, destinando-a a outros fins sem anestesiar o progresso econômico”, escreve Paul Krugman, economista, prêmio Nobel de economia, em artigo publicado por El País, 17-01-2016.
Eis o artigo.
Até que ponto é preciso que os ricos sejam tão ricos? Não é uma pergunta fútil. É possível dizer que, no fundo, é em torno disso que gira a política nos Estados Unidos. Os progressistas querem aumentar os impostos sobre a renda mais alta e usar o que for arrecadado para reforçar a rede de seguridade social; os conservadores querem fazer o contrário e afirmam que as políticas que atingem os ricos são prejudiciais a todos, ao reduzir os incentivos para a criação de riqueza.
A história recente não ajuda muito a posição conservadora. O presidente Barack Obama aumentou consideravelmente os impostos para as faixas mais altas, e sua reforma da saúde representa a maior ampliação do Estado de bem-estar social desde Lyndon B. Johnson (presidente dos EUA de 1963 a 1969). Os conservadores previram um desastre inevitável, como tinham feito quando Bill Clinton elevou os impostos sobre o 1% de maior renda. Só que Obamaacabou sendo responsável pela maior criação de empregos desde a década de 1990. Apesar disso, existe alguma razão, numa perspectiva mais ampla, para justificar uma grande desigualdade?
Não vai ser surpresa para você ouvir que muitos membros da elite econômica acham que há. Também não vão estranhar se eu disser que não concordo, que acredito que a economia pode prosperar com muito menos concentração de renda e de riqueza na ponta da pirâmide econômica. Mas por que creio nisso?
Parece-me útil refletir sobre isso recorrendo a três modelos que explicariam a origem da desigualdade extrema, já que a economia real toma elementos dos três.
Em primeiro lugar, uma enorme desigualdade poderia ser explicada pela existência de grandes diferenças de produtividade entre alguns indivíduos e outros: algumas pessoas são capazes de dar uma contribuição centenas ou milhares de vezes superior à média. Essa é a opinião manifestada num ensaio recente muito citado, cujo autor é o investidor de capital de risco Paul Graham, muito popular no Vale do Silício (ou seja, entre pessoas que ganham centenas ou milhares de vezes mais que os trabalhadores comuns).
Em segundo lugar, uma grande desigualdade poderia se dever em especial à sorte. No clássico do cinema O Tesouro de Sierra Madre, um velho garimpeiro de ouro explica que esse metal vale tanto —e quem o encontra fica rico— graças ao trabalho de todos que foram em busca de ouro sem encontrá-lo. De forma semelhante, poderíamos ter uma economia na qual quem fica com o grande prêmio não é necessariamente quem tem a melhor preparação ou trabalha mais, e sim quem tem a sorte de estar no lugar certo no momento certo.
Em terceiro lugar, a causa das grandes desigualdades poderia ser o poder: os executivos das grandes empresas que podem determinar sua própria remuneração, os espertalhões das finanças que ficam ricos com informação privilegiada ou recebendo honorários injustos de investidores ingênuos.
Como já disse, a economia real tem elementos dessas três histórias. Seria estupidez negar que algumas pessoas sejam, de fato, muito mais produtivas que a média. Mas seria estupidez também negar que um grande sucesso nos negócios (na verdade, também em qualquer outra coisa) dependa bastante da sorte; não só a sorte de ser o primeiro a ter uma ideia ou estratégia muito rentável, mas também de ter nascido na família certa.
E claro que o poder também é um fator importante. Lendo alguém como Graham, é possível imaginar que os ricos dos Estados Unidos sejam, na maioria, empreendedores. Na verdade, o 0,1% mais rico é composto principalmente por executivos. E embora alguns deles tenham amealhado sua fortuna embarcando em operações arriscadas, o mais provável é que a maioria tenha chegado lá subindo uma sólida escada empresarial. E o aumento da renda dos que estão acima de todos é reflexo dos estratosféricos salários dos executivos, não de prêmios à inovação.
Mas, em todo caso, a pergunta interessante é se podemos redistribuir uma parte da renda que atualmente vai parar nas elites minoritárias, destinando-a a outros fins sem anestesiar o progresso econômico.
Não venham dizer que a redistribuição é um mal por si só. Mesmo que a renda elevada fosse um reflexo perfeito da produtividade, os resultados do mercado não equivaleriam a uma justificativa moral. E, visto que a riqueza costuma ser reflexo da sorte ou do poder, há muitos argumentos a favor de que parte dessa riqueza seja recolhida na forma de impostos e usada para fortalecer a sociedade como um todo, desde que não sejam destruídos os incentivos para continuar criando mais riqueza.
E não há motivos para pensar que eles seriam destruídos. Se olharmos para trás, os Estados Unidos alcançaram seu crescimento e seu progresso tecnológico mais rápidos durante as décadas de 1950 e 1960, embora os impostos fossem muito mais altos e a desigualdade, muito menor que hoje em dia.
No mundo atual, os países com impostos elevados e pouca desigualdade, como a Suécia, são também muito inovadores e têm muitas empresas criadas recentemente. Isso pode ser devido, em parte, ao fato de uma rede de seguridade social sólida incentivar que se assumam riscos: as pessoas se dispõem a procurar ouro, mesmo que o sucesso da empreitada não as deixe tão ricas quanto antes, quando sabem que não vão morrer de fome caso voltem de mãos vazias.
Enfim, voltando à minha pergunta inicial, não, os ricos não precisam ser tão ricos como são. A desigualdade é inevitável; a desigualdade extrema que existe hoje nos Estados Unidos não é.
Até que ponto é preciso que os ricos sejam tão ricos? Não é uma pergunta fútil. É possível dizer que, no fundo, é em torno disso que gira a política nos Estados Unidos. Os progressistas querem aumentar os impostos sobre a renda mais alta e usar o que for arrecadado para reforçar a rede de seguridade social; os conservadores querem fazer o contrário e afirmam que as políticas que atingem os ricos são prejudiciais a todos, ao reduzir os incentivos para a criação de riqueza.
A história recente não ajuda muito a posição conservadora. O presidente Barack Obama aumentou consideravelmente os impostos para as faixas mais altas, e sua reforma da saúde representa a maior ampliação do Estado de bem-estar social desde Lyndon B. Johnson (presidente dos EUA de 1963 a 1969). Os conservadores previram um desastre inevitável, como tinham feito quando Bill Clinton elevou os impostos sobre o 1% de maior renda. Só que Obamaacabou sendo responsável pela maior criação de empregos desde a década de 1990. Apesar disso, existe alguma razão, numa perspectiva mais ampla, para justificar uma grande desigualdade?
Não vai ser surpresa para você ouvir que muitos membros da elite econômica acham que há. Também não vão estranhar se eu disser que não concordo, que acredito que a economia pode prosperar com muito menos concentração de renda e de riqueza na ponta da pirâmide econômica. Mas por que creio nisso?
Parece-me útil refletir sobre isso recorrendo a três modelos que explicariam a origem da desigualdade extrema, já que a economia real toma elementos dos três.
Em primeiro lugar, uma enorme desigualdade poderia ser explicada pela existência de grandes diferenças de produtividade entre alguns indivíduos e outros: algumas pessoas são capazes de dar uma contribuição centenas ou milhares de vezes superior à média. Essa é a opinião manifestada num ensaio recente muito citado, cujo autor é o investidor de capital de risco Paul Graham, muito popular no Vale do Silício (ou seja, entre pessoas que ganham centenas ou milhares de vezes mais que os trabalhadores comuns).
Em segundo lugar, uma grande desigualdade poderia se dever em especial à sorte. No clássico do cinema O Tesouro de Sierra Madre, um velho garimpeiro de ouro explica que esse metal vale tanto —e quem o encontra fica rico— graças ao trabalho de todos que foram em busca de ouro sem encontrá-lo. De forma semelhante, poderíamos ter uma economia na qual quem fica com o grande prêmio não é necessariamente quem tem a melhor preparação ou trabalha mais, e sim quem tem a sorte de estar no lugar certo no momento certo.
Em terceiro lugar, a causa das grandes desigualdades poderia ser o poder: os executivos das grandes empresas que podem determinar sua própria remuneração, os espertalhões das finanças que ficam ricos com informação privilegiada ou recebendo honorários injustos de investidores ingênuos.
Como já disse, a economia real tem elementos dessas três histórias. Seria estupidez negar que algumas pessoas sejam, de fato, muito mais produtivas que a média. Mas seria estupidez também negar que um grande sucesso nos negócios (na verdade, também em qualquer outra coisa) dependa bastante da sorte; não só a sorte de ser o primeiro a ter uma ideia ou estratégia muito rentável, mas também de ter nascido na família certa.
E claro que o poder também é um fator importante. Lendo alguém como Graham, é possível imaginar que os ricos dos Estados Unidos sejam, na maioria, empreendedores. Na verdade, o 0,1% mais rico é composto principalmente por executivos. E embora alguns deles tenham amealhado sua fortuna embarcando em operações arriscadas, o mais provável é que a maioria tenha chegado lá subindo uma sólida escada empresarial. E o aumento da renda dos que estão acima de todos é reflexo dos estratosféricos salários dos executivos, não de prêmios à inovação.
Mas, em todo caso, a pergunta interessante é se podemos redistribuir uma parte da renda que atualmente vai parar nas elites minoritárias, destinando-a a outros fins sem anestesiar o progresso econômico.
Não venham dizer que a redistribuição é um mal por si só. Mesmo que a renda elevada fosse um reflexo perfeito da produtividade, os resultados do mercado não equivaleriam a uma justificativa moral. E, visto que a riqueza costuma ser reflexo da sorte ou do poder, há muitos argumentos a favor de que parte dessa riqueza seja recolhida na forma de impostos e usada para fortalecer a sociedade como um todo, desde que não sejam destruídos os incentivos para continuar criando mais riqueza.
E não há motivos para pensar que eles seriam destruídos. Se olharmos para trás, os Estados Unidos alcançaram seu crescimento e seu progresso tecnológico mais rápidos durante as décadas de 1950 e 1960, embora os impostos fossem muito mais altos e a desigualdade, muito menor que hoje em dia.
No mundo atual, os países com impostos elevados e pouca desigualdade, como a Suécia, são também muito inovadores e têm muitas empresas criadas recentemente. Isso pode ser devido, em parte, ao fato de uma rede de seguridade social sólida incentivar que se assumam riscos: as pessoas se dispõem a procurar ouro, mesmo que o sucesso da empreitada não as deixe tão ricas quanto antes, quando sabem que não vão morrer de fome caso voltem de mãos vazias.
Enfim, voltando à minha pergunta inicial, não, os ricos não precisam ser tão ricos como são. A desigualdade é inevitável; a desigualdade extrema que existe hoje nos Estados Unidos não é.
Disponível em http://www.ihu.unisinos.br/noticias/550910-a-desigualdade-precisa-ser-tao-grande